NORDESTE

Francilene Garcia revela preocupação com redução de investimentos em C&T e analisa cenário de TIC e Parque Tecnológico em João Pessoa

Por Walter Santos

A professora doutora Francilene Procópio Garcia, ex-secretária executiva de Ciência e Tecnologia da Paraíba, uma das mais experientes consultoras do mundo tecnológico, anda muito preocupada com a escalada de forte redução dos investimentos na Ciência e Tecnologia do Brasil nos últimos tempos.

Em entrevista exclusiva, ela faz uma análise profunda da área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no país e Nordeste, bem como comenta sobre a implantação do Parque Tecnológico “Horizontes da Inovação” no Centro Histórico de João Pessoa.

“É preciso que os dirigentes, em especial representantes de governos, promovam um amplo diálogo e pactuem uma proposta de valor para o Parque – com um olhar nas competências e locais – capital intangível do empreendimento – e um outro olhar nas missões a serem desenvolvidas – os ativos do empreendimento”, comenta.

Leia, a seguir, a entrevista na integra:

WSCOM – qual sua leitura da realidade da Ciência e Tecnologia na Paraíba/Nordeste diante da pandemia?

FRANCILENE GARCIA – A trajetória de descaso com as políticas públicas e investimentos em prol da Ciência e Tecnologia no país é decisiva para essa reflexão. Enquanto outras nações reforçam o papel da pesquisa e da inovação no apoio à recuperação da crise da pandemia de Covid-19, somos surpreendidos com decisões que seguem levando o país para um futuro com retrocessos em vários setores. Ao se contrapor às estratégias de desenvolvimento das principais economias, o Brasil segue ampliando as imensas desigualdades, consolida-se como um país atrasado tecnologicamente e cada vez mais dependente em áreas estratégicas, distanciando-se de se tornar uma economia sustentável e inclusiva. Investir em pesquisa e inovação é essencial para estratégias de crescimento que promovam maior resiliência dos setores produtivos, aumento da competitividade da economia e a transformação dos sistemas socioeconômicos.

WSCOM – Como assim?

FRANCILENE GARCIA – Este cenário de estrangulamento do fomento à ciência atinge todos os Estados e Regiões, repercutindo de forma ainda mais contundente em regiões mais dependentes da alavancagem de iniciativas financiadas com recursos públicos – aqui se encontra a Paraíba e demais Estados da Região Nordeste. Estamos num momento crítico, é preciso que os Governos façam suas escolhas com um olhar para o futuro, investir em ciência e tecnologia é uma boa aposta econômica, a despeito de gerar retorno e impacto transformador num prazo mais longo. O Projeto Genoma Humano, por exemplo, uma boa aposta dos anos 1990, segundo estudos realizados, gerou um retorno de US$141 para cada dólar investido – traduzidos em novos medicamentos, produtos, serviços e empregos. Os investimentos em pesquisa na Embrapa, outra aposta acertada, permitiu uma nova realidade para o país, amplamente traduzida na maior competitividade de nossa agropecuária. Até os anos 1980, o consumidor típico brasileiro só tinha acesso a uva uma vez por ano – no Natal. Hoje temos variedades de uva, adaptadas para as diversas regiões do país e diferentes períodos de colheita – o Vale do São Francisco é responsável por 99% das uvas exportadas, no semiárido de Pernambuco. A Embrapa, uma ICT de quase meio século de existência, liderou pesquisas que contribuíram para reduzir o custo dos alimentos no Brasil – reduzindo o custo da cesta básica.

WSCOM – Que caminhos construir?

FRANCILENE GARCIA – Num cenário desafiador como o atual, investir em projetos estruturadores com alto impacto regional, poderá ser “a melhor aposta” para, no médio prazo, posicionar e diferenciar o desenvolvimento de Estados e Regiões – a exemplo do que se encontra delineado no Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE), sob a responsabilidade da SUDENE, que traz como ideia força a inovação. O PRDNE, legitimado com os Governos Estaduais, olha para o futuro, antecipa a necessidade de intervenções e investimentos com base na compreensão da atual realidade e das transformações desejáveis para a região. A maioria dos governantes e dos agentes políticos brasileiros não tem ânimo para olhar o longo prazo, especialmente em momentos de crise – este é o nosso maior desafio. É preciso que os governos, organizações, empresas e a sociedade dialoguem e façam escolhas em prol de um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo no longo prazo.

WSCOM – na sua opinião, qual o papel das instituições de pesquisa para minorar tantos problemas sanitários?

FRANCILENE GARCIA – O enfrentamento da pandemia de Covid-19 nos mostrou o quanto são importantes a prevenção e o investimento contínuo em estudos epidemiológicos e sanitários. Da mesma forma, percebemos os erros da estratégia adotada pelo complexo industrial de saúde instalado no país, altamente impactado pelos baixos investimentos recentes em P&D junto ao setor de equipamento e dispositivos médicos. Precisamos, portanto, mobilizar um esforço conjunto e coordenado entre os diferentes atores para lidar com os cenários de restrição, como o atual, na luta pela vida. Neste sentido, as ICTs terão um papel fundamental no desenvolvimento de pesquisas científicas, conduzindo agendas diversificadas, com investimentos e incentivos em colaboração com empresas, que devem incluir temáticas como a produção e o consumo de alimentos, a distribuição de água, a produção e comercialização de medicamentos, produtos de limpeza e higiene, a oferta de serviços que lidam com sangue, células e tecidos, dentre outros.

