POLÍTICA

“É o pior Legislativo das últimas cinco décadas”; Leia análise política

Por Paulo Dantas

O cientista político Vitor Amorim de Ângelo ficou famoso na web após ter sido chamado pela Globo para uma análise do atual momento político do país. Fugindo de uma visão rasa sobre a Operação Lava Jato e as manifestações de rua Amorim rebateu com sucesso os argumentos apresentados pelos jornalistas e virou hit nas Redes Sociais. 

Revista NORDESTE: Em entrevista à NORDESTE, A deputada Luiza Erundina colocou em xeque as três instituições. O senhor concorda com essa visão? Que momento é esse que o país está passando?
Vitor Amorim
: Concordo com o que diz a deputada. Realmente você tem hoje uma crise muito grave, talvez sem precedentes na história do Brasil, nem tanto por ser uma crise, porque já passamos por várias crises agudas, inclusive, que levaram a golpes, suicídios, mas pelo fato de você ter aparentemente uma degeneração dos três poderes ao mesmo tempo… Muito embora, aos olhos de uma boa parte da sociedade, o judiciário não esteja incluído aí nessa degeneração. Para muita gente o judiciário é o único bastião que continua a inspirar alguma esperança. Eu acho que é possível considerar o judiciário o menos degenerado desses poderes, mas especialmente o que a gente viu na Lava Jato nos últimos tempos mostra que também ali há uma atitude um tanto açodada em relação a alguns princípios que norteiam o Estado de Direito e que acabam colocando em xeque a própria razão de ser desse Poder. Você tem um Legislativo que é, sobre todas as perspectivas, o pior das últimas cinco décadas pelo menos, e você tem um Executivo que padece de uma agenda, de um programa, de uma inspiração maior para governar. Parte é algo normal, já está aí no seu quarto mandato, há um desgaste normal, porque naturalmente as forças não se renovam, as lideranças não vão se oxigenando, mas você tem também uma coisa mais conjuntural que é o envolvimento de pessoas da base e do partido em diversos escândalos que surgiram nos últimos anos, mas mais especificamente agora no caso do Lava Jato. Então é uma crise muito grave, politicamente, quando a gente pensa como Montesquieu que a separação dos poderes e a independência entre eles deveria ser positiva na medida em que eles pudessem se contrabalancear uns aos outros, e isso garantiria a manutenção dos regimes políticos por longo tempo… Hoje, o que nós vemos é talvez a incapacidade de um poder contrabalancear o outro na perspectiva da moderação, o que nós temos é um contrapeso de um poder em relação ao outro, mas na perspectiva da radicalização. Você tem um Executivo que declara uma guerra ao judiciário, notadamente, você tem um judiciário, não é possível generalizar, mas pelo menos aquela instância de Curitiba, que de maneira açodada toma algumas medidas bastante questionáveis que também tencionam o quadro político. E você tem um legislativo que abraça determinadas propostas que a despeito de serem democráticas porque constam numa Constituição democrática, não estão sendo usadas para fins democráticos, por exemplo, o Impeachment. Estão sendo usados como um mecanismo que não temos no Brasil, que é o recall, que é a possibilidade de você referendar o resultado das urnas em determinado altura do mandato, impeachment não serve para isso. Impeachment é quando o chefe do Poder Executivo comete algum crime de responsabilidade. Não é o caso até aqui, de acordo com a fundamentação do pedido de impeachment que corre na Câmara que é o das pedaladas fiscais. Não é o caso para muitos interpretes da lei, para outros de fato haveria uma fundamentação, mas ninguém já nem lembra a essa altura qual é a explicação para o Impeachment. O impeachment agora virou uma maneira de colocar fim a crise e tirar um governo alegando que ele é impopular, que há muita gente, ou talvez a maioria da sociedade brasileira que não concorde mais com ele, mas isso não existe no regime democrático como o nosso, nem na maior parte do países. Impeachment não serve para isso. Então os três poderes continuam independentes, continuam agindo de forma a contrabalancear um ao outro, mas não na perspectiva clássica de Montesquie levando a moderação, e sim levando ao exacerbamento da crise que se junta a crise econômica e então você tem um quadro completo do que a gente está vivendo hoje.


