BRASIL

Divergência de pautas expõe racha entre grupos anti-Dilma Rousseff

Apesar de terem parecido homogêneos pela prevalência de camisas verde-amarelas e cartazes contra a chefe do Poder Executivo brasileiro, os protestos que se espalharam pelo Brasil no último dia 15 de março se mostraram bem distantes disso. E a divergência de pautas de seus protagonistas começam, aos poucos, a gerar o início de um racha entre os grupos já confirmados para participar do próximo protesto contra Dilma, marcado para 12 de abril em São Paulo e em outras dezenas de cidades do País.

Essa divergência de ideias foi explicitada na Avenida Paulista durante o protesto de 15 de março. Um trio elétrico emitia de suas caixas de som discursos de ódio contra o PT e em prol do impeachment de Dilma. Enquanto isso, um outro veículo, comandado por homens com roupas camufladas, pedia intervenção militar com o Hino Nacional ao fundo, ao mesmo tempo em que manifestantes rezam o Pai Nosso logo ao lado.

São dois os pontos que vem desagradando o Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de jovens responsável pelo agendamento dos protestos, e o Revoltados Online, ambos pró-impeachment. Primeiro, a presença de manifestantes defensores da intervenção militar no governo federal, encabeçados pelo SOS Forças Armadas, vistos por ambos como indesejados. Segundo, o fato de a organização que mais vem recebendo atenção midiática nos últimos dias, o Vem Pra Rua, não levantar a bandeira pela queda de Dilma Rousseff, o que vai de encontro à ideia central proposta pelos atos.

"Para nós, o Vem Pra Rua tem se mostrado quase tão contraproducente quanto os militaristas nos protestos", diz ao iG Kim Kataguiri, de 19 anos, co-fundador do MBL. "O nosso manifesto é por impeachment", concorda Marcello Reis, de 40 anos, líder do Revoltados Online.

"E aí surgem pessoas que querem aproveitar a oportunidade, que chamamos de oportunistas, para também levar suas causas aos atos que organizamos – o que deixamos, desde que não nos atrapalhem. E é justamente o que o Vem pra Rua tem feito. Enquanto pedimos impeachment, eles só pedem o fim da corrupção. Isso não faz sentido para nós."

"Esvaziamento das manifestações"
A insatisfação com o que chamam de "apropriação dos atos" que organizaram vem na semana em que o fundador do grupo Vem Pra Rua, Rogerio Chequer, passou a ser apontado por alguns veículos midiáticos como o principal líder dos protestos contra Dilma. No fim de semana, a revista "Veja" publicou na seção Páginas Amarelas uma entrevista de três páginas com o empresário de 46 anos. Dias depois, na segunda-feira (23), Chequer foi o entrevistado da semana no tradicional "Roda Viva", da TV Cultura.

Tanto o MBL quanto o Revoltados evitam usar nomes, mas deixam claro que, para eles, tanta atenção seria consequência de um suposto envolvimento do Vem pra Rua, de Chequer, com o PSDB. "Todos os grupos no Brasil, e isso está muito claro para nós, estão pedindo impeachment. Agora, existe um grupo com uma pauta muito similar à do maior partido de oposição do País e que possui uma relação de grande amizade com as principais lideranças do partido. E me parece que ele ajuda a criar nestes atos um simulacro de 2013, que é justamente o desejo da Dilma", comenta Renan Santos, de 31 anos, um dos líderes do MBL.

Para Santos, do MBL, a presença de grupos sem o foco unânime de tirar a presidente do poder pode acabar levando ao esvaziamento das manifestações, como teria ocorrido quase dois anos atrás. Na ocasião, após alguns atos em prol da tarifa zero no transporte público, a população aderiu com empolgação às ruas, mas com reivindicações e ideologias tão distantes que em poucos protestos as chamadas "Jornadas de Junho" chegaram ao fim. Chequer, no entanto, rechaça a postura dos colegas de rua.

