BRASIL

Dilma vira alvo de críticas até no PT por fala sobre a ditadura

Em meio ao clima de lembrança e discussão sobre os 50 anos do golpe militar, as declarações da presidente Dilma Rousseff apontando para uma manutenção da interpretação atual da Lei de Anistia provocaram frustração em políticos que defendem uma revisão da legislação. Petistas mais alinhados à chamada “esquerda” do partido reagiram e trataram a fala da presidente como um “gravíssimo erro político”.

Ex-secretário de Relações Internacionais do PT nacional e representante da corrente Articulação de Esquerda, Valter Pomar postou na internet críticas, imediatamente multiplicadas por muitos petistas nas redes sociais. “A presidenta falou de sacrifícios irreparáveis. Em minha opinião, a única coisa realmente irreparável é desistir de lutar”, criticou.

“A presidenta está completamente errada. É filiada ao meu partido, votei nela, votarei de novo em 2014, defendo seu governo contra a direita e contra o esquerdismo. Mas ela erra totalmente ao dizer isto”, diz o texto.

No discurso, Dilma defendeu que a democracia no Brasil foi reconquistada “à nossa maneira”. Para ela, “houve lutas sacrifícios humanos irreparáveis”, mas também “pactos e acordos nacionais” que levaram ao ambiente democrático atual. “Nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras, também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização", disse a presidente, durante uma solenidade no Palácio do Planalto na segunda-feira (31).

Para Pomar, é moralmente inaceitável colocar no mesmo plano as “lutas e sacrifícios humanos das classes trabalhadoras, e os pactos e acordos nacionais”. “Quem paga por este erro? Entre outros, cada cidadão vítima da brutalidade policial, que se alimenta da impunidade”, defendeu o petista.

Ao falar sobre os pactos, na opinião de pomar, Dilma “valorizou” uma “vitória da direita, da ditadura, dos torturadores. “Note-se o seguinte: a presidenta não se limitou a ‘reconhecer’ os pactos. Ela os ‘valoriza’.”, reclamou o petista referindo-se ao discurso de Dilma. “O erro consiste no seguinte: não foram os pactos políticos que levaram à redemocratização. Nem sozinhos, nem mesmo ‘também’. Os pactos políticos detiveram a democratização, corromperam a democratização, macularam a democratização”, apontou.

“Nós lutamos contra os pactos, contra a conciliação, contra o acordo das elites. E se temos mais democracia hoje, é porque nunca nos conformamos com os pactos. Quanto a chamada lei da Anistia, ela foi aprovada contra os nossos votos. Foi uma vitória do lado de lá. Não foi um "pacto", não foi um "acordo", foi uma vitória da direita, da ditadura, dos torturadores”, defendeu Pomar.

A deputada Luiza Erundina (PSB), autora de um dos projetos que pede uma nova interpretação da Lei de Anistia para que a punição de militares que praticaram crimes de tortura, sequestro, disse que acha um absurdo que a presidente Dilma tenha adotado uma posição que contraria acordos internacionais e o crescente movimento no Brasil pedindo uma nova interpretação da lei.

“Não dá para entender. A gente fica a se perguntar por que a presidente mantém uma atitude tão recuada e tão inadequada”, questionou.

 

“A sociedade brasileira já cresceu no debate desta questão. A presidente, que foi vítima inclusive do regime militar, precisaria ter uma atitude mais consequente em relação a essa questão”, disse.

Petista histórico, o coordenador do Grupo de Memória da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney Viana, prefere não criticar a presidente e não se disse surpreso. “Ela já havia emitido sua posição contrária à revisão da Lei da Anistia quando criou a Comissão Nacional da Verdade. Mas me permito discordar da opinião dela. Minha opinião é outra”, ponderou.

Preso político por 10 anos, Viana participou de uma dos mais emblemáticos movimentos pela anistia: a greve de fome de 1979, que durou 32 dias e só terminou com a aprovação da lei pelo Congresso. Ele também é contrário a que a lei alcance torturadores e lamenta a decisão do Supremo Tribunal Federal que validou essa interpretação. “O Supremo, desgraçadamente, validou esta postura e acho que está devendo ao país uma mudança de posição”, defendeu.

“A Lei da Anistia que o país aprovou naquela época foi a possível. Todos os países da América Latina fizeram a mesma coisa e depois modificaram. O Brasil não. Na Argentina essa interpretação caiu, no Uruguai caiu, no Chile caiu, no Peru caiu, na Guatemala caiu. É importante ressaltar que o julgamento do Supremo ainda não terminou, ainda faltam julgar dois embargos que tratam de crimes continuados, como desparecimento forçado”, exemplificou.

Viana é genro de Zilda Xavier, mãe de dois desaparecidos políticos: os irmãos Iuri e Alex Xavier Pereira. Somente em março deste ano, 42 anos após o desaparecimento dos dois filhos, ela teve a confirmação de que Alex estava entre as ossadas localizadas no cemitério de Perus, em São Paulo. “Falta ao Brasil virar esta página. Até porque acredito que minha sogra, que hoje está com 88 anos tem o direito de assistir à história completa”, disse Gilney.

Erro político

Ex-ministro de Direitos Humanos do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado federal Nilmário Miranda pondera que a presidente, pelo cargo que ocupa, não tinha alternativa a não ser defender a lei em vigor.

“Ela poderia gerar um problema institucional caso dissesse o contrário e não agisse. Se ela adotar um discurso em defesa da revisão da lei teria que enviar imediatamente uma proposta ao Congresso”, argumentou o deputado, que também não reconhece como legítimo os pactos firmados. “Pacto? Que pacto? Com pacote de abril e senador biônico?”, reclama.

Para Nilmário Miranda, o “erro político" não pode ser atribuído a Dilma e sim ao Supremo, que entendeu que a anistia vale para os dois lados e desconsiderou os crimes que até a atualidade não tiveram solução. “Este não é assunto para Dilma. Quem errou foi o STF”, defendeu Nilmário Miranda, que acredita que será inevitável que esta questão volte a ser tratada pelo Corte.

“Já existem 74 denúncias no Ministério Público Federal contra torturadores com base na tese de crimes permanentes, continuados. O Supremo extraditou estrangeiros com base na tese de crimes cometidos durante ditaduras”, argumentou, referindo-se à extradição do ex-policial civil argentino César Alejandro Enciso, decidida por votação unânime pela Segunda Turma do STF, há três meses.

No pedido de extradição, o governo da Argentina alega que ele precisaria responder perante o Juizado Nacional Criminal e Correcional da Cidade Autônoma de Buenos Aires pelos crimes de sequestro qualificado e tortura, supostamente praticados naquele país em 1976. “Então nossa lei só vale para estrangeiros? Não vale para brasileiros?”, questionou Nilmário Miranda.

Apesar de pertencer à mesma corrente de Valter Pomar, a ex-ministra das Mulheres e deputada federal Iriny Lopes não concorda com as criticas feitas à presidente Dilma Rousseff. “Ela agora está em outra luta, nem perdida, nem acabada e é preciso respeitar isso”, disse a deputada que, como Nilmário, defende que uma nova interpretação da Lei da Anistia seja debatida no Brasil.


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