PARAÍBA

Doutora em direitos trabalhistas avalia reforma: “uma sangria aos trabalhadores”

A professora do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e do curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), Paulla Christianne da Costa Newton, em entrevista ao WSCOM, explicou os impactos da Reforma Trabalhista, aprovada no Senado na última terça-feira (11), para o trabalhador brasileiro.

Paulla, que é doutora e mestra em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de Valência, na Espanha, diz, “em letras garrafais”, que a Reforma proposta e aprovada representa uma “sangria aos direitos trabalhistas”. Segundo a doutora, o texto demonstra carência de conhecimento e trato dos autores, além de ferir diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual o Brasil é signatário.

Paulla Christianne é doutora em direito trabalhista

Paulla Christianne é doutora em direito trabalhista

 

Mulheres sendo expurgadas do mercado de trabalho

A docente cita três pontos em especial que chamaram sua atenção: o primeiro envolve a precarização do trabalhado para mulheres. Segundo Paulla, a CLT, alterada em 2016 nesse aspecto, prioriza a saúde da mulher e do nascituro, enquanto que a mudança proposta pela Reforma abre o precedente de que gestantes possam “laborar em atividades insalubres em graus médio e mínimo e a lactante em atividades insalubres em qualquer grau”. Segundo a professora, a Constituição de 1988 estipula a proteção do mercado de trabalho da mulher com incentivos, mas com a mudança, se perceberá uma expurgação dela do mercado.

“Ao ponto que [a mulher trabalhadora] terá que eleger entre a saúde e a integridade física e psíquica do filho e o vínculo laboral; por outro lado, ao invés de se reduzir os riscos inerentes ao trabalho, o texto aprovado amplia os riscos para a gestante, a lactante e a criança/nascituro vulnerável e indefeso. Se este viés não é a mais degradante violência contra o texto constitucional o que seria então?”, questiona.

Acordo patrão/trabalhador

O segundo ponto citado por Paulla é uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho, instituindo o acordo entre trabalhador e patrão. De acordo com a docente, essa nova fórmula reduziria pela metade os valores de aviso prévio e FGTS devidos pelo empregador ao término do vínculo empregatício. O problema, segundo a docente, é que não há acordo justo entre sujeitos que se encontram em situações desiguais, sendo o trabalhador sempre o lado mais fraco da relação. Além disso, na prática, empregadores já fazem isso, o que seria uma “plena burla aos direitos trabalhistas”.

“Ao que parece, o parlamento lapidou o comportamento dantesco, até então ilegítimo, e o inseriu em nossa legislação trabalhista. Perfeito, ao invés de dispensar o empregado sem justa causa e pagar todas as parcelas pertinentes, abre-se ao empregador a possibilidade de efetuar “acordos” perfeitos e mágicos que permitirão livrar-se do trabalhador indesejado sem arcar com o ônus financeiro imposto pela atual legislação de tutela”, comenta.

Autônomo exclusivo

A professora critica também a figura do autônomo exclusivo, proposto pelos reformistas. Para ela, se trata de um engodo para que seja permitida a contratação de um trabalhador que faça todas as atividades de alguém efetivamente empregado, mas sem que o mesmo tenha todos os direitos preconizados pela legislação vigente.

“No texto aprovado em solo pátrio, aparece que a contratação do autônomo com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado. Parece uma fábula. É um ser que mia, bebe leite, possui garras, sobe ao telhado, mas não é um felino. E não é um felino pois a lei assim o determina. Deve ser um dos nossos grandes temores, posto que poderá camuflar verdadeiras relações trabalhistas, com o intuito de burlar os direitos lapidados na legislação vigente”, considera.

Argumentos pró-Reforma

A estudiosa em Direito do Trabalho se debruçou também sobre os principais argumentos dos reformistas em favor da necessidade urgente da Reforma. O primeiro, dá conta de que novos postos de trabalho serão criados, diminuindo o desemprego no país e promovendo a retomada do crescimento, com a “segurança jurídica” para os empregadores. Entretanto, Paulla, não tem certeza disso.

“Os defensores da reforma também argumentam que ademais dos postos de trabalho que serão criados, haverá um respiro para a Justiça Trabalhista, atualmente, inflada pelo acúmulo de processos, dizem os calorosos reformistas. Com tantos deméritos, vazios e imprecisões, com a devida vênia, também questiono este ponto. Reservo-me ao futuro tal resposta”, afirma.

