BRASIL

Alckmin escolhe acusado de improbidade para Conselho da Sabesp

Acusado de explorar eleitoralmente a Sabesp, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) ampliou o Conselho de Administração da empresa para acomodar um correligionário. O escolhido para o órgão máximo da companhia é Sidnei Franco da Rocha, um ex-prefeito de Franca, no interior de São Paulo, que responde a quatro ações de improbidade administrativa por fraudes em licitações ocorridas durante sua gestão e foi multado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) dois meses antes de ser nomeado para o novo cargo.

A Casa Civil do governo Alckmin argumenta que o ex-prefeito nunca foi condenado e por isso está livre para ocupar o cargo, para o qual a legislação brasileira exige também reputação ilibada – sem definir exatamente o que é isso.

Sidnei Franco da Rocha foi o responsável por retomar o comando de Franca, pólo industrial de 340 mil habitantes governado pelo PT de 1997 a 2004, para o PSDB: venceu duas eleições para o partido, 2004 e 2008, e fez o sucessor, também tucano, em 2012.

Na última eleição, Alckmin teve 62% dos votos na cidade, acima da média do Estado, de 57%. Com essas credenciais, Rocha esperava ocupar uma secretaria no governo tucano, segundo um adversário político, mas teve a expectativa frustrada. A vaga na Sabesp, segundo esse adversário, foi uma espécie de prêmio de consolação.

A acomodação exigiu que a empresa, a pedido do governo do Estado, elevasse de nove para dez o número de cadeiras no Conselho. Em média, o salário de um integrante do órgão é de R$ 7,4 mil por mês, segundo as previsões da companhia para 2014. Somados outros benefícios e contribuições obrigatórias, o custo unitário chega a R$ 9,6 mil por mês, em média.

A Sabesp não respondeu três das quatro perguntas enviadas pela reportagem, inclusive sobre como a nomeação de Rocha, que nunca trabalhou na área, melhorará o desempenho da empresa. Nos últimos 12 meses, as ações da companhia caíram 16,6%.

Por e-mail, a Sabesp informou apenas que o estatuto da companhia a permite ter até 15 conselheiros de administração.

A reportagem não conseguiu falar com Sidnei Franco da Rocha. Ele não retornou os contatos deixados com a equipe da Rádio Hertz, da qual é presidente.

"A multa do TCE está com defesa [apresentada]. A maioria das ações [civis públicas] foram arquivadas. Faltam umas 5 ou 6. [As acusações] não têm fundamento", diz o advogado Humberto Mazza, que representa Rocha em três das quatro ações consultadas. "Cada um tem uma lógica e um modo de ver. Cabe à Justiça julgar."

Para o governo Alckmin, a nomeação garantiu a maioria formal no conselho da Sabesp, embora um dos conselheiros independentes seja um ex-secretário do governo José Serra, também tucano.

Multa aplicada e multa derrubada

A eleição de Rocha para a Sabesp ocorreu em 13 de outubro. Menos de dois meses antes, em 22 de agosto, o novo conselheiro foi multado em R$ 604,20 pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que considerou irregular o repasse de R$ 5,1 milhões de um total de R$ 6,6 milhões pagos pela Prefeitura de Franca a um conjunto de entidades sociais que administram creches na cidade. Cabe recurso.

Em maio, cinco meses antes de ser eleito para a Sabesp, Rocha conseguiu se livrar de uma outra multa, essa de R$ 10,1 mil, por descumprir determinação do TCE que considerou irregular uma licitação para comprar um tipo de asfalto, no valor de R$ 1,4 milhão (em valores atuais), realizada pela Emdef, a empresa de desenvolvimento municipal da Prefeitura de Franca.

Comunicado pelo TCE da irregularidade para tomar providências, Rocha mandou abrir uma sindicância que concluiu não haver problemas na licitação. O então conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho argumentou que a conduta do novo conselheiro administrativo da Sabesp cria "um ambiente de impunidade administrativa".

"O chefe do Executivo Municipal [Rocha] não utilizou o seu poder-dever de agir com razoabilidade, moralidade e eficiência, aceitando relatório que não apurou qualquer responsabilidade de agente público", escreveu Carvalho.

A multa, entretanto, foi revogada em maio por voto do conselheiro Sidney Beraldo, que aceitou recurso do novo administrador da Sabesp. A decisão, tomada por Beraldo e pelos conselheiros Antônio Roque Citadini e Robson Marinho, contrariou duas das três opiniões de técnicos do TCE ouvidos no processo, que defenderam a manutenção da multa ao ex-prefeito.

