BRASIL

FIOCRUZ quer novos testes para diagnósticos de microcefalia ligada ao zika

Mulher trabalha em kit de diagnóstico do zika; governo brasileiro desenvolve exame mais preciso e que pode revelar número maior de casos de microcefalia relacionada ao vírus

Um exame desenvolvido pelo Brasil e que deve ser distribuído na rede pública de saúde até o fim do ano pode revelar um número maior de casos de microcefalia ligada ao zika, diz Wilson Savino, diretor do Instituto Oswaldo Cruz e integrante do gabinete de emergência formado pela instituição para enfrentar a epidemia.

Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia e com mais de 30 anos de experiência na área, o imunologista carioca está à frente do Oswaldo Cruz, vinculado ao Ministério da Saúde, desde 2013. Atualmente ajuda a coordenar os esforços nacionais de combate à epidemia de zika, dengue e chikungunya.

Ele explica que o exame molecular, único disponível no momento para o diagnóstico de zika no país, identifica a presença do vírus na corrente sanguínea, o que dificulta a precisão, pois o zika surge e desaparece do sangue em poucos dias.

Já o exame sorológico, que deve ficar pronto no início do segundo semestre e que poderia chegar à rede pública até o final do ano, não busca o vírus, e sim os anticorpos que o organismo produz contra ele, que podem ser detectados muitos meses após a infecção.

"Por conta disso, grande parte dos testes em mulheres com sintomas de zika que tiveram crianças com microcefalia não levou à detecção do vírus, mas isso não quer dizer que não tenham sido infectadas. Em alguns casos não se está identificando o vírus em mães de bebês com suspeita de microcefalia somente porque ainda não temos o exame sorológico. É algo muito importante", diz.

Embora Savino ressalte que os cientistas ainda não possuem comprovação da relação de causalidade entre o zika e a microcefalia, há muitos indícios apontando nesta direção.

"Uma vez que tenhamos o exame sorológico, acho muito plausível que haja aumento no número de casos de microcefalia ligados ao zika vírus. Acho que os números serão muito mais contundentes. Embora neste ano já tenha o dobro dos casos de microcefalia do ano passado, a ausência do exame sorológico ainda mantém a discrepância entre avaliação clínica e diagnóstico", afirma.

Em entrevista à BBC Brasil, Savino também comentou o alerta global emitido pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que passou a considerar a epidemia de zika vírus uma emergência de saúde pública mundial.

"Soar este alarme vai possibilitar decisões mais rápidas nos 20 países afetados, e torna mais evidente que o que está acontecendo no Brasil pode acontecer em qualquer país da região, além de mostrar que estávamos certos ao considerar a epidemia situação de emergência nacional já no ano passado", avalia.

Veja os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – Atualmente trabalha-se com exames moleculares que usam tecnologia importada e buscam detectar o vírus na corrente sanguínea, enquanto não está disponível no Brasil o exame sorológico. A Fiocruz desenvolveu uma versão nacional deste teste molecular. Como ele funciona e quando começa a ser distribuído: Savino – Um dos trabalhos incluídos nesta primeira fase de enfrentamento à epidemia, absolutamente necessário, é que o sistema de saúde brasileiro seja capaz de identificar a infecção pelo zika vírus. Para isso, a Fiocruz desenvolveu uma versão do teste molecular, chamada triviral, que permite identificar dengue, chikungunya e zika no mesmo exame. A intenção é que 50 mil kits deste teste estejam prontas para serem distribuídas daqui a dois meses, e a Fiocruz Paraná tem condições de produzir 500 mil por ano.

Esse vírus tem uma característica que dificulta o diagnóstico, por deixar de circular na corrente sanguínea muito rapidamente. E aí entra a importância da segunda maneira de detectá-lo, com o exame sorológico, que ao invés de buscar o agente infeccioso, detecta os anticorpos que o nosso organismo produz quando somos infectados. Neste momento não há testes sorológicos comerciais e a Fiocruz Paraná está desenvolvendo um teste desse tipo, que também é muito mais barato do que o molecular, e com ele saberemos se a pessoa foi infectada há 15 dias, três meses ou seis meses. Teremos muito mais precisão.

 

 

BBC Brasil – Uma das principais dificuldades da busca pelo exame sorológico tem sido a semelhança dos anticorpos que o organismo produz para dengue, chikungunya e zika. Em que estágio está a busca por esse teste? Qual é a previsão de distribuição do exame sorológico na rede pública de saúde?

 

Savino – Ele ainda está sendo desenvolvido, e uma das principais dificuldades é a similaridade dos anticorpos, sobretudo da dengue e do zika. Mas existem formas de testar simultaneamente se determinado anticorpo reconhece só zika, e você faz uma espécie de peneira e seleciona apenas estes.

