BRASIL

“Estatuto do Desarmamento tem de ser reforçado, não derrubado”, diz PM

Enquanto a Frente Parlamentar de Segurança Pública, a conhecida Bancada da Bala, se mobiliza para derrubar o estatuto que proíbe o porte de armas a cidadãos brasileiros, um subtenente da Polícia Militar de Minas Gerais tem tomado o caminho contrário de seus colegas e feito campanha para que a lei seja ampliada.

Integrante da PM desde o início da década de 1980, o deputado federal Luiz Gonzaga Ribeiro (PMDB-MG) – conhecido como Subtenente Gonzaga – tem sido a única voz dissonante entre profissionais de Segurança Pública com cargos legislativos dentro da comissão que briga para derrubar o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003 e responsável por vetar de forma generalizada o porte desde então, com uma série de campanhas contra o seu uso.

"O estatuto tem de ser reforçado, não derrubado, como têm proposto meus colegas", diz ao iG Gonzaga (PDT-MG). "Defendo que o porte deva ser mantido nos moldes atuais, apenas para profissionais de segurança ou aos que atuam no combate ao crime. Outras categorias não precisam andar armadas. Nós, que defendemos a lei atual, temos trabalhado na comissão com uma dificuldade do ponto de vista de votos, mas com convicção de que nossa bandeira é a melhor para a sociedade."

Com previsão para ser votado nesta quinta-feira (17), o texto tem conteúdo semelhante ao do projeto de lei de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), discutido desde o ano passado. No entanto, ele apresenta alterações propostas pelo relator, Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que, apesar de discursadas por defensores como positivas para a segurança pública, são analisadas como mais negativas do que as anteriores por grupos contrários à revogação.

Se, por exemplo, Carvalho alterou o número de munições permitidas àqueles com posse no texto original – de 50 por mês para 50 por ano –, ao mesmo tempo, ele diminuiu a idade mínima para autorizar o registro, de 25 para 21 anos. Além disso, o projeto abre o leque de categorias que podem ter porte de arma – estendendo-o para agentes de trânsito, advogados, oficiais de justiça, entre outros – e cria brechas a profissionais, como taxistas e caminhoneiros, de levarem armas em seus veículos por serem seus locais de trabalho.

"Foram tiradas algumas bizarrices do texto anterior, como aquelas nove armas permitidas ou as 600 munições por ano, que eram pontos indefensáveis. Mas foram piorados muitos outros pontos", analisa Bruno Langeani, coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz. "Liberar a posse para taxistas, por exemplo, vai abrir margem para que esses profissionais guardem suas armas nos carros – facilitando a obtenção delas por criminosos. Além disso, o trânsito já é violento, os carros já matam muito. Por que aumentar essa letalidade inserindo armas nas ruas?"

De acordo com o Mapa da Violência 2015, divulgado no primeiro semestre, o Estatuto do Desarmamento ajudou a poupar 160 mil vidas em pouco mais de uma década no País. Fatos cotidianos na década de 1990, como mortes por armas de fogo em brigas de bar e de trânsito, praticamente deixaram de ser notícia nas grandes cidades.

"O índice de violência que temos hoje aponta para crimes praticados por bandidos. Antes, a sociedade, por estar armada, acabava vendo mortes desnecessárias, como brigas familiares, brigas em botecos", aponta Gonzaga. "A arma fascina muita gente. Existe, de fato, paixão entre alguns em relação a elas. Mas só tem sucesso com arma quem age, não quem reage. A própria polícia age dessa forma, ostensivamente. Infelizmente, a comissão tem refletido a sensação geral de insegurança da sociedade, que é de reagir devido à ausência de eficiência do Estado em protegê-la."

"Estamos dificultando o processo"
Mesmo com os esforços de ONGs e autoridades de Segurança Pública para impedir o projeto de lei de ir em frente, deputados de ambos os lados acham difícil que o texto não seja aprovado na Comissão Especial – o que, se ocorrer, leva o caso para votação de todos os parlamentares, ainda sem previsão de ser realizada, antes de levar o projeto para sanção.

As discussões nos últimos meses apontam para esse resultado. Dos 51 deputados da comissão – incluindo titulares e suplentes –, 12 foram financiados por empresas ligadas à indústria armamentista nas eleições de 2010 ou 2014, um total de mais de R$ 1 milhão recebidos.

Além disso, mesmo entre aqueles que não receberam financiamento, boa parte dos parlamentares discursa frequentemente em defesa da liberação do porte como uma das prioridades de suas legislaturas. Muitos deles, da oposição, apoiam grupos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, defensores da revogação do estatuto no País.

Segundo o Sou da Paz, 22 dos 51 deputados da comissão são abertamente favoráveis ao projeto de lei. Do outro lado, apenas 11 são contrários – o restante ainda não revelou abertamente o seu voto. Um dos defensores do PL é, naturalmente, o deputado Laudívio Carvalho, relator do PL e autor do texto criticado por organizações contrárias ao armamento da população.

"Taxistas e caminhoneiros terem armas em seus veículos é algo que já é previsto na lei atual, que coloca esses veículos como locais de trabalho", ameniza o parlamentar. Ele defende o projeto afirmando que seu texto dificultará ainda mais a liberação de porte, pois prevê acabar com a norma que dá a delegados da Polícia Federal o dever de concedê-lo ou não – o princípio da discricionariedade –, passando a aplicar mais testes para liberá-lo, nos moldes do que hoje é feito para a retirada da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

"Não estamos dando porte de arma para ninguém. Na verdade, estamos dificultamos o processo", brada Carvalho. "A partir de agora, teremos psicotécnico, dez horas-aula teóricas e práticas. Sempre fui favorável a que o cidadão tenha direito à legítima defesa […] Eu tenho porte de arma. Sempre tive programa policial no rádio, trabalhei em Secretária de Segurança Pública e sofri muitas ameaças. Prefiro ter essa segurança comigo no dia a dia e quero dar esse direito ao cidadão de bem."

Curiosamente, o fim do princípio da discricionariedade é o único ponto em que deputados dos dois lados da discussão concordam. De acordo com políticos e especialistas consultados pelo iG nos últimos meses, a norma tem tornado praticamente impossível ao cidadão conseguir a posse de arma – entregue por meio de interpretações de delegados da Polícia Federal em Brasília inferidas a partir do pedido da pessoa interessada.

Assim, a proposta é que o atual estatuto passe a ser mais objetivo em relação à escolha de quem poderá ter posse ou não, algo parecido com o que ministros do Supremo Tribunal Federal propõem em relação à Lei de Drogas, de estipular quantidades específicas para diferenciar usuários de traficantes, a fim de impedir a prisão de não criminosos.

"É preciso tirar do Estado esse poder, porque ele é totalmente subjetivo. Não podemos ter pessoas com armas nas ruas, mas se o sujeito se sente mais seguro com ela em casa e preenche os requisitos necessários para obtê-la, como passar nos testes psicotécnicos, práticos e não ter antecedentes criminais, como prevê o estatuto, ele deve poder consegui-la", analisa Gonzaga.

"Acho que não é nem tanto o céu quanto a terra: se a Legislação fere o direito da propriedade, ela também tem de obedecer o fim social, de melhorarmos nossa segurança. Simplesmente não podemos colocar arma na mão de todo mundo, mas o Estado também não pode ser tutor do cidadão. Se a pessoa respeitar as regras, tem direito ao registro. Só não poderá levar a arma para fora de sua casa."

IG 


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