BRASIL

Entrevista com o Raimundos: “Se não reclamarem, estamos fazendo errado”

A banda “O Raimundos” se apresentou em João Pessoa (PB), no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, onde teve a maior presença de público nordestino até o momento. Antes do show, banda fez uma coletiva de imprensa e respondeu algumas perguntas sobre sua carreira, sua ligação com o nordeste e sobre política. A Revista NORDESTE esteve presente e participou da entrevista.

A banda se apresenta nesta sexta (29/04) e no sábado (30/04) no Rio Grande do Sul, em Frederico Westphalen e Porto Alegre, respectivamente.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

A música do Raimundos é cheia de referências regionais. Qual é a relação de vocês com a música nordestina?

Digão: Eu particularmente sou filho de nordestino. Meu pai e minha mãe são piauenses a minha infância inteira foi viajando de Teresina para Brasília e de Brasília para Teresina escutando forró, e eu gostava quando meu pai botava as músicas do Zenilton. É a parte que eu mais gostava. Ele escutava ali o Gonzagão, umas coisas, eu ficava meio assim, mas quando ele botava os forrós sacanas eu me amarrava. Eu achava massa. E aí na volta eu dizia, agora vou escutar Ramones. Aí rolava uma troca. Vem daí essa mistura. O Canisso também tem, o Canisso é de todo lugar, você tem também…

Canisso: Parente nordestino?

Digão: É.

Canisso: Not a single soul.

Digão: Tem.

Canisso: Não.

Digão: Ué, todo lugar que a gente ia tinha um primo.

Canisso: Não, tem um primo meu que se mudou para cá, para Maceió…

Caio: E neguinho fica antenado também nas coisas. Por exemplo “muscular”. Tinha a mãe de um amigo meu, não sei qual estado exatamente, mas ela é nordestina e ela falava isso, “ó, meu filho foi muscular”, quer dizer, foi para a academia. O pessoal fala isso. Então aí você fica antenado.

Digão: São palavras que a gente tem que estar sempre guardando, sempre que a gente ouve, escuta uma palavra dessa, neguinho vai lá e anota. É meio Renato Russo, a gente fica guardando.

Canisso: Você sabe o que é arretado? (para o Caio)

Caio: É, sim.

Canisso: o que é?

Caio: Para mim, na minha cabeça tem vários significados. Pode ser bravo, nervoso…

Canisso: É bravo, é bravo.

Caio: …mas arretado também de esperto. “ó, arretado. Esse cara é arretado”.

Vocês falaram ontem, no show de Recife, que Recife é a cidade mais ‘rock n’ roll’ do nordeste…

Digão: Na história, é. Se você for pensar em Chico (Science), em Jorge Cabeleira, no Devotos…

…mas vocês têm uma relação especial com João Pessoa, com o hit ‘Puteiro em João Pessoa’… gostaria de saber de onde vêm essa inspiração e qual a relação de vocês com João Pessoa.

Digão: Ué? Foi a inauguração do Rodolfo, a primeira vez que ele deu uma ‘bimbada’, junto com aquele caboclo alí, o Berssange – que é o primo safado que levou o Rodolfo. Então essa é a ligação, e é uma história totalmente verídica, todos os fatos ali realmente aconteceram. O Rodolfo soube contar muito bem fatos reais, em uma cronologia muito interessante…

Berssange: Só a adjetivação que não tem muita…

Digão: Na adjetivação é que ele deu uma zoada (Risos).

Você (à Digão) falou que escutava forró na sua infância. O nordeste tem muito essa identificação de forró, de axé, música mais carnavalesca. Mas também tem uma galera aqui que curte muito rock. Como é, em geral, a recepção do público ao vocês tocarem no nordeste?

Canisso: A gente é forró demais para o rock n’ roll e rock n’ roll demais para o forró. Então fica meio estranho. Pra você ter uma ideia , a capital que a gente mais demorou para tocar, foi justamente João Pessoa. Então eu ficava na paranoia de que a galera de João Pessoa não tinha gostado da homenagem, sacou?