A questão é que isso demora. Não é uma dificuldade especial, é trabalho comum, mas é uma questão de tempo. Não há nada, em princípio, que nos leve a pensar que seja impossível fazer isso. É questão de trabalhar com rigor científico e de maneira que ao final deste trabalho você tenha um produto que possa, efetivamente, ser útil. E isso leva tempo. A chance de não termos esse teste é quase nenhuma.

O prazo é que no final do primeiro semestre e início do segundo semestre possamos ter o teste sorológico pronto para ser produzido em larga escala, e que mais para o final do ano ele possa ser distribuído. Vai demorar um pouco, mas a ideia é que seja usado ainda neste ano. Claro que tudo pode correr bem, mas algumas coisas podem não correr tão bem, quando você desenvolve um produto. Por mais que a sociedade tenha pressa nestas respostas, não podemos nos precipitar.

BBC Brasil – Quais unidades da Fiocruz trabalham nesta busca pelo exame sorológico neste momento?

Savino – Do ponto de vista dos reagentes que vão compor o exame sorológico, é a Fiocruz do Paraná que trabalha nisso. Agora, para que a gente valide esses testes, é preciso ter soros de pessoas que foram infectadas, em grande escala. É preciso também ter o vírus produzido em grande escala. E aí a gente envolve outras unidades.

Aqui no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) e o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) estão começando a colher material de mulheres grávidas, com ou sem sintomas de zika, com ou sem suspeitas de microcefalia, para que a gente tenha o que se chama de um painel de amostras sabidamente infectadas por zika e outras sabidamente não infectadas. Assim podemos fazer os testes de validação.

 

 

 

BBC Brasil – Um laboratório alemão chamado Euroimmum diz já ter um exame sorológico para zika. Até que o teste brasileiro desenvolvido pela Fiocruz possa ser distribuído, não seria o caso de o governo federal comprar esse teste europeu que já poderia ser comercializado, segundo a empresa? Savino – O que a Fiocruz vem fazendo é testar a especificidade desses testes que existem no comércio e o que eu posso dizer é que até agora o diagnóstico que eles apresentam cruza com o de dengue, e não isola especificamente o zika, que é o que precisamos. Então por isso talvez seja melhor andar com mais calma, para não gastar dinheiro com algo e depois termos que gastar novamente.

BBC Brasil – Mas esse teste alemão diz ter identificado os anticorpos exatos do zika, por dois métodos: Elisa e imunoflorescência. Ele já foi testado pela Fiocruz?

Savino – Na verdade esse teste sorológico ainda não foi testado pela Fiocruz. Mas acho que, por outro lado, uma informação importante é que o CDC, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, por enquanto não sugere nenhum desses testes sorológicos que existem atualmente no mercado para comercialização. BBC Brasil – O senhor considera que a resposta do governo brasileiro está sendo adequada? Houve críticas a algumas declarações polêmicas do ministro da Saúde e há quem avalie que o governo poderia ter sido mais incisivo nos alertas às mulheres grávidas, em vez de apenas sinalizar que é um assunto a ser discutido entre a mulher e seu médico. Savino – Quando você vive uma crise que nunca houve na história da humanidade, é difícil avaliar este tipo de questionamento. Eu estou dramatizando, mas é verdade. Nunca houve epidemia de zika relacionada a tantos casos de microcefalia, então não temos conhecimento de base, há muito pouco conhecimento disponível, e a questão fundamental aqui é o processo. Do ponto de vista do processo, do que vem acontecendo e sendo feito desde o ano passado, eu acho que estamos dando uma boa resposta.

BBC Brasil – Um artigo da revista científica Nature levantou dúvidas sobre os números da epidemia no Brasil e disse que o fato de estarmos olhando os casos de microcefalia mais de perto pode ter gerado uma atenção maior e por isso haveria maior registro de casos. Como o senhor recebeu esta análise? Savino – A primeira coisa é a pertinência da análise, e a análise é bastante pertinente. Quando você quer investigar algo, você olha com mais atenção para aquilo, é claro. Mas mesmo peneirando uma peneira fina, na associação de casos confirmados de microcefalia, nós já temos o dobro de 2014.

Outro ponto é que, apesar de ainda não termos evidência científica, muito provavelmente temos a ligação entre o zika vírus e os casos de microcefalia. Não há dúvida de que os números precisam ser revistos, mas o fato é que a quantidade de indivíduos com confirmação de microcefalia e sintomas clínicos de zika também aumentou.

Apenas no IFF, aqui no Rio já temos 12 casos com esta relação, o que é mais do que o dobro do registrado no ano passado inteiro. Se não forem os 4.180 casos suspeitos de microcefalia, que sejam 300. De qualquer forma é maior do que a série histórica. É algo de novo que está acontecendo, e que precisamos entender.


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