BRASIL

Economistas apontam quais os principais desafios e as vocações do Nordeste

Por Paulo Dantas

Revista NORDESTE solicitou a três economistas que traçassem um painel atual sobre os desafios e vocações da região. As respostas apontam para uma situação difícil de ser resolvida, apesar de inúmeros avanços conseguidos até o momento. Os estudiosos são Marcos Formiga, diretor do Centro Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, sediado no Rio de Janeiro; Nelson Rosas, professor emérito da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (Progeb), e Leonardo Guimarães Neto, diretor técnico da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), em Pernambuco.


Os três são unânimes em afirmar que é preciso uma união mais efetiva da região e que é urgente que seja feito um novo pacto federativo para acabar de vez com a guerra fiscal, tática que tem sido nefasta para os estados e criado mais um fator desagregador do que de desenvolvimento.


Nos parágrafos e páginas que seguem a NORDESTE compila o pensamento dos cientistas para explicar as várias diferenças e dificuldades da região e suas vocações. Um painel profundamente heteregênio, mas também por isso incrivelmente rico de significados e potencialidades.


No entender dos economistas há uma grande heterogeneidade de situações nos estados nordestinos que torna difícil definir “vocações” estaduais. “O Brasil e o Nordeste são sociedades e economias heterogêneas que comportam vários caminhos no seu desenvolvimento e que devem ter capacidade para bem aproveitar as oportunidades que aparecem em um ambiente muito dinâmico”, avalia Leonardo Guimarães. Segundo o economista, foi isto que, liderada por Celso Furtado, a região, fez num ambiente político e econômico favorável do final dos anos 50, no século passado, com uma articulação dos governadores nordestinos e de outras lideranças regionais, com o apoio substancial do presidente Juscelino Kubitschek. O professor lembra que na ocasião criou-se uma instituição responsável pela coordenação da política de desenvolvimento regional (a Sudene) com participação dos governadores e ministros, elaboração de planos diretores regionais que foram discutidos e validados pelo Congresso Nacional.


“Na época, caracterizada por um intenso processo de industrialização do país, concentrado no Sudeste e em particular em São Paulo, o caminho para o desenvolvimento regional estava baseado na industrialização da região, na implantação de uma infraestrutura econômica e na reestruturação da atividade agrícola da Zona da Mata e do semiárido. Foi essa arquitetura institucional que durante alguns poucos anos deu substância a uma articulação política regional, que tinha nos governadores uma das bases de sustentação”, frisa.


O professor Nelson Rosas corrobora com a visão de Leonardo Guimarães. “O desenvolvimento no Brasil se deu de uma forma tão desequilibrada que no final você tem uma série de regiões diferentes. O sistema tributário também não contribui para reduzir essas diferenças, e sim para aumentá-la. Falar numa vocação é complicado”, avalia Nelson Rosas.


É verdade que realidade mudou em vários aspectos, mas passados mais de 50 anos, desde a fundação da Sudene, a participação do Nordeste na economia nacional não apresentou avanços significativos nas últimas décadas. Entre as mudanças e transformações que ocorreram na região está a implantação de grandes empresas e indústrias (confira análise nas matérias Crescimento e Atrasos e Transformação da Paisagem). Houve avanços, em vários estados na agricultura irrigada e no agronegócio. Foram realizados investimentos de grande e médio porte em novas cadeias produtivas (investimentos em petróleo e gás, na indústria naval e automobilística, na energia renovável). O economista Leonardo Guimarães lembra que na última década, enquanto durou a fase de expansão da economia nordestina, surgiram empreendimentos voltados para a demanda regional, sobretudo a do consumo (indústria de alimentos e bebidas, com fábricas instaladas na região). A questão hoje é que muitos desses investimentos necessitam ter seus esforços mantidos para reforçar as mudanças e transformações positivas. Entre esses esforços a intervenção do Estado talvez seja essencial.

Vocação: Economia do Conhecimento

Para Marcos Formiga, é difícil nomear uma vocação única para o Nordeste. “Há um Nordeste composto de vários nordestes. Uns com solidariedade regional e outros com pouco sentimento de região nordeste”. No entender do estudioso, a saída para o Nordeste seria abandonar a “velha fórmula da solução hídrica” já tentada com bastante insucesso, onde se acumula água, mas não sabe o que fazer com ela. Formiga lembra que vocação tem a ver com a junção da capacitação humana com a disponibilidade de recursos naturais, somando a isso a uma “capacidade criadora, criativa e inovativa”.