NORDESTE: No caso de um impeachment quais serão as forças que vão se enfrentar?
Vitor Amorim:
Eu gosto de pensar que se a Dilma sair isso não será o final da crise, porque o PT, bem ou mal, representa uma parcela da sociedade. Ele é uma força dentro da esquerda, ou da centro esquerda, pensando que o partido vem caminhando para o centro nos últimos anos. Eu acho que a primeira coisa para a gente ter em mente, que se de fato o impeachment se concretizar, e visto de hoje, parece que isso é muito possível, mas o quadro tem mudado rápido e não dá para saber ao certo. Visto de hoje parece que sim e o impeachment terminará desfavoravelmente à presidente da república. Se isso acontece, Michel Temer assume. O que acontece de imediato, do ponto de vista da correlação de forças, é que o PT passa a ser oposição. E nós sabemos como o PT fez oposição enquanto não havia chegado ao governo. Então é uma oposição aguerrida, combativa, que tenta mobilizar e pode ainda mobilizar. O Partido dos Trabalhadores com todas as organizações e instituições que são alinhadas, bem ou mal, sindicatos, centrais sindicais, universidades federais, intelectuais de todo tipo, esse pessoal existe e continuará existindo, mesmo despois de um eventual impeachment, e eles vão para oposição ao governo que eventualmente venha a assumir no lugar do governo Dilma. E é uma oposição articulada, intelectualizada, enraizada na sociedade e com capacidade de mobilização. E será, se isso de fato vier a acontecer, uma oposição já com experiência de poder, coisa que o PT não tinha, pelo menos em nível nacional, até 2003. Então me parece um equívoco achar que o que ocorrerá será uma retirada de uma força política, e a sua extirpação e a chegada de uma nova força política, que não é nova, vale dizer, de velha ela tem tudo, e que fará algo muito diferente. Porque se nós acreditarmos nisso, nós teremos uma visão muito mais ligada às pessoas do que as instituições, no sentido de que trocando as peças, trocando as pessoas, tudo será novo, apesar de toda a estrutura parecer ter problemas. Essa é uma velha discussão que se liga a questão da reforma política. Nós só falamos em reforma política porque dentre outras coisas nós acreditamos que as instituições funcionam mal. Então, se nós tirarmos os políticos e colocarmos outros, as instituições continuando as mesmas o resultado possivelmente não terá uma alteração de fundo. Daí porque a simples chegada de um novo governo não altera o cenário completamente, além do que o PT continuará a existir com toda essa característica que eu acabei de descrever e agora na oposição.