Outro ponto defendido pelos pró-Reforma é o de que não haverá nenhuma perda concreta de direitos dos trabalhadores, pois, os direitos constitucionais permanecem preservados. Para Paulla, “não é necessário gritar-se em neon: “o direito constitucionalmente resguardado está extirpado”, para que um direito seja violado grotescamente”.

“Assim o fez o nosso Parlamento, aos brados de que todos os direitos serão preservados. Ah que sim?! Infelizmente e de forma sorrateira nos brindou com o açoite aos vértices e a implosão aos fundamentais preceitos do direito do trabalho, dissimulado como plena, legítima e eficaz reforma. O Hércules para enfrentar a Hidra de Lerna do desemprego. Falácia”, lamenta a acadêmica, para concluir:

“Obviamente, como estudiosa do direito do trabalho não posso deixar de aportar que a legislação trabalhista, tal como se nos apresenta, necessita de algumas reformulações. Pois que sejam edificadas em doses homeopáticas, sob consulta, pesquisa, estudo e discussão. E não sob o ímpeto da caneta forjada e dos acordos de conveniência.”

Leia o texto na íntegra enviado à reportagem pela docente

Afirmo, reitero e expresso em letras garrafais que o PL 38/ 2017, a Reforma Trabalhista, na forma como se apresenta, representa uma sangria aos direitos trabalhistas. Assim o expresso, com a serenidade e a autoridade pelo conhecimento adquirido ao longo dos anos, absolutamente dedicados à investigação e ao aprofundamento em temáticas laborais.

Da análise do texto, recentemente aprovado, podemos perceber uma carência dos autores no conhecimento e trato dos preceitos fundamentais que norteiam à sistemática trabalhista. Ademais, há pontos nevrálgicos que colidem com as diretrizes pactuadas no cerne da Organização Internacional do Trabalho, das quais o Brasil é signatário.

Ilustrativamente, em um relato objetivo e sintético, podemos citar alguns pontos nefastos.

Atualmente, entre as diretrizes de proteção ao trabalho da mulher, a Consolidação das Leis Trabalhistas preconiza, em seu Art. 394-A que “a empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”. Salientando-se que neste aspecto, a CLT foi recentemente alterada em 2016. Norma clara para a tutela da criança e do nascituro, de forma direta e da mulher, de maneira imediata, pois, certamente, o filho é o bem mais precioso. Com a aprovação do texto da reforma, a gestante poderá laborar em atividades insalubres em graus médio e mínimo e a lactante em atividades insalubres em qualquer grau. Fato que nos leva a indagar se, efetivamente, o honorável parlamentar votante a favor da reforma não chegou a questionar-se que poderia não se encontrar vivo e saudável no parlamento se, porventura, a sua genitora houvesse tido algum problema na gestação oriundo do labor efetuado em condição adversa, como radiação e frio. Lembro que, o que se tutela, efetivamente, é a saúde e a segurança da criança. Poderá o médico assegurar com 100% de certeza que não haverá risco ao desenvolvimento do bebê ou do nascituro ? E mais, quantas mulheres silenciarão e suportarão à situação, pelo temor concreto e plausível de perderem seus empregos ? É violação pura e simples aos direitos dos vulneráveis, em flagrante marcha atrás aos parâmetros internacionais que norteiam os direitos humanos.

E vou mais além. A nossa Carta Maior de 1988, estipula, em seu art.7º, incisos XX e XXII, respectivamente, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Pontos aos quais questiono se o texto, anteriormente exposto, não confronta imediatamente com estes aspectos constitucionais de tutela. Ora, pois, ao invés de se proteger o mercado de trabalho da mulher com incentivos específicos, ela está sendo expurgada, ao ponto que terá que eleger entre a saúde e a integridade física e psíquica do filho e o vínculo laboral; por outro lado, ao invés de se reduzir os riscos inerentes ao trabalho, o texto aprovado amplia os riscos para a gestante, a lactante e a criança / nascituro vulnerável e indefeso. Se este viés não é a mais degradante violência contra o texto constitucional o que seria então ?