O estudioso cita o economista austríaco Joseph Schumpeter e sua “destruição criativa” difundida no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942)”. O livro descreve o processo de inovação, que tem lugar numa economia de mercado em que novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios. Formiga explica que a combinação dos fatores de produção da economia clássica – trabalho, capital financeiro, capacidade empresarial – se reestruturam e devem se recombinar, caso contrário a economia entra em estagnação, desindustrialização, ou num desenvolvimento medíocre. Um dos perigos do nordeste.


Trocando em miúdos, significa dizer que existe uma necessidade natural e permanente de reinventar e testar o novo para manter o crescimento de forma permanente. Para o economista, tudo isso tem muito a ver com a ‘economia do conhecimento e a criação’. “O nordeste tem um povo criativo, além de muito trabalhador. A deficiência existe porque o governo e a sociedade não fizeram o seu dever de casa, educar o povo. Antes de pensar em vocação tem que resolver o problema base, e o problema base é a educação”.


Entre os exemplos de “Economia do Conhecimento” no Nordeste, Formiga cita o Porto Digital, em Pernambuco; o trabalho que o estado do Ceará e o município de Sobral estão fazendo na área de alfabetização – que se tornou modelo nacional – e o esforço feito em capacitação profissional na região do porto de Itaqui, em São Luís, uma área extremamente carente, mas que está instituído projeto para qualificar cerca de 100 mil pessoas afim de atender as demandas de talento humano na região. “Isso gera uma correlação direta entre os investimentos financeiros e a necessidade de capital humano”, pontua Marcos Formiga. O diretor do Centro Celso Furtado acredita que a vocação do Nordeste aponta para seu processo criativo natural e sua cultura mais que efervescente. “Essa seria a saída para dar qualidade de vida às pessoas e aumentar o índice de felicidade. Aí é que eu venho com outros indicadores. Ao invés de renda per capita quero satisfação do povo. Ao invés de PIB alto eu quero respeito à natureza, sustentabilidade e qualidade de vida. É uma visão pouco ortodoxa para a linguagem do economista”.


Cintando outro economista, Partha Dasgupta, Formiga avisa que o capital humano hoje está mais ligado a sociedade do conhecimento do que a números frios de per capita e PIB. Essa seria a ideia de economia criativa. “Na minha observação, nós temos de reverter essa métrica”. Partha Dasgupta é um doutor, professor emérito de economia da Universidade de Cambridge, que está trabalhando para a Unesco um novo tipo de indicador, onde se mede a riqueza inclusiva. “Estou replicando o modelo de Partha Dasgupta. Primeiro ativo: o capital humano. Segundo: o capital físico e produtivo. Terceiro: o capital natural. Com esses três ativos se tem uma ideia da riqueza inclusiva. Só para se ter uma ideia, o PIB do EUA quando eles fizeram o cálculo inicial estava numa faixa de 10 trilhões de dólares. Com o conceito da riqueza inclusiva ia para 118 trilhões de dólares. É uma revolução na quantificação dos indicadores, para ficar um pouco mais liberto da taxa de inflação, taxa de desemprego, juros, porque tem coisas mais interessantes que estão vindo ai, como essa da economia criativa a partir da matriz maior do mundo, a economia do conhecimento”. Para o economista, fica claro que o Nordeste pode pegar carona nessa nova onda planetária, mas precisa urgentemente investir na educação de seu povo e nos novos talentos que surgem.

Desafio I – Mais investimento do Estado

Todavia, é difícil pensar em vocação do nordeste sem olhar para o que há de mais elementar para o desenvolvimento. O próprio Marcos Formiga ressalta a questão da educação, que precisa de novos esforços para alcançar um novo patamar. Houve investimento em quantidade de vagas, mas falta melhorar a qualidade. No entanto, o desafio do Nordeste não é só melhorar a educação, mas também fomentar uma série de cadeias que vão desde melhorar transporte, irrigação, fornecimento de energia, fazer saneamento básico, até combater o turismo predatório e investir na qualificação de mão de obra especializada. Isso significaria criar estruturas para a instalação das indústrias. “A gente não pode pensar no nordeste sem tratar desses problemas”, frisa Formiga. Tudo isso esbarra em investimentos do Estado em infraestrutura.


“As indústrias são atraídas pelo mercado, outra fonte que pode atrair qualquer tipo de indústria é a proximidade da matéria prima. A existência de mão de obra com tradição operária é a terceira coisa. Eu não vejo interesse de indústria nenhuma se deslocar para uma área que não é fonte de matéria prima, não tem proletariado com experiência fabril, nem tem mercado em tamanho suficiente para atraí-la. Os empresários não virão. A gente vem pelejando desde a Sudene nessa guerra para atrair empresas. Não adianta. Os empresários só vão para um lugar onde ele possa produzir com lucro. O que a gente tem feito: atrair via favores fiscais. Isso é um falso atrativo”, opina Nelson Rosas.