Caio: Cara, mas o nordeste sempre fica pedindo show do Raimundos. Muita gente fica mandando mensagem. E é difícil vir pro nordeste. Mas quando tem, é bom pra caramba.

Digão: Só que não dá pra vir de caminhão com o nosso equipamento. É como se a gente estivesse indo tocar no exterior. As vezes é até mais caro tocar no nordeste que tocar no exterior.

Canisso: E mesmo na época áurea do Raimundos a gente tinha dificuldade. A gente fazia por uma questão de querer fazer mesmo, de encontrar os fãs nos lugares mais longínquos.

Digão: Mas a galera aqui, cara, é fã mesmo. Porque demora para as bandas virem aqui. É massa porque a galera ‘dá o sangue’ mesmo. Ontem, a roda que estava rolando em Recife, fazia tempo que não via uma roda tão ávida. E todas as canções, inclusive as novas, estavam na ponta da língua da galera. Então, muito massa.

Canisso: Os shows aqui em geral são muito bons. Acho que pelo fato da gente não vir sempre…

Digão: E o legal é que é a primeira vez com essa formação – e já estamos com dez anos – e todo mundo já sabe quem é o Caio, que é o mais novo. Todo mundo já conhece essa cara, vê o Raimundos com essa cara. Vai ser massa, vai ser uma experiência boa. Eu estou curiosíssimo também.

Vocês lançaram o Cantigas de Roda doze anos depois do Kavookavala. Se eu não me engano teve só o Jaws no meio, aquele single. E aquele trabalho com o Ultraje, que não foi de inéditas. É diferente vocês fazerem rock n’ roll, principalmente no estilo que vocês fazem, hoje em dia e quando vocês começaram? Tem algum patrulhamento em relação às letras? O pessoal bate muito em cima?

Digão: Cara, hoje o Facebook é um saco. Você não pode falar uma coisinha diferente que neguinho vem pra cima de você. Mas, no Raimundos, eu acho que se não falarem mal de algumas coisas, é porque a gente está fazendo a coisa errada.

Canisso: Mas tem um amadurecimento natural também, né?

Digão: Reclamaram de Gordelícia. Foi bom. Porque na nossa reclamavam pra caramba também. Mas é diferente. Hoje as pessoas se falam mais, todo mundo está interligado.

Caio: O que a gente tenta se preocupar um pouquinho é não deixar uma coisa muito gratuita, muito ostensiva. Tem que ter um lance engraçado.

Caio: Vieram com ideia da gente usar uma música chamada ‘Bucetolândia’. A gente achou muito agressivo.

Digão: É, O Raimundos não precisa disso.

Caio: A gente quer colocar um palavrão que fique engraçado, que fique uma coisa tão pesada. Até porque a gente sabe que tem muito adolescente escutando, muita menina.

Canisso: Não é pra enrubescer, é pra arrepiar os cabelinhos do pescoço.

Teve o financiamento coletivo para o disco e a própria turnê foi votada. Qual a relevância da internet para o Raimundos?

Digão: O mundo mudou muito desde nossa época nos anos 90, então nossa relação com os fãs, hoje, é muito direta. Antigamente, não, era mais difícil. Hoje a gente tem a nossa página, cada um tem sua rede social, a gente conversa e discute até com fã.

Caio: Quando vai defender o TT (PT).

Digão: Tanto politicamente, quanto musicalmente, enfim, a gente está ali, acessível às pessoas. A gente não faz um estilo separado, eu nunca fui assim. Na época mais áurea do Raimundos eu sempre gostei de andar na rua, sempre saí, sempre conversei com todo mundo de boa; sempre mantive meus pés no chão. E hoje com a internet, até a forma de trabalhar é muito pela rede social. Hoje a gente tem um facebook interessante, estamos com 1,2 milhão de pessoas. Tá bom, não tá ruim. E nosso trabalho é corpo à corpo. E não temos muitas rádios. Rádios de rock hoje, no Brasil, você conta na palma da mão. Enquanto você vai ver rádio que toca pop, forró ou sertanejo, tem milhões tocando a mesma coisa. Então pra gente não é fácil, mas a gente tá sobrevivendo muito bem, porque a gente faz com muita verdade e a gente faz com vontade, porque a gente gosta.