Um outro aspecto que nos clama à máxima atenção é a inserção da letra A ao art.484 da Consolidação das Leis Trabalhistas, trazendo ao ordenamento jurídico uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho: a extinção por acordo entre empregado e empregador. Nesta nova fórmula, o aviso prévio indenizado e a indenização sobre os valores depositados no FGTS serão devidos pela metade. Neste contexto, duas considerações são necessárias. Preliminarmente, não há como se conceber um acordo justo, pleno e eficaz entre sujeitos que se encontram em situação não igualitária. Isso é fato. Um segundo aspecto, inclusive curioso, é que, na prática alguns empregadores já se utilizam de uma espécie similar de “acordo” para a extinção do pacto laboral, em plena burla aos direitos trabalhistas, nos moldes do art.9º da norma consolidada. Ao que parece, o parlamento lapidou o comportamento dantesco, até então ilegítimo e o inseriu em nossa legislação trabalhista. Perfeito, ao invés de dispensar o empregado sem justa causa e pagar todas as parcelas pertinentes, abre-se ao empregador a possibilidade de efetuar “acordos” perfeitos e mágicos que permitirão livrar-se do trabalhador indesejado sem arcar com o ônus financeiro imposto pela atual legislação de tutela. Enquanto isso, a nossa tão festejada Constituição de 1988 apregoa em seu art.7º, inciso I que a relação de emprego será protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

E o que dizer da figura do autônomo exclusivo. É um tipo que se desenha em uma zona cinzenta com o trabalhador empregado. Creio em similitudes com uma figura que no direito espanhol cognomina-se TRADE, o Trabalhador Autônomo Dependente Economicamente, devidamente regulamentado e com direitos especificados na legislação daquele país, embora, continue apresentando-se como um perfil controvertido. No texto aprovado em solo pátrio, aparece que a contratação do autônomo com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado. Parece uma fábula. É um ser que mia, bebe leite, possui garras, sobe ao telhado, mas não é um felino. E não é um felino pois a lei assim o determina. Deve ser um dos nossos grandes temores, posto que poderá camuflar verdadeiras relações trabalhistas, com o intuito de burlar os direitos lapidados na legislação vigente.

Os defensores da reforma também argumentam que ademais dos postos de trabalho que serão criados, haverá um respiro para a Justiça Trabalhista, atualmente, inflada pelo acúmulo de processos, dizem os calorosos reformistas. Com tantos deméritos, vazios e imprecisões, com a devida vênia, também questiono este ponto. Reservo-me ao futuro tal resposta.

Um leque de outros aspectos poderíamos aqui nos debruçar para discutir, porém, os deixaremos para oportunidades vindouras, como a prevalência do negociado em relação ao legislado mesmo que não seja mais benéfico ao trabalhador, o que acaba desestabilizando pressupostos e princípios tão caros ao segmento trabalhista; o termo de quitação anual das obrigações trabalhistas; o fracionamento do repouso anual remunerado; o obscuro e fantasioso trabalho intermitente; a extirpação do tempo in itinere; a reformulação dos preceitos de tempo à disposição do empregador, etc.

Igualmente, não se pode conceber o argumento de que os direitos constitucionais encontram-se preservados e, portanto, a reforma é legítima, plácida e glamurosa. Devemos conceber violações constitucionais também em uma perspectiva material, sistemática, funcional. Não é preciso gritar-se em neon “o direito constitucionalmente resguardado está extirpado”, para que um direito seja violado grotescamente. Ora, quando o empregador, por exemplo, almeja dispensar um trabalhador por razões étnicas ou religiosas, ele não será explícito em seus motivos, camuflará à dispensa discriminatória como se fora uma dispensa legítima. Assim o fez o nosso Parlamento, aos brados de que todos os direitos serão preservados. Ah que sim ?! Infelizmente e de forma sorrateira nos brindou com o açoite aos vértices e a implosão aos fundamentais preceitos do direito do trabalho, dissimulado como plena, legítima e eficaz reforma. O Hércules para enfrentar a Hidra de Lerna do desemprego. Falácia.

Obviamente, como estudiosa do direito do trabalho não posso deixar de aportar que a legislação trabalhista, tal como se nos apresenta, necessita de algumas reformulações. Pois que sejam edificadas em doses homeopáticas, sob consulta, pesquisa, estudo e discussão. E não sob o ímpeto da caneta forjada e dos acordos de conveniência.

Recuso-me a aceitar o sacrifício humano e a deturpação dos direitos dos indivíduos. Ou o remédio pode se transformar em cicuta, letal e devastadora. Em minha concepção, a reforma medular que se faz necessária é a do Parlamento. E a partir daí, uma gama de outras reformulações. E esta, apenas consolidaremos, mediante o pleno exercício da cidadania, através do voto consciente e liberto. Há que se colocar um basta nos jogos de interesses e oportunismos vazios. Ou, doravante, façamos à Pollyanna, o “jogo do contente”. O futuro nos passará uma alta fatura.

WSCOM


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