"Não vejo qualquer sentido nisso. Nosso posicionamento é o mesmo de antes do dia 15: não somos a favor do impeachment, mas isso pode mudar a qualquer momento. Já tínhamos essa postura antes e isso não esvaziou as ruas. Pelo contrário, levamos centenas de milhares de pessoas a elas", rebate Chequer. "Além disso, não vejo nada que pudesse indicar que estaríamos tentando nos apropriar do movimento em geral. Não é o nosso objetivo diminuir a importância de nenhum grupo ou de suas causas. E, não, não temos nenhuma conexão com o PSDB, nem ideológica e nem financeira."

Rogerio Chequer no protesto do último dia 15 de março: a mais festejada figura dos atos
Ana Flávia Oliveira/iG São Paulo
Rogerio Chequer no protesto do último dia 15 de março: a mais festejada figura dos atos
Os grupos pró-impeachment discordam. "Ninguém sai de casa contra um inimigo genérico, contra a corrupção, pela esperança, pela probidade, pela ética. É um protesto contra a Dilma, com foco, cara e objetivo. E, quando o Vem Pra Rua age como tem agido, eles e os militares acabam competindo para ver quem nos atrapalha mais", ataca Santos, do MBL.

"Eu não posso afirmar que o Chequer tenha relação com o PSDB, mas o grupo dele fez campanha em prol do Aécio [Neves à presidência], os mesmos artistas que apoiaram o Aécio [Neves à presidência] aparecem nos vídeos deles, o [senador tucano] José Serra discursou no caminhão deles [em dezembro]. É aquela coisa do cavalo: relincha, tem crina, anda de quatro, mas eu não posso falar que é um cavalo."

Cordialidade ameaçada
Também houve um afastamento entre os grupos de alguns meses para cá. Se, de acordo com os líderes do MBL, antes havia um relacionamento próximo para debates, inclusive de discussões devido a discordâncias políticas – o Revoltados Online, por exemplo, chegou a postar nas redes sociais após as eleições que "a única saída para o Brasil é a intervenção militar", e voltou atrás, hoje rechaçando a proposta –, atualmente a proximidade entre os pró-impeachment e os grupos discordantes a eles é quase nula.

No meio desse caldeirão ideológico, a questão militar passou a ser ridicularizada. Após ver um cartaz no caminhão do movimento SOS Forças Armadas nos protestos do dia 15 com a frase "impeachment é para otário", Marcello Reis passou a classificar "quem pede intervenção de abestado". O líder do Revoltados também adotou um apelido que tem sido disseminado nas redes sociais a respeito de Rogerio Chequer, a quem passou a chamar, de forma bem-humorada, de "Talão de Chequer". 

"Só não estamos batendo em ninguém porque nosso lema é 'juntos somos mais fortes'", ameniza Reis, do Revoltados. "Mas não venha usurpar ou tirar os nossos méritos, frutos de anos de luta contra este governo. O cidadão está vindo para a rua porque está revoltado, quer mudança, quer impeachment, e vemos alguns grupos pegando o carro andando e querendo mudar o rumo da proza."

O MBL tem postura semelhante. No protesto do dia 15, o grupo por diversas vezes gritou contra o Vem Pra Rua em seus discursos, bradando que o movimento segue "a mesma cartilha de uma oposição frouxa, que não funciona para este País". Também incentivou vaias entre seus seguidores em direção aos caminhões do SOS Forças Armadas ao longo de toda a tarde.

Mas, por ora, o grupo de Chequer é bem-vindo nos atos dos pró-impeachment. Como define Renan Santos, é um movimento "que não afronta a sociedade, com reais valores democráticos e composto por pessoas sérias, apesar de confundir e atrapalhar nosso foco". "Se começassem a tomar posições diferentes das do PSDB até sentiríamos mais confiança em trabalhar com eles", diz a liderança do MBL. Em relação aos pró-militares, no entanto, a coisa muda bastante de figura.

"Nós os repudiamos. Tanto que, se necessário, entraremos com uma liminar na Justiça exigindo que eles sejam impedidos de protestar conosco. É uma opção e, se houver meios de cumpri-la, a levaremos adiante", afirma Santos, do MBL. "Existem vários outros dias no ano para que eles exponham suas groselhas. Mas que fiquem longe da gente, pois não somam em nada e só atrapalham."

O iG pediu entrevistas a Renato Tamaio e a Aparecido Duca de Almeida, lideranças do SOS Forças Armadas, para comentar as críticas dos outros movimentos à sua ideologia, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. 


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