BRASIL

Crise hídrica faz com que ao menos 30 municípios do País cancelem o carnaval

As alegorias da escola de samba Tradição Coração de Araras para o carnaval 2015 de Araras, a 170 km de São Paulo, continuarão guardadas este ano. É que, assim como em outros cerca de 15 municípios do interior paulista, as festividades carnavalescas tiveram de ser canceladas devido à crise hídrica.

"Estou decepcionado. Não acredito que o Carnaval agravaria a crise em uma cidade que já tem rodízio de água. Estávamos com todas as fantasias prontas desde o ano passado. Foi uma covardia", afirma José Luiz Pepe Carrascosa, presidente da agremiação.

Além de Araras, Cordeirópolis – que utiliza uma cava de mineração para abastecer seus habitantes há mais de três meses – também cancelou o evento por falta de água. Outras cidades do interior paulista, como Catanduva, a 385 km de São Paulo, e Penápolis, que fica a 425 km, também não participarão da festa.

Em todo o Brasil, ao menos 30 municípios cancelaram a folia para evitar o desperdício do recurso. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a falta de água tem afetado pelo menos 40 milhões de pessoas de nove Estados do país e do Distrito Federal, ou seja, 20% da população brasileira.

Nordeste

Sob o prognóstico de 530 milímetros de chuvas para 2015, índice 64% abaixo da média histórica, o Ceará será um dos Estados mais prejudicados pela estiagem no nordeste. Por causa do anúncio, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) recomendou a suspensão do Carnaval em mais de 180 municípios. Até agora, cerca de 25 cancelaram os festejos.

Um deles, Paracuru, no litoral oeste cearense, decidiu manter apenas blocos de rua e matinê na praça da cidade para animar seus 31.636 habitantes, de acordo com o secretário de Turismo, Ângelo Tuzze Moreira.

"Cortamos a contratação de bandas grandes e dos desfiles com carros alegóricos. Demos prioridade para a população. Não podemos deixar que a situação da água seja agravada por causa de uma festa", avalia.

Em Pernambuco, Camaragibe, Moreno, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes optaram por cancelar a festa, mas não por falta de água: os prefeitos anunciaram que abriram mão da festa para investir em áreas como saúde e educação.

Minas Gerais

Famosas por suas festas de rua, cidades como Itapecerica, Itaguara, Oliveira, São Gonçalo do Pará e Carmópolis de Minas, no centro-oeste mineiro, cancelaram o carnaval por causa da estiagem. Wellington Daniel Cruz, secretário de Cultura, Esportes e Turismo de Itapecerica, diz que os comerciantes e a população apoiaram a medida recomendada pela Companhia de Saneamento de Minas (Copasa) e pelo Ministério Público do Estado.

"A Copasa garantiu que a situação ficaria ainda pior se recebêssemos uma quantidade grande de turistas. O prejuízo [econômico] será menor do que as consequências hídricas, avalia Cruz. Segundo a Defesa Civil do Estado, seis municípios decretaram estado de emergência por causa da seca só neste ano.

Na contramão desse movimento, Diamantina e Ouro Preto – esta última conhecida por receber até 75 mil foliões por ano – irão manter a festa. A administração municipal de Ouro Preto informa que o sistema de abastecimento está normal e que somente em casos pontuais o fornecimento de água é realizado por caminhões pipa. Rafael Fábio Ferreira Silva, diretor da Rede Carnaval OP, explica que com apoio das repúblicas de estudantes, a Prefeitura de Ouro Preto investiu em campanhas para incentivar a população a fazer um consumo responsável e racional da água.

"A crise hídrica não será agravada por causa do Carnaval. O ganho financeiro que a cidade tem nessa época do ano é importante, então decidimos investir em campanhas e conscientizar turistas e a população", diz ele.

São Paulo

Em São Paulo, a crise hídrica estava sendo apontada há pelo menos uma década e foi agravada em 2013, quando o Cantareira, que abastece cerca de 6,2 milhões de habitantes da Grande São Paulo, apresentou 48,8% de sua capacidade de armazenamento – índice bastante inferior à média de 67% para o período. No mesmo mês, em 2014, a porcentagem foi a 27,2%. Nesta quarta-feira (4), a represa opera com 5,2% da capacidade.

Preocupado com o problema, o vereador Gilberto Natalini (PV-SP), líder da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo, sugeriu ao prefeito Fernando Haddad (PT) e ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) o cancelamento não apenas do Carnaval, mas de todos os grandes eventos da capital até a crise hídrica ser sanada.

"A situação é de pré-colapso. Propus ao Governo do Estado e à prefeitura repensarem os grandes eventos enquanto durar a crise. Mas eles não tiveram coragem de enfrentar a situação. Faz um ano e meio que estamos em crise e só vemos medidas tímidas", diz. Em janeiro, Haddad criticou a sugestão de Natalini confirmando que a situação é grave, mas que não se deve "criar factoides" sobre o assunto.

De acordo com especialistas, no caso de São Paulo, a chegada de 120 mil turistas à cidade, segundo estimativa da SPTuris, não deve agravar a crise hídrica. O professor Paulo Roberto Moraes, do departamento de ciências do ambiente da PUC-SP, explica que , como grande parte da população paulistana viaja no feriado, o número de turistas não deve influenciar expressivamente no aumento do consumo de água.

"Em São Paulo, especificamente, não faria sentido cancelar o Carnaval. Vai entrar milhares de turistas na cidade, mas também vai sair muita gente. Se pensarmos assim, proibiríamos a ida dos paulistanos ao litoral aos finais de semana. Ou o consumo de água não aumenta nas cidades litorâneas?", ironiza ele.

Ao analisar o caso de cidades turísticas menores, no entanto, Moraes concorda que o consumo de água deve aumentar nessa época, e que os casos devem ser analisados criteriosamente.

 

(Do iG) 


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