Ceará avança com políticas públicas para o setor de flôres como polo do Brasil

Fhilipe Augusto – Texto
Tiago Stille – Fotos

A maior parte da produção é comercializada atualmente no mercado brasileiro, o que faz com que o estado seja o terceiro em oferta de produtos

Mesmo encravado no semiárido brasileiro, o Ceará conseguiu identificar microclimas que são favoráveis à produção de flores e acabou se tornando, nas últimas duas décadas, em um dos principais polos produtores do setor no Brasil. Estudos recentes mostram que o estado é considerado o terceiro na oferta de produtos de floricultura para o mercado interno. No período de 2006 a 2017, o número de produtores locais saltou de 295 para 730, crescimento de aproximadamente 148% da cadeia produtiva, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esse protagonismo no mercado tomou corpo após o Governo do Ceará, ao longo das últimas décadas, passar a incentivar a produção por meio de políticas públicas para investimento em tecnologia e treinamento. Silvio Carlos Ribeiro, secretário-executivo de Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento do Trabalho (Sedet), explica que “a demanda externa e interna aquecida, microclima favorável e a gestão governamental fizeram com que o Ceará iniciasse sua produção naquela época com uma inserção forte nas exportações”.

Márcio dos Santos, mestre em economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coautor do estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), que avaliou os efeitos das políticas públicas locais na exportação de flores no período de 1997 a 2014, também destacou o papel fundamental do Estado no crescimento do setor. “Várias ações através de políticas públicas estimularam o desenvolvimento dessa atividade específica. Até o final da década de 1990 a participação do Ceará era pequena, tanto na exploração como na participação em relação às exportações do Estado. A gente viu que os resultados obtidos foram condicionados a todo um leque de políticas públicas, que vão desde políticas de estímulo, como de irrigação, até políticas de pesquisa biológica e geológica, de qual o solo mais propício para se plantar determinado tipo de flor”, enfatizou Márcio.

Dentre as iniciativas do Governo para alavancar a produção de flores e atração de produtores estavam a implementação dos programas “Cearense de Agricultura Irrigada” e de “Desenvolvimento do Agronegócio da Floricultura”, além da contratação de consultores estrangeiros para qualificar os floricultores sobre técnicas de cultivo mais adequadas. Outros projetos também passaram a auxiliar a cadeia, como a Escola de Floricultura do Ceará (Tecflores), Centro Agroflores de Inovação Tecnológica, Projeto Florescer, Produção de Cactus no Semiárido, Flores Tropicais e o Projeto Caminhos de Israel de Flores.

Novos voos

A produção de flores brasileiras, inclusive a local, já teve como um dos principais destinos o mercado exterior. O Ceará, entre 1997 e 2014, chegou a crescer mais de 300 vezes seu volume de exportação de flores e plantas ornamentais. De 1997 a 2017, o valor exportado somou US$ 44,23 milhões e o importado US$ 5,61 milhões, gerando um superávit de US$ 38,62 milhões.

Com a crise mundial no final da década passada, o mercado internacional sofreu uma desaceleração. Porém, o Brasil caminhava na contramão da queda de consumo, o que fez que com o passar dos anos o volume de produção enviado para fora do Brasil acabasse sendo negociado internamente, como detalha Silvio Carlos Ribeiro. “De 2014 para cá, o volume de exportações diminuiu devido a dois fatores: mercado externo desfavorável e o interno bem favorável, então o setor focou muito no mercado interno”.

Márcio Maradona, gerente geral da empresa Reijers, instalada no município de São Benedito e uma das maiores produtoras de flores e plantas ornamentais do Ceará, confirmou essa migração do mercado e a necessidade de adquirir novas áreas para o cultivo. “Hoje, nosso produto fica todo no mercado nacional. Nosso foco maior é o Norte e o Nordeste. Chegamos via terrestre a todas as capitais entre Belém-PA e Maceió-AL. Hoje, são 504 pessoas trabalham aqui. Temos 48 hectares plantados nessa fazenda e, recentemente, adquirimos outra fazenda a 30 quilômetros daqui, onde já estamos com 20 hectares plantados”.

Com a implantação do hub aéreo em Fortaleza, a tendência é que os produtores voltem a enviar parte da produção para o mercado exterior. Márcio Maradona informou que a fazenda deixou de exportar há algum tempo, mas com os novos voos para a Europa já estão se preparando para retomar os negócios. “Essa fazenda nasceu em 2001 com o projeto de exportação. De 2008 para 2009 acabaram os voos de Fortaleza para Amsterdã, o que complicou a logística. Agora, com a volta dos voos, vamos reiniciar o projeto de exportação. Temos que fazer um novo projeto, nos adequar à nova realidade. Isso leva tempo. Só devemos estar prontos daqui algum tempo. Não podemos deixar na mão nossos parceiros brasileiros para vender para fora” confidenciou Maradona.

Segundo Silvio Carlos Ribeiro, as expectativas são positivas para um novo crescimento nas exportações. “Com a vinda do hub (aéreo), isso vai abrir uma alternativa boa para os produtores de flores que estão prevendo no segundo semestre o aumento dessas exportações. É uma cadeia produtiva forte. O estado do Ceará tem essa liderança a nível de Nordeste nesse setor e a gente espera um crescimento para os próximos anos muito bom”.

Thomas Reeves é membro da Câmara Temática das Flores da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece) e acredita que aliar o potencial de negócios aberto pelo centro de conexões aéreas com um trabalho junto às empresas fortalece a possibilidade de levar os produtos cearenses em grande escala para fora do país. “O hub aéreo veio atender uma necessidade não só do nosso setor, mas acredito que de vários outros em relação a você conseguir novos mercados. Isso abre um leque para que você se torne uma empresa mundial. Alinhando a capacitação para a exportação, com as rotas e um melhor desenvolvimento das empresas para que atuem no mercado internacional, acho que a gente consegue usar o hub de uma forma melhor em benefício do estado”, disse.

Mudando a realidade local

O Ceará possui seis polos produtores de flores, sendo o maior deles o da Serra da Ibiapaba, por contar com fatores geográficos favoráveis. O clima tropical úmido, altitude de 900 metros em relação ao nível do mar e temperatura média anual de 21°C são pontos positivos para o cultivo de flores. Quase três mil horas de sol por ano, ausência de granizo e geadas e a proximidade com a Linha do Equador também contribuem.

Cleidiane Azevedo trabalha há 17 anos na empresa Reijers. Ela começou como cortadora, passando para supervisora de estufa e atualmente está no setor de classificação como supervisora de embalamento. A funcionária conta que construiu sua vida dentro da empresa e tudo que conquistou materialmente foi graças à produção de flores. “Quando iniciei aqui meu filho tinha um ano. Hoje ele está com 18 anos e já deixou o currículo para trabalhar na empresa. Minha filha está com 10 anos e eu a tive aqui. Minha casa e tudo o que tenho saiu daqui. Não me imagino em outro emprego porque amo trabalhar aqui. Isso é tudo para mim”, disse Cleidiane, que chegou à empresa com apenas 19 anos de idade.


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