Cientista Político Vítor Amorim, entrevista exclusiva à Revista NORDESTE


NORDESTE: Quem ficará no governo?
Vitor Amorim:
Primeiro pessoas envolvidas nas mesmas denúncias que atingem membros do governo. Aécio já foi citado diversas vezes, Temer a mesma coisa, Renan Calheiros a mesma cosia, Eduardo Cunha nem se fala. Então você não tem ali um conjunto de santos a assumir o governo, pelo contrário. E essas pessoas têm uma agenda muito conservadora. Basta ver o programa apresentado pelo PMDB, uma Ponte para o Futuro, e você vai ver que nós teremos aqui uma coisa bastante parecido do que foi feito na Argentina, que é um verdadeiro Cavalo de Pau, numa outra direção, e que é uma direção liberal conservadora. Claro, alguém vai dizer assim, mas a Argentina está recuperando a credibilidade, pode ser. Estou citando a Argentina porque muitas pessoas citam a Argentina hoje. Então Maurício Macri assumiu e recuperou a credibilidade, agora Obama vai lá, o primeiro ministro Italiano vai lá e aí as pessoas pensam, olha como a Argentina em 100 dias se projetou internacionalmente. Ora, do que estamos falando? De um país que passa a ser reconhecido pelos mercados. Então para você ser reconhecido pelo capital é porque você está fazendo, possivelmente, o jogo do capital. Não é que os mercados são desprezáveis, porque afinal quem cria o emprego é o patrão. Mas não existe produtividade sem que esse emprego seja preenchido pro um trabalhador. Então nós não podemos adular um lado ou o outro completamente, rifando assim a outra face dessa moeda. Então se o governo Temer assume o que nós vamos ver, possivelmente, é um pêndulo, literalmente. Porque vai se perder toda a agenda social desse governo, não obstante ela tenha virado agora muitas vezes um mero discurso para se sustentar aí no poder, em detrimento de um aceno muito aberto para o mercado, tendo em vista todo o conteúdo do projeto Ponte Para o Futuro. Não é a toa que o que tem circulado como informação na Imprensa, é Temer já articula nomes para um possível governo seu e pensa em algumas medidas de natureza social justamente para conseguir manter um certo equilíbrio. O que ele está tentando com isso? Em afagar a sociedade? Não, pelo contrário, nem é esse seu estilo. É em neutralizar focos de oposição a um eventual governo seu, que pode ser acusado, justamente como Macri, de fazer um pêndulo, de dar esse cavalo de pau, de ser reconhecido pelos mercados, o que é de fato importante, claro, mas esquecendo de bandeiras que também eram importantes no governo de Cristina Kirchner a despeito de algumas, ou de muitas, na visão de tanta gente, problemas que ela pudesse ter criado. Então, acho que o equilíbrio acaba sendo a melhor saída, sem inocência aqui, é claro que existe um viés de direita e um viés de esquerda em muitos governos, mas a moderação, voltando a Montesquieu, talvez seja o melhor caminho, não só para o desenvolvimento do país, de qualquer país, como para o funcionamento das suas instituições. À medida que você funciona como pêndulo, então você só tem ciclos, ora a esquerda, ora a direita, que ao se exaurirem levam o peso para o outro lado e parece que é isso agora que a gente está assistindo.


NORDESTE: Pensando nesse pêndulo, Erundina fala que o PT fez um desserviço a esquerda, e todo o movimento atual é uma movimento que amplia as forças de direita e dificulta as forças de esquerda. Aí eu coloco outra questão, há também uma crise generalizada dos partidos, não é isso?
Vitor Amorim:
Há sim, e isso não vem de hoje. Há uma crise que também não é só dos partidos. É dos partidos se você pensa em partidos como uma instituição de mobilização, de agregação de preferência que existem na sociedade. A sociedade é heterogenia, é múltipla. Como essa multiplicidade, essa heterogeneidade se expressa nas instituições, quem é que agrega as demandas dos trabalhadores, dos empresários e estudantes? Até bem pouco tempo atrás, através dos partidos, sobretudo. Através dos seus políticos eleitos pelo seu voto, pelo sufrágio universal. Portanto, havia representantes, filiados a partidos, atuando em instituições políticas, notadamente o Legislativo, que representavam os interesses da população e agregavam as preferências. Então, a melhor maneira de expressar suas preferências era por meio do voto. Isso já vem se perdendo na Europa, nos EUA, no Japão e no Brasil, na América Latina como um todo há um bom tempo. Ou seja, há uma crise de representação, um questionamento que os representantes não nos representam mais. Isso está claro nas manifestações de 2013. Uma crise dos partidos políticos, que é uma crise e um questionamento sobre a democracia representativa como um todo, no sentido que eles não são os únicos canais de representação, não são as únicas formas de agregar as preferencias que existem na sociedade. Então você tem muita gente pedindo canais de democracia direta, pensando que existem outras formas como coletivos que existem na sociedade, movimentos sociais que devem ser escutados, porque eles também representam, eles também organizam as preferências que existem na sociedade.