WSCOM – Quais efeitos do Marco Legal?

FRANCILENE GARCIA – Espera-se que as instituições comecem a usufruir do Marco Legal de CT&I, com ênfase na ampliação dos investimentos em prol da saúde, a exemplo do instrumento que regula compras públicas estratégicas baseadas em ‘encomendas tecnológicas’ para o desenvolvimento de pesquisa e produtos com risco tecnológico. O contrato de encomenda tecnológica para aquisição e produção de vacina no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), parceria entre a Fiocruz / Universidade de Oxford / Astrazeneca, inclui todos os passos para a nacionalização completa do processo. Os investimentos a serem realizados em Bio-Manguinhos ampliam as suas instalações, incluindo equipamentos necessários para produzir o princípio ativo da vacina no país. Precisamos manter uma agenda de investimentos, incluindo a formação de pesquisadores e melhorias em nossa infraestrutura para pesquisa.

As ICTs poderão também contribuir para integrar o Brasil junto às alianças globais de conhecimento nas áreas estratégicas – com especial atenção aos riscos de novas pandemias.

WSCOM – como a Sra. projeta o ano de 2021 dentro da expectativa dos setores de TI paraibano?

FRANCILENE GARCIA – Apesar de 2020 ter sido caótico para a maioria das empresas, a aceleração dos investimentos em transformação digital provocada pela pandemia de Covid-19 manteve o setor de TI aquecido, fechando o ano com uma taxa de crescimento positiva – próxima aos 10%, segundo estimativas. Como os demais setores, as empresas de TI tiveram de lidar com alguns desafios e adaptar os seus processos às restrições impostas pela crise sanitária, a exemplo do trabalho remoto, recrutamento de novos profissionais – lidamos com um “apagão de profissionais de TI”.

WSCOM – Que velocidade adotar diante das incertezas?

FRANCILENE GARCIA – Mesmo com este cenário de crescimento, que deve se manter em 2021, as empresas de TI terão de seguir com cautela – temos um ano com oportunidades e desafios à frente. Certamente, olhando pelo retrovisor, podemos dizer que 2020 foi um importante divisor de águas para os investimentos em TI.

WSCOM – E no caso paraibano?

FRANCILENE GARCIA – As empresas de TI instaladas na Paraíba terão a oportunidade de rever seus processos de recrutamento de forma a atrair e reter talentos de forma mais competitiva, sejam eles formados em nossas universidades ou fora, além de gerenciá-los em ambiente remoto. As empresas terão de rever e flexibilizar os benefícios em dinheiro para que o colaborador possa investir em cursos e equipamentos que necessitar. Este será um diferencial importante para crescer.

WSCOM – E o que projetar para Startups?

FRANCILENE GARCIA – Para as startups, empresas ainda em crescimento, a contratação de novos colaboradores poderá ser pela via da aquisição de ações da empresa (stock option), por exemplo. Investir em novas frentes, a exemplo de tecnologias baseadas em Inteligência Artificial deverá ser considerado – em função do crescimento de soluções demandadas por setores em alta: implantação de soluções digitais no varejo, meios de pagamento, marketplace, logística, plataformas para consultorias e serviços em geral, além de tudo o que for “tech” como health tech, fintech, insurance tech, edtech, agrotech.

WSCOM – concretamente, com base em seus dados, por que a Paraiba não dispõe de RaioX real do setor de TI, mesmo sendo forte?

FRANCILENE GARCIA – A Paraíba já realizou levantamentos sobre o setor de TI, o último deve ter sido a mais de 15 anos atrás, ocasião em que contávamos com um Consorcio de Empresas voltadas para a abertura de novos mercados para software e tecnologia. O SEBRAE, a APEX e a SOFTEX foram parcerias nesses levantamentos. Desde então, tivemos muitas mudanças nos cenários local e nacional, precisamos retomar estes diagnósticos, com o apoio das associações e do Governo. Um Raio X atual sobre o setor será importante para avançarmos em políticas públicas de interesse, inclusive na modelagem de novos ambientes de inovação no Estado.

WSCOM – Campina inserida entre as Cidades Inteligentes qual o saldo para o segmento e população?

FRANCILENE GARCIA – É importante que Campina Grande tenha sido escolhida para investimentos do Programa de Cidades Inteligente da ABDI, em parceria com a SUDENE. No caso de Campina Grande, a escolha do setor de Segurança Pública, insere as soluções já desenvolvidas e implantadas num radar de boas práticas para cidades de porte intermediário similares – amplia-se as condições de captação de novos investimentos e comunica à sociedade que a gestão local está atenta às tecnologias 4.0 para a gestão de cidades.

WSCOM – como a sra encara o novo Parque Tecnologico “Horizontes de Inovacao” dentro da realidade política e privada?

FRANCILENE GARCIA – O Parque Tecnológico “Horizontes de Inovação” materializa o ponto de partida de um projeto estruturante