Vocês acompanham a política? O que vocês estão achando desse momento político no país?

Digão: Fogo na Babilônia. Pode Escrever. Fogo na Babilônia.

Só pegando esse gancho: vocês debatem muito isso na banda? Isso inspira vocês de alguma maneira também?

Digão: Temos opiniões divergentes…

Caio: Nem tanto assim. Mas a gente conversa muito.

Digão: Eu entendo o lado de um e entendo o lado do outro. Mas o problema é o seguinte: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Essa é a grande verdade e não tem ninguém fora da política que vai entrar ali, peitar e tomar e mexer e ‘e aê’. Não tem. Vai fazer o quê? Vou ficar parado esperando a Dilma foder o Brasil e depois vir o Lula como salvador? Com aquela política populista dele que vai afundar mais ainda o país, mais do que já afundou?

Caio: O Digão falou uma coisa muito boa agora, que é: a gente quer ver o esquema mesmo. Os políticos é que tem que estar brigando um com o outro. Entendeu?

Digão: Mostrando a cara um do outro, um puxando a máscara do outro e aparecendo aquela cara feia.

Caio: Não é o povo que tem que brigar, não é coxinha vs. mortadela, são eles que tem que brigar.

Digão: Tanto que o povo tá desunido. O povo acredita muito nessa onda do PT e tem um povo que acredita que o Temer vai ser a salvação, e a gente aqui sabe que não é nem um e nem outro. A gente sabe que precisa moralizar, mudar leis, fazer uma reforma política. A luta vai ser enorme, mas se não começar e aí, vai fazer o quê? Já comecei minha campanha, já.

Caio: Eu só queria que o povo que defende hoje o PT fosse atrás do Cunha, do Temer…

Só mais um parênteses: dentro dessa crise que está acontecendo no Brasil, isso afetou em alguma coisa o mercado da música?

Digão: Já tá afetando a muito tempo, já. Essa geração aí, as pessoas perderam aquele amor que tinham pela música, aquela coisa de ter o disco. Inclusive para nós que temos banda, é até obrigatório para nós fazer um disco inteiro. Mas você vê os artistas novos, essa geraçãozinha, eles não têm discos. O MC Guimê, ele não tem um disco inteiro próprio. Ele só lança uma música por vez. Aí lança no streaming, aí faz uma participação com um e pronto. Então mudou muito a relação do jovem com a música. Hoje, ele só bota aquela música que está fazendo sucessinho no rádio no celular dele e pronto. E agora nem bota mais: vai lá no Spotiy e deixa tocando, enfim. Então a relação mudou. E nós, que somos da velha guarda, a gente vive esse conflito entre esses dois mundos. Que é o antigo, de fazer um disco inteiro, contando uma história… eu comprei agora o livro do Ramones e estou escutando os discos e, cara, é muito bom escutar na ordem. É uma coisa que as pessoas não podiam perder. Mas isso está se perdendo por quê? Porque é a evolução, e não vai acabar.

Você falou que o rock fazia muito sucesso nos anos 90, aqui no Brasil. E atualmente não tem uma galera nova aparecendo. Mas eu queria saber se vocês acompanham, se tem algum pessoal novo que está chegando, que está fazendo rock que vocês indicariam.

Digão: Olha, tem uma galera sim, mas ela não está em uma grande massa pop, mas se você vai no Rock in Rio no dia do metal, é um dos dias mais cheios. Tem um underground rolando… mas é aquela coisa de filtrar, tem que filtrar muito hoje. Porque o Youtube joga muita informação e acaba jogando muita coisa diluída, então pra você achar coisa boa ali dentro é um pouco complicado.


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