Conselheiro nega favorecimento ao PSDB

Tucano histórico, Beraldo foi conselheiro da Sabesp, secretário de Gestão Pública do governo de José Serra (PSDB), de 2007 a 2010, e teve cargo comissionado na Secretaria da Casa Civil durante o governo Alckmin, de 2011 até 2012, quando foi nomeado conselheiro do TCE pelo governador. Dias antes, desfiliou-se do PSDB.

Ao iG, Beraldo considerou ser leviano sugerir haver motivação partidária em sua decisão."Se você for verificar, eu retirei multa de um monte de partidos – PSDB, PT, PMDB", diz o conselheiro do TCE. "Em fase de recurso, 60% a 70% das multas são reduzidas. Eu primeiro julgo para depois olhar o nome. Nunca tive uma reclamação."

Beraldo também ressalta que a decisão de absolver o novo administrador da Sabesp da multa foi tomada em conjunto por dois outros conselheiros, e que não é obrigado a aceitar as recomendações dos órgãos técnicos.

Uma funcionária do gabinete conselheiro do TCE também argumentou que o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) desistiu de uma investigação sobre o caso e que "não foi o prefeito quem fez o contrato" e, por isso, não poderia ser punido.

Bens bloqueados

Uma outra licitação para compra de asfalto, vencida pela mesma empresa do contrato julgado irregular pelo TCE, levou Sindei Franco da Rocha a ser acusado de improbidade administrativa pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Uma testemunha afirmou que, nas licitações para adquirir esse tipo de material, "tudo já vinha definido (…) pela Emdef (a empresa municipal) e pelo gabinete do Prefeito."

O processo é um dos quatro de improbidade envolvendo compras públicas durante a gestão de Rocha movidos pelo MP-SP e consultados pela reportagem. Em outro, o ex-prefeito chegou a ter bens bloqueados por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A decisão é provisória e não significa que Rocha seja culpado. Segundo Mazza, advogado do ex-prefeito, foi feito depósito judicial da quantia questionada.

No caso, uma licitação para construir parquinhos infantis feita pela secretaria de Obras foi direcionada para que a vencedora fosse a empresa de um irmão de uma funcionária de confiança da Prefeitura, segundo denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Embora não tenha identificado nenhum ato pessoal de Rocha para direcionar a licitação, o promotor Paulo César Corrêa Borges, responsável pelo caso, argumenta que o ex-prefeito era o "ordenador das despesas municipais" e, por isso, não deve permitir a ocorrência de licitações fraudulentas sob sua gestão.

O argumento é o mesmo usado para acusar o ex-prefeito de Franca nos dois outros casos: um, que indica superfaturamento de 100% na compra de pandeiros pela secretaria de Educação, e outro, por direcionamento na aquisição de totens de autoatendimento pela secretaria de Gestão.

 

Questionamentos são comuns

Sócio do Velloza e Girotto Advogados Associados, Cesar Amendolara ressalva serem muito comuns que prefeitos e outros ocupantes de cargos no Executivo sejam questionados pelos tribunais de contas e pelo Ministério Público.

"Basta entrar no cargo para começar a ser questionado. Estão sempre questionando contas públicas, mas não significa que a pessoa tenha cometido um ilícito, uma fraude", diz o advogado. "Para fins de cargos de companhias abertas de conselheiros e diretores, deve-se levar muito mais em conta situações que tenham a ver com essa função."

A lei brasileira impede pessoas condenadas na Justiça ou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – o xerife do mercado de capitais – de integrarem o conselho de administração de companhias abertas, mas nada diz especificamente sobre quem esteja sob investigação ou responda a processo que não tenha chegado ao fim.

Ainda assim, há a exigência de que o candidato a um conselho tenha "reputação ilibada" – o que depende de uma avaliação subjetiva por parte da CVM, pontua Amendolara.

"Como não existe um conceito objetivo do que é reputação ilibada, vai para um lado subjetivo, e até midiático", diz o advogado . "A CVM leva em conta a atuação passada desses candidatos em outras companhias, se houve processo administrativo no âmbito da CVM, se foi questionado por outros projetos."

Amendolara ressalta que, em razão desse conceito, mesmo investigações não concluídas podem, aos olhos da CVM, tirar de um administrador a condição de alguém com reputação ilibada.

"Se a pessoa já tem um passado em outras companhias abertas e tenha tido problemas perante a CVM, ela [a CVM] tem argumentos para dizer que a pessoa não cumpre com esse requisito. Às vezes não é condenação, pode ser que a pessoa tenha sido investigada no passado."

 


(Do iG)


 


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