NORDESTE: Então a crise é maior, vai além dos partidos?
Vitor Amorim:
É uma crise que pega da esquerda a direita. Agora, a esquerda, sem dúvida nenhuma… sendo o PT um partido que chegou com uma proposta… É um partido de esquerda, há um certo consenso inclusive na teoria que ele é um partido de esquerda que permanece na esquerda mais caminha a passos largos para o centro. É um partido hoje de centro esquerda. Isso acontece porque ele vai combinando, por exemplo, só lembrar no primeiro governo Lula, com medidas na economia abertamente liberais, até aprofundando a política econômica de Fernando Henrique Cardoso do seu segundo governo. De fato, a crise do PT cria um problema para a esquerda como alternativa política. Porque parece que a esquerda acaba sendo isso que nós estamos vendo. Essa identificação que reduz a esquerda ao PT e o PT a corrupção, que leva a uma descrença que o voto num partido que se diz de esquerda venha a ser um voto alternativo. Um voto que possa vir a criar ou a levar a construção de uma outra forma de sociedade, ou de fazer política ou de viver a democracia. Porque a bem da verdade o que nós vimos é que o PT mais se corrompeu ao sistema do que conseguiu subvertê-lo. Agora também a gente precisa lembrar que como a esquerda não se reduz ao PT os outros atores estão se movimento. Ou seja, não é que o PT seguiu um caminho e os outros como que epifenômenos do PT, ou foram levados de roldão, junto com ele, então a esquerda, ou cresceram por causa dele, no caso da direita. Essa é uma relação dinâmica. A direita não está parada ela também está criando as suas estratégias, mobilizando a sociedade, tentando agregar as preferências, a se tornar e a se apresentar como representante dessas demandas. Então, lógico, ela até ocupa um vácuo e uma descrença e uma crítica em relação ao PT, ok, mas ela é também um ator ativo aqui. Isso vale inclusive para o PSB que é um partido que se apresenta como de esquerda, um partido socialista brasileiro, que fez parte do governo do PT até muito recentemente, quando então decidiu sair do governo para apresentar o seu candidato Eduardo Campos, e depois com a sua morte, Marina Silva. Estou citando o PSB apenas como um exemplo, podemos pegar qualquer um outro partido de esquerda. Um partido que teve ministros no governo Lula, incluindo Eduardo Campos, ministro da Ciência e Tecnologia, logo no inicio do governo lula, e é um partido que hoje, apesar de alguma divisão notadamente na sua base no Senado, está apoiando o processo de Impeachment, que é uma bandeira abraçada por essa direita. Os partidos de esquerda, isolada a estrema esquerda, o PSOL e mais a esquerda dele, alguns até que não tem nenhuma relevância na agenda da discussão, o PCO, PSTU, são agrupamentos praticamente. O PSOL tem até um debate mais qualificado, mas o PSB que era um partido moderado de centro esquerda está caminhando cada vez mais para a direita. Então, não dá para creditar isso ao PT, é muito fácil. É como se as lideranças do PSB não tivessem um polo ativo, não pensassem, como se fossem só reflexo do que o PT está fazendo. E isso não é verdade. É nessa hora justamente que uma esquerda que quer se colocar como alternativa (precisa entender que) a história não acabou. Está certo, Dilma pode sair, isso não significa que para sempre nem o PT, nem a esquerda vão voltar ao poder, isso não existe. Mas então você tem que ter uma visão de maior alcance, para saber que mesmo no momento de uma crise, talvez da esquerda, causado pelo maior principal partido da esquerda brasileira, no caso o PT, você como esquerda precisa continuar construindo uma alternativa da esquerda, porque se não você faz o jogo da direita.


