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BRT no Grande Recife acumula atrasos e divide a opinião dos usuários

No dia sete de junho de 2014 entrava em operação no Recife a primeira linha do BRT (Bus Rapid Transit). Com a criação de faixas exclusivas, rotas que interligariam parte da Região Metropolitana, construção de estações modernas e aquisição de ônibus mais equipados, o sistema prometia inovar o transporte coletivo no Recife – ainda a tempo da Copa do Mundo. Quase um ano depois de sua implantação parcial, no entanto, o BRT ainda não funciona plenamente e os usuários se dividem entre elgoios e críticas.

As obras do Corredor Leste/Oeste – que liga Camaragibe ao centro da cidade – devem custar R$ 168 milhões. A promessa é de que, quando o BRT estiver em pleno funcionamento, 155 mil pessoas sejam atendidas todos os dias, nas sete linhas previstas, pelos ônibus que devem trafegar a uma velocidade média de 20 km/h. Atualmente, apenas três estão funcionando.

No Coredor Norte/Sul – que vai de Igarassu ao centro – e custará 187 milhões, o projeto pretende atender a 180 mil pessoas diariamente. A proposta é que as oito linhas previstas consigam circular a 16 km/h. Duas linhas estão ativas até então.

A professora Vilma Araújo, 57 anos, costuma sair do Terminal Integrado de Camaragibe com destino ao Derby e classifica o desempenho do BRT como “ótimo” neste roteiro. Se o destino final for outro, no entanto, a opinião também é diferente. “Se tiver de ir para outro trecho do centro, não compensa. Às vezes prefiro pegar o trânsito comum e passar mais tempo, do que andar tanto”, comenta. Isso porque das 26 estações previstas para o Corredor Leste/Oeste apenas 13 estão funcionando. No Norte/Sul são 11 pontos atendidos, dos 28 previstos no projeto. “Às vezes deixo de ir para o Centro por preguiça de andar tanto”, conta a dona de casa Berise Maria, 48, que usa o BRT saindo do Terminal Integrado da PE-15.

 

Além da distância entre estações ativas, as faixas exclusivas não estão presentes em todo o percurso, obrigando o BRT a dividir espaço com carros, motos e ônibus comuns. “De Via Livre, eu acho que ele não tem nada”, critica o funcionário público Natanael Souto Maior, 61, ironizando o nome recebido pelo sistema no Recife. Para o leiturista da Celpe Ramias Honorato, 42, é necessário intensificar a fiscalização para coibir que veículos particulares usem a faixa exclusiva. “Eles não respeitam, cometem um tipo de indisciplina, porque invadem a faixa do ônibus e no final vai ficar todo mundo congestionado”, conta. “Na minha opinião, deveriam ter colocado gelo baiano”, sugere o leiturista, que classifica positivamente o sistema, mas afirma que ele “não foi feito para brasileiros”.

Nem sempre há cadeiras disponíveis
A recepcionista Renata Gabriela, 28, compreende que o sistema não foi totalmente implantado e afirma que, mesmo incompleto, desde que começou a funcionar, o BRT deixou sua viagem mais rápida e refletiu em uma economia de cerca de 30 minutos no percurso entre Camaragibe e o Derby. “Só falta terminar de melhorar, para ir mais longe”, defende a recepcionista, que consegue seguir sentada na maioria das viagens. A fotógrafa Wanessa Neves, 22, não tem a mesma sorte. Ela costuma apanhar o BRT no Terminal Integrado da PE-15, mas raramente consegue ir sentada. “É muito espaço para pouca cadeira, então, sempre acabo indo em pé. Mesmo assim, prefiro ir em pé no BRT do que no calor”, dispara.

A proporção de cadeiras para cada passageiro é realmente menor, se comparada a um ônibus comum, explica o coordenador regional da Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP), César Cavalcanti. “Quando você aumenta a área livre, você diminui o custo por passageiro. Por isso que no metrô, por exemplo, o espaço útil é muito menor do que nos ônibus comuns. É uma maneira de baixar os custos”, esclarece.

Na visão do especialista, que também se define como “usuário casual” do sistema, a principal questão é que o BRT ainda não foi concluído. “É um super projeto que, quando concluído, vai trazer o benefício prometido. O que está acontecendo são atrasos, desvios, infelizmente comuns nesse tipo de intervenção”, defende. “A frota não está completa, as paradas não estão todas prontas, a infraestrutura também não e tudo isso afeta profundamente o funcionamento. Ainda nem é possível avaliar o serviço de verdade, se queixar do projeto em si, ainda nem faz sentido”, acrescenta.

Para Cavalcanti, o momento é de dar andamento às obras e corrigir as falhas já identificadas, como a invasão de veículos particulares nas faixas exclusivas. “Eu reajo à ideia de conscientização. Não estamos tratando com bebês, são adultos habilitados, que, hipoteticamente, devem conhecer o Código de Trânsito Brasileiro. Tem que multar. Temos um sistema de fiscalização eletrônica que deve ser usado, já que máquinas não podem ser subornadas. Se implantado, dentro de seis meses os casos de invasão iam ser pontuais, só por pessoas distraídas”, explica.

Um quesito não indicado pelos usuários, mas destacado por Cavalcanti é a segurança no transporte. “Cruzamento, faixas de pedestres, acesso dos usuários, tudo isso precisa ser muito bem executado. No BRT do Rio de Janeiro já tiveram acidentes graves e é preciso se adiantar a isso”, completou. 

Obras só serão conluídas em 2017
Prevista para ser finalizada em junho de 2014, a implantação do BRT está com 80% de suas obras realizadas e só deve ser totalmente concluída em 2017. O prazo foi dado pelo secretário-executivo de Mobilidade, Marcelo Bruto.

Ele explica que, no corredor Norte/Sul, além das 11 estações já em funcionamento, sete estão concluídas aguardando ação do Consórcio Grande Recife para iniciar as operações. Todas as outras estão em obras e têm cronogramas específicos, que devem ir até maio. No trecho Leste/Oeste 10 ainda estão pendentes e sem previsão de continuidade, já que uma das empresas responsáveis pela obra, a Mendes Júnior, está impedida de continuar o serviço por ter sido citada nas investigações da Operação Lava Jato. “Ainda não podemos falar com convicção se vai ser possível continuar as obras com essa empresa”, explica, afirmando que dentro de algumas semanas a situação será resolvida e que talvez seja necessário recomeçar o processo de licitação. “Você está sujeito a isso, é um imprevisto.”

O problema com a empresa é apenas um dos enfrentados para a conclusão das obras. “As obras de mobilidade são, em geral, as mais desafiadoras em termo de cronograma, porque ficam em áreas conturbadas, no meio da cidade. Exige uma tarefa grande de desapropriação e remoção de interferências, processos jurídicos. Esse é um fator importante dos atrasos, mas têm outros, que escapam do nosso domínio”, justifica.

Apesar dos problemas para avançar na conclusão do projeto, Bruto afirma que o retorno dado pelos passageiros indica um sistema de sucesso, avaliado positivamente. “Você consegue transportar 60, 70 mil pessoas e atingir, por exemplo, uma velocidade média de 20 km/h, o que é bem interessante para uma cidade como Recife”, avalia.

Para Bruto, os desafios enfrentados no Recife são gerais e também vivenciados em outras capitais. “Existe uma dificuldade em conciliar a necessidade imensa, a demanda, com agilidade e qualidade do projeto”, comenta.

 


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