A questão dos transportes é, na verdade, um grande desafio, mas ao mesmo tempo pode ser um atrativo para a instalação das indústrias. “Se você liga uma região que não tem matéria prima, mão de obra, nem mercado de consumo, com bons meios de transportes, não só estradas, mas estradas de ferro e cabotagem, é possível atrair determinadas indústrias que vêm fugindo do congestionamento, da loucura de São Paulo”, indica Rosas.


No entender do economista, ou o estado interfere para criar, não favores, mas criar infraestrutura que possibilite o deslocamento das empresas para o nordeste, ou elas não vêm. “Não é função do estado criar as fábricas, a gente já andou fazendo isso durante muito tempo e ultimamente está meio fora de moda. Não é que eu não concorde com isso, acho que em certas ocasiões o estado deve agir até mesmo diretamente, mas tudo bem. Estou aceitando a maré atual. Não é a função do Estado criar empresas. Mas é função do Estado criar condições que permitam a existência e instalação dessas empresas”, ressalta.


Apesar de cobrar uma atuação mais efetiva do estado, Rosas diz que não acredita em mega obras. “A gente deveria mudar o foco e adotar o lema: Small is Beautiful”, filosofa. O professor se refere a tese do economista norte-americano Ernst Schumacher, “Small is Beautiful: a study of economics as if people mattered”, publicada a partir de palestras proferidas durante a década de 60 e início de 70, que defendia a retomada do desenvolvimento econômico, após a crise do capital, sob bases mais humanistas. É preciso “adequar as atividades ao tamanho que nós temos e às condições que nós temos nesse momento. Não ficar com essa loucura de gigantescos projetos”, ressalta.

Desafio II – péssima articulação política

Para os economistas um outro problema sério que precisa ser resolvido é a qualidade dos políticos na região. Há passividade e incompetência. “A sucessão de administradores, não diria desonestos, mas pelo menos medíocres, é muito grande. Se a gente não alterar esse grupo de pensadores, intelectuais e políticos que dirigem o estado vai ser difícil conseguir mexer nessas questões que são básicas, e que dependem da ação do estado que há muito tempo não estão sendo atacadas”, desabafa Nelson Rosas.


“Há muito tempo que o Nordeste não apresenta liderança nacional. Nós não temos uma posição visível de liderança política, embora tenha uma força política muito grande. Se você somar as bancadas dos nove estados do nordeste somos capazes de fazer muitas coisas”, frisa Marcos Formiga. Segundo o estudioso, a região tem capacidade de pressionar desde que se articule. “O Celso me dizia nas minhas conversas e aconselhamentos com ele sobre a diferença do Nordeste que ele via recentemente, próximo dele morrer, na virada do século… cada estado puxava a brasa para a sua sardinha. E no Nordeste da Sudene, que era uma invenção literal do Celso, o interesse da região estava acima dos interesses dos estados”, argumenta.


Entre os pontos que tornam imprescindível uma articulação política está colocar um fim na guerra fiscal. “O comércio interestadual apresenta, sistematicamente, um déficit com relação ao Sul e Sudeste, voltadas com mais ênfase para São Paulo. Todavia, isto não ocorre somente em relação ao consumo, incluindo neste os bens de consumo duráveis. Tal déficit comercial tem importância, também, no que se refere aos insumos industriais, a máquinas ou equipamentos voltados para as atividades produtivas regionais, tanto agricultura, como indústria e serviços”, lembra Leonardo Guimarães reforçando a ideia da perda no comércio interestadual, principalmente para a região Sul/Sudeste. Essa queda de braço também acaba fazendo parte da dinâmica da guerra fiscal. O professor ainda lembra que num ambiente caracterizado pela ação isolada de cada governo estadual prevaleceu até aqui a competição voltada para o crescimento individual, fazendo com que os estados atuassem agressivamente na oferta de vantagens e incentivos às empresas.


Entretanto, essa política acaba favorecendo o parasitismo, onde muitas empresas acabam se apropriando dos recursos dos estados dando em troca meia dúzia de empregos, mas a medida que esses benefícios fiscais são cortados a empresa vai embora. “Eu acho isso uma molecagem dos governos. Alias acho isso até um crime. Os estados vão concorrendo com a miséria”, desabafa Nelson Rosas. “Não vejo outro caminho (além de acabar com a guerra fiscal). Agora o que se faz para que os estado façam isso? A gente tem que cair na política e eleger pessoas que sejam capazes de ter essa ação”, defende.

Confira Matéria completa na Edição da Revista Nordeste

Paulo Dantas – Revista NORDESTE
 


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