NORDESTE: Voltando para a estratégia petista ao levar o Lula para o ministério e toda a crise que se instalou, parece que aumentou a crise. Foi boa a estratégia?
Vitor Amorim:
Vista de hoje parece que não. Mas eu já achava na quarta-feira que não era boa, mas era a única. O governo estava naquele momento numa situação de tanta fragilidade que não lhe restava outra alternativa, a bem da verdade, a não ser nomear Lula ministro da Casa Civil, ou o que se cogitava até a véspera, na Secretaria de Governo, porque a correlação de forças estava, ou está, totalmente desfavorável a Dilma Rousseff. Então, ou ela ficava no seu gabinete assistindo a banda do Impeachment passar ou ela tomava alguma atitude. Ela não tem capacidade de liderança política, não tem ascendência sobre seu partido, não tem um governo minimamente articulado, não tem base no Congresso Nacional. Então ela não tinha nada a sacar do seu próprio bolso, a única bala de prata que lhe restava e que poderia ter um impacto que ela imaginou, apesar de qualquer atrito ou resistência, que poderia ser positivo a logo ou curto prazo, seria Lula ir para o governo. O grande inconveniente era a questão do foro (privilegiado), se haveria uma tentativa explicita de fazer isso por conta do foro ou não. Eu sinceramente achava, a certa altura, que a questão do foro até poderia estar ali no horizonte, mas ela não era a principal, porque pensando enquanto governo eu via que não tinha outra alternativa a não ser isso: Lula ir para o governo para tentar fazer alguma coisa. No sentido de que seria interessante salvar esse projeto, e ele aceitaria por isso, não obstante a questão do foro viesse embutido ali como uma coisa positiva. Agora temos que abrir um parêntese, positiva porque livra Lula do Moro, mas não livra Lula da Justiça. Nem coloca Lula numa instância judicial mais favorável, basta ver decisões como o Mensalão, a da ação penal 470 (Mensalão) abertamente desfavorável ao PT e ao governo Dilma. Isso estava no horizonte, mas eu não via tanta ênfase nisso. Diante das gravações que foram feitas, você percebe que de fato há uma preocupação grande e talvez até maior do que eu mesmo avaliava e eventualmente até as pessoas menos rápidas em acusar o governo de ter essa intenção achavam, porque ali você vê o presidente do PT, deputados, ministros, discutindo e colocando muita ênfase nessa questão sem nenhuma ressalva. Há quase uma redução da estratégia para alcançar esse objetivo. Então você se vê diante da certeza, eu diria, que o que estava no horizonte, senão da presidente como pessoa, mas em todo seu entorno, era salvar Lula de Moro. Daí para frente o governo vai usar o mesmo argumento que eu usei, que é uma crítica sorrateira, porque de fato ele não está se livrando da justiça, ele está indo para outra instância, mas ele continua sendo julgado, não há mandado de prisão contra ele, etc, etc. Mas se isso é verdade, porque então nós vemos em todas essas conversas uma preocupação em garantir o foro privilegiado. Justamente porque havia o temor que o juiz Sérgio Moro pudesse ser mais rigoroso no seu julgamento em relação ao Lula do que talvez fosse em outras instâncias, ou que ele pudesse ser mais rápido nesse julgamento do que talvez ocorresse em outras instâncias e é por isso que havia também o interesse em nomear Lula rapidamente e antecipar a sua posse, que seria dia 22/03. A tal ponto de precisar até publicar uma edição extra do Diário Oficial da União. Então as coisas se misturam e é difícil achar uma linha de equilíbrio na análise do quadro político…

NORDESTE: Mas havia razão para temer Moro?
Vitor Amorim:
Há razão de temer o Moro, nem tanto porque ele faz um trabalho rápido, porque é diligente, é organizado, mas porque ele a luz do que tem ocorrido tem feito um trabalho rápido extrapolando até os limites da sua atuação. Olhando dessa perspectiva, dar um foro privilegiado a Lula era a tentativa de, já que ninguém consegue conter esse juiz do ponto de vista institucional, criar um impedimento institucional para que ele com a sua arbitrariedade, nesta visão, não alcance o ex-presidente, decretando uma prisão que muitos considerariam arbitrária ou qualquer outra medida de natureza semelhante. Mas, por outro lado, quando você faz isso, você desvia completamente a função e o propósito de nomear o ministro, que não é essa, e cria a posteriori um argumento que ele vai chegar ali para organizar o governo. Ou tem apenas na figura da presidente, uma pessoa que acredita piamente nisso, porque todo o seu entorno, a julgar pelas conversas gravadas com autorização da justiça considera que o principal (motivo) não é isso. Então, se já era uma jogada arriscada, mas a única que o governo poderia ter, o fato é que diante da revelação dessas gravações, e aí há toda uma discussão sobre em que circunstâncias elas foram feitas, a crise aumentou de maneira exponencial e acelerou todo o processo que nós vemos agora. Fragilizou ainda mais o governo. Lula até agora não assumiu, é uma situação até sus-generis.


