BRASIL

Efeito social: Programas sociais transformam paisagem nordestina

Foto de Duval Pereira com o cliente na barbearia de Pedra Branca, interior da PB

A transformação da paisagem

Por Paulo Dantas

Não é fácil para uma pessoa que nasceu no semiárido, castigado pelas secas, ‘pagar pedágio’ para ter acesso a qualquer bem, inclusive acesso a água ou qualquer benefício público”, reclama Roberto Veras, professor de ciências sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O ‘pedágio’ seria uma espécie de fidelidade e submissão praticamente eternas. Veras lembra que a miséria nordestina estigmatiza e cria dependência das populações mais pobres em relação as elites, econômica, social e política.


O cientista pontua que parte da população mais pobre do interior do nordeste mantinha relações dependentes e ligadas a esquemas de famílias, como reconhecimentos feitos ao dono da terra. Uma relação muito parecida ao que era mantida ainda do início do século passado. “Agora eles têm condições de barganhar num outro patamar seu trabalho, na medida em que já têm uma renda garantida que supre muito minimante as suas necessidades”, avalia.


Essa mudança vem acontecendo nos últimos anos através dos programas sociais, que têm modificado a vida social e econômica no Brasil e, especialmente, na região nordeste. Assim, a pobreza extrema, considerada em suas várias dimensões – educação, trabalho, renda, saúde –, não apenas na baixa renda, caiu de 8,3% da população, em 2002, para o equivalente a 1,1% da população em 2013, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, com base em metodologia do Banco Mundial. É um avanço incontestável. Em pouco mais de dez anos, deixaram a situação de pobreza mais severa, sobretudo, as famílias com crianças, os negros e os nordestinos, parcelas da população que mais sofriam com as privações, segundo informações divulgadas no início do ano pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).


É inegável que a paisagem começou a mudar com programas de transferência de renda. Programas como o Bolsa Família, Prouni, Fies, Projovem, Pronatec, de Construção de Cisternas, de acesso a Atenção Básica a Saúde. Programas, na sua grande maioria, implantados ou ampliados nos últimos anos, principalmente durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).


Apesar disso, a menor submissão dos beneficiados pelos programas sociais tem sido alvo de crítica. “Quando eles (os mais pobres) vão se colocar no mercado hoje têm um poder de barganha melhor. Não topam trabalhar por qualquer preço, e isso, muitas vezes, é tomado por preguiça, vagabundagem, dependência dos recursos públicos. Agora ele pode barganhar minimamente em torno do valor do seu trabalho e cria-se a base mínima para a construção de um mercado de trabalho”, defende Veras.


Entre os programas de sucesso, estão o de construção de cisternas, uma solução simples para recolher água da chuva, utilizada para o alimento e para a agricultura, numa região onde os poços perfurados dão acesso a água salgada, imprestável para o consumo ou irrigação. No semiárido nordestino a construção de cisternas mudou o cenário. Em pouco mais de três anos, mais de 750 mil cisternas foram instaladas na região, garantindo o acesso à água a quem, por vezes, tinha de buscá-la a horas de distância de casa. Os dados são do Plano Brasil Sem Miséria, lançado em 2011. Com as cisternas, as famílias conseguem água para beber e para seguir com suas plantações. Muitas vezes as hortaliças, grãos e tubérculos cultivados incrementam a alimentação e ainda ajudam no orçamento familiar: são vendidos em programas do governo para suprir a merenda escolar ou nas feiras agroecológicas.


A grande maioria dessas pessoas que apareciam nas estatísticas da pobreza extrema do IBGE hoje fazem parte dos cerca de 14 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família e que, por meio da inscrição no Cadastro Único, tiveram acesso a uma vida melhor (confira História de Vida). Alguns já abriram mão do pagamento do programa de transferência de renda. O MDS afirma que 2,8 milhões de famílias já deixaram o Bolsa Família porque melhoraram de vida. Destes, mais de 1,5 milhão fizeram cursos de qualificação do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego).


Veras revela que especificamente no caso do Nordeste a diferença que os programas sociais proporcionaram nos últimos 12 anos pintam um quadro geral de melhora na vida. O estudioso aponta um dos fatores que comprovam essa melhora no Nordeste: a seca, que hoje acomete a região e que já dura cerca de cinco anos. “O quadro de seca do Nordeste sempre foi um cenário de retirantes, de saques, um cenário de miséria e caos. A gente não tem vivenciado isso nos últimos tempos”, pontua.