NORDESTE: Hipoteticamente falando, dando certo a nomeação de Lula como um super ministro, poderíamos pensar num terceiro mandato de Lula, sem ser um mandato efetivo de Lula?
Vitor Amorim:
Muita gente diz isso, mas assim, o que as pessoas falam de terceiro mandato? Se elas tiverem falando de uma questão temporal mesmo, não é, porque não vai esticar o mandato. Dilma vai governar até 31 de dezembro de 2017, então é um segundo mandato da presidente Dilma com um super ministro que na prática é um presidente. Agora se a gente estiver pensando na possibilidade que Lula dite os rumos do governo. Aí você até poderia de alguma maneira vislumbrar a noção de um terceiro mandato, pensando que pela terceira vez ele pode dar as cartas no governo. De todo modo, acho que uma expressão assim pouco explica o que a gente está vendo porque ele até hoje, desde que Dilma assumiu em 2010, ele também não ficou na sombra. Foi um grande articulador, um grande conselheiro. Ela tantas vezes viajou para São Paulo simplesmente para falar com ele, ele diversas vezes conversou com lideranças da base, com líderes da liderança governista, de modo que se fosse simplesmente isso, ele já estaria no curso de um terceiro mandato há muito tempo. É porque eu acho que agora ela não tem força para fazer um contraponto ao que ele sugere. Então se houver uma divergência entre os dois, possivelmente vence a posição dele, porque qualquer força que ainda reste ao governo está com ele, não com ela. Acho que nesse sentido talvez alguém possa pensar em terceiro mandato, mas para mim é uma imagem um pouco pobre na sua capacidade explicativa.


NORDESTE: Sérgio Moro diz se inspirar na Operação Mãos Limpas da Itália, um analista disse recentemente que aquela operação não diminuiu a corrupção, mas tornou ela mais eficaz e mais estruturada, porque não atacou a corrupção endêmica. Como você vê essa Operação e essa relação da corrupção endêmica no Brasil?
Vitor Amorim:
Eu acho uma tolice achar que a Lava Jato, que tem a sua importância sem dúvida alguma, que é conduzida por pessoas que fazem isso, imagino eu, com espírito público, vai acabar com a corrupção como eu tenho ouvido de alguns membros da Força Tarefa. Por uma razão: é impossível que a Lava Jato, que tem um escopo específico, ataque todas as formas de corrupção existentes no Brasil, então se ela não vai fazer isso, ela não tem como acabar com a corrupção. Ela pode acabar com a corrupção na Petrobras, mas não com a corrupção no Brasil. Uma tolice achar isso também ao meu ver porque a corrupção está entranhada na sociedade, não só na política institucional. Então não há uma relação de nós contra eles. A corrupção, a leniência em relação a ela, faz parte da cultura política brasileira. E nessa cultura política algumas formas de corrupção são consideradas mais graves do que outras, e a corrupção de políticos em empresas, de desvios de verbas públicas, tal como estamos vendo sendo investigado pelo Lava Jato, são considerados muito graves. De tal forma que nessa narrativa que a gente faz e a mídia tantas vezes reproduz, a corrupção acaba sendo reduzida a corrupção praticada por políticos que desviam verbas públicas para interesses privadas, seja sua eleição, seja o seu enriquecimento particular. Então eu não nutro nenhuma esperança, como alguns membros da Lava Jato, e muita gente da sociedade, que Lava Jato vá ser uma força a acabar a corrupção no Brasil, por questões de lógica, isso não tem nada a ver com ideologia. Agora que ela é um divisor de águas, sem dúvida nenhuma. Porque nós estamos diante de revelações numerosas, de casos cuja soma são impressionantes que talvez ensejem a sociedade e a elite politica a buscar formas de alterar o modo como as coisas funcionam no Brasil. O financiamento público de campanha, por exemplo, as questões ligadas a transparência corporativa, nomeação de políticos para conselho de administração de estatais, são coisas estruturais que a gente pode fazer. Agora, volto ao meu argumento, a Lava Jato não tem o poder de alterar o modo como pensam os brasileiros.


NORDESTE: E como é esse pensamento?
Vitor Amorim:
O modo como a sociedade enxerga a corrupção que está inclusive dentro dela, sociedade, e um tipo de corrupção que a Lava Jato não vai alcançar. Ela não vai alcançar fraldes no imposto de renda, subornos a policiais rodoviários federais, coisas que são comuns, a gente sabe bem, mas que não estão no escopo da força tarefa da Lava Jato. Então eu não tenho essa esperança, e nem acho que ninguém deve ter, porque não é esse o objetivo da operação. Qualquer coisa além disso é messianismo, é gente que coloca-se como salvador da pátria, as vezes até com a melhor das intenções, mas que de fato não é. E isso num país com natureza autoritária, porque a gente deposita em algumas pessoas, no Deltan Dallagnol (coordenador da Lava Jato), no juiz Sérgio Moro, a esperança de que possa haver uma refundação da República. A República não é obra de quatro mãos, é obra de uma sociedade como um todo. A República precisa, no sentido mais puro da palavra, de homens e mulheres com espírito e valores cívicos, republicanos, éticos, ou seja, depende muito menos da atuação de um juiz, de um procurador da república, e muito mais da formação de uma geração inteira de pessoas interessadas em construir um país diferente. E isso é muito difícil. A Lava Jato pode até ter a sua contribuição nesse processo, mas ela não tem, de um ponto de vista lógico, histórico, sociológico e político, a capacidade de produzir isso que eu acabei de falar. E de fato ela pode ter esse inconveniente de aumentar a corrupção, ou pelo menos aumentar a sofisticação como a corrupção é pratica, por uma razão relativamente simples, que é o fato de que pessoas que agem a margem da lei vão se adaptando aos novos cenários. Por exemplo, a medida que nós não nomeamos políticos para conselhos de administração, criamos regras mais duras para transparência corporativa, ou que nós proibimos financiamento empresarial para campanhas políticas isso tende a acabar com a corrupção vinda desses lugares, mas não com a corrupção. Porque aqueles que se corrompiam, ou se deixavam corromper, eles vão buscar, seja pelo seu desejo de enriquecimento, pela falta de valores cívicos republicanos, ou pelos constrangimentos que eles entendem sofrer para continuar na vida pública e para fazer negócios no Brasil, vão buscar outros caminhos, e caminhos que naturalmente serão mais sofisticados, porque você está elevando o nível de dificuldade para corromper e ser corrompido. Daí porque isso não vale só para a corrupção, mas para qualquer outra coisa, para a Liberdade de Imprensa, para o funcionamento das instituições. Isso exige uma eterna vigilância, um eterno aprimoramento das funções do Ministério Público, da Polícia Federal, da Justiça em todos os seus níveis. Porque se você faz uma reforma política você não melhora as instituições a tal ponto que nada mais precise ser feito. Se você tem uma Lava Jato, por mais sucesso que ela tenha, a corrupção não vai acabar pura e simplesmente e aí podemos virar a página que isso já está resolvido. Tudo isso traz uma eterna necessidade de vigilância. Agora, claro, hoje um dos nossos maiores problemas, na minha visão não é o maior, mas um dos nossos maiores problemas é a corrupção, e certamente nessa correlação de forças os esforços se dirigem majoritariamente para esse lado e a Lava Jato termina sendo, a despeito de qualquer crítica, qualquer limitação, o grande divisor de águas.

 

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