A fome deixou de ser uma presença na vida da população do semiárido graças não só ao Bolsa Família, mas também a outros programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), e o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que ajudaram a evitar a mortalidade infantil. O PAA compra alimentos produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação, e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial dos governos estaduais e municipais. Assim, o Pronaf e o PAA estimulam a agricultura familiar, que combatem a fome e, ao mesmo tempo, ajudam na melhora da renda das famílias mais pobres que possuem algum pedaço de terra.


Leonor Pacheco, pesquisadora e professora da UnB, que percorreu boa parte do Brasil entre 1977 e 1999, acompanhando principalmente crianças de zero a cinco anos de idade, lembra que, no final da década de 1980, a seca foi considerada um genocídio. “Famílias perdiam até três crianças”. Segundo ela, na última seca severa no Nordeste, em 2013, as mortes atingiram apenas o gado. “Não houve aumento da mortalidade infantil e nem temos mais notícias de morte por causa da seca”. Segundo a professora, a população em situação de insegurança viu a vida mudar não apenas por causa do benefício de transferência de renda, mas por um conjunto de políticas e programas implantados ao longo de pouco mais de uma década e por um período ininterrupto.

Histórias de vidas*

“Quando eu era pequeno, muitas vezes só tinha o beiju para levar para a escola. Eu comia antes de chegar lá, para não deixar que a criançada ‘mangasse’ de mim. Tinha medo dos outros, passava vergonha”. A informação é de Duval Pereira Lima, 65 anos, casado, pai de quatro filhos e morador há 60 anos de Pedra Branca, cidade pobre e seca do Vale do Piancó região do sertão paraibano. Duval foi agricultor toda a vida, como o pai e seus antecessores. Aposentou-se e montou uma pequena barbearia ao lado da praça da igreja, onde cobra R$ 1 ou R$ 2 pelo corte de cabelo.


Hoje todas as noites, os jovens se encontram na praça para aproveitar a rede Wi-Fi grátis e se conectar ao mundo, por meio da internet, a partir dos celulares. Pedra Branca, como centenas e centenas de municípios brasileiros, vive hoje uma nova realidade, impulsionada pela implantação de programas sociais do governo federal, integrados e articulados entre si.


Duval é taxativo: “O Bolsa Família é muito bom. Não é muito dinheiro, mas aqui ajuda muito o pessoal todo.” Ele acredita que todo mês o Bolsa Família injeta entre R$ 500 mil e R$ 600 mil no comércio da cidade. “Hoje ninguém vai mais embora daqui para procurar emprego”, reforça o barbeiro. “Aqui tem trabalho”. Brincalhão, ele recorreu a algumas “tecnologias” para agradar os clientes: um “ar condicionado” improvisado, com um ventilador apontado para uma bacia cheia de água, e o borrifador para molhar os cabelos e refrescar o corpo, tanto de quem está tendo o cabelo cortado como para o dele mesmo. Ele lembra a infância difícil, sofrida com a estiagem. “O primeiro sapato que eu botei no pé foi com 17 anos, emprestado de um vizinho”.

Duval, seu pai e seus oito irmãos muitas vezes trabalhavam em troca de milho ou feijão. Uma realidade parecida foi relatada por Ivan de Souza, 38 anos, enquanto o barbeiro o atendia. “Aos oito anos, eu já trabalhava na roça, com meu pai. Três dias na nossa roça e três dias ‘alugados’. A gente cuidava do algodão dos donos de terra. Eles nos pagavam em milho. Nossa comida era milho com leite e pão com leite”. Sua família tem outra vida. Ele planta e trabalha numa oficina de motos e bicicletas. A família é beneficiária do Bolsa Família. Ivan faz questão de que os três filhos, de 15, 11 e 8 anos, estudem.

“Meu menino nunca precisou pegar numa enxada”. O Bolsa Família também ajudou muito a família de Cícero e Maria Ledriana Silva. Agricultores, eles recebem o benefício há nove anos: os atuais R$ 119 complementam a renda da família. “O dinheiro sempre ajudou muito. Um pouco para a feira, para comprar um chinelo, uma roupa, um remédio às vezes, um livro que precisa para escola ou até para tirar xerox”, conta Ledriana. Há um ano, o casal montou uma horta no meio do sertão, que recebe água de um poço perfurado por eles. Começaram produzindo cebolinha, que hoje vendem para a prefeitura: R$ 60 por mês.

“Vamos começar a vender para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) também. Já tivemos a reunião na prefeitura”, contou sorridente Ledriana, prevendo um ganho de mais de R$ 500 por mês. “Estamos ampliando”, destacou Cícero. O produtor explica que aprendeu muita coisa com o pai. “Ele sempre trabalhou pros outros e me levava junto. Por isso, não estudei”, conta. O filho mais velho, diz com orgulho, acaba de entrar no curso de Administração da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa. “Passou, entre os colegas de escola, em 1º lugar no Enem”, comemora.

* História de vida retirada conforme autorização da Revista O Brasil Mudou, publicada pelo MDS em janeiro de 2015

O FIM DA MISÉRIA:

AÇÕES QUE VÊM MUDANDO
O PERFIL DA REGIÃO

Os programas sociais implementados pelo Governo Federal provocaram uma espécie de revolução no Nordeste brasileiro, principalmente na região semiárido. Famílias inteiras não só saíram da miséria como também já enveredam como produtores rurais, alimentando a cadeia produtiva das cidades. A reboque, os filhos desses primeiro beneficiados, têm acesso a educação e oportunidades a mais condições de trabalho e renda

MELHORIAS proporcionadas pelos

PROGRAMAS SOCIAIS

• 301,6 mil (2011 a junho/2014)
operações de aquisição de alimentos feitas por famílias do Bolsa Família
• 4 milhões toneladas de produtos adquiridos da agricultura familiar
• 388 mil de agricultores comercializaram para o PAA
• 354 mil famílias
brasileiras participam do Programa
de Fomento às Atividades Rurais.
Por meio da ação, os agricultores
familiares em situação de extrema
pobreza espalhados pelo país recebem assistência técnica e extensão rural, além de R$ 2,4 mil – em três parcelas – para investir em projetos produtivos

Mulheres beneficiárias do Bolsa Família têm menos filhos

Ao contrário do que é insinuado por alguns críticos, mulheres beneficiárias do Bolsa Família tem menos filhos. Dados dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2000 e 2010 apontam que o grupo de mulheres mais pobres apresentou queda de 30% no número médio de filhos, acima, portanto da média nacional, de 20,2% . As maiores reduções ocorreram nas regiões Nordeste (-23,4%) e Norte (-21,8), que são as localidades que mais recebem a transferência de renda

A permanência na escola

• Estudantes de 6 a 15 anos de idade precisam assistir a pelo menos 85% das aulas e adolescentes de 16 e 17 anos, 75%. Quase 17 milhões de alunos beneficiários têm sua frequência escolar monitorada todos os meses pelo governo.
• Os alunos do Bolsa Família estão presentes em 80% das escolas públicas de educação básica, o que representa aproximadamente 160 mil escolas e abrange cerca de 30% das matrículas.
• O Censo Escolar de 2013 mostrou crescimento de 139% no número de estudantes matriculados em tempo integral: de 1,3 milhão em 2010 para 3,1 milhões em 2013

Sem fome

Prevalência de baixa estatura (%) em crianças de cinco anos do Bolsa Família caiu de 16,8% em 2008 para 14,5% em 2012. Só em 2011, 9,1 milhões de crianças de seis a 59 meses tiveram suplementação com megadoses de vitamina A. Outras 402 mil receberam 1,2 milhão de frascos de sulfato ferroso nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), em 1.595 municípios brasileiros

Ações para a saúde

Desde o início do Brasil Sem Miséria, em 2011, o aumento da cobertura das equipes de Saúde da Família nos municípios prioritários beneficiou mais de 4,8 milhões de pessoas

Mais água

Cisternas 2003 a 2014 – 1 milhão de litros de água armazenados no Semiárido, 17 bilhões de cisternas para consumo entregue

Agricultura Familiar

• Parte da produção da agricultura familiar reforçou a merenda oferecida nas escolas públicas do país a 43 milhões de crianças e jovens todos os dias.
• Agricultores familiares pobres contaram com assistência técnica e acesso a crédito.
• Em pouco mais de dez anos, 15,6 milhões de pessoas deixaram a condição de subalimentadas.
• A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), tirou o país em 2014 do Mapa da Fome.
• 89% foi a redução da extrema pobreza na faixa etária de 0 a 15 anos entre 2003 e 2014
• 301,6 mil (2011 a junho/2014) operações feitas por famílias do Cadastro Único no Programa de Aquisição de Alimentos.

 

Profissionalização

• Mais de 1,5 milhão de matrículas em cursos de qualificação profissional.
• Entre os beneficiários do Bolsa Família, mais de 400 mil tornaram-se microempreendedores individuais e contaram com crédito a juros mais baixos para produzir.
• Em 2011, o Pronatec para o público do Brasil Sem Miséria, com mais de 620 cursos orientados à população inscrita no Cadastro Único, registrou mais de 1,5 milhão de matrículas, de Norte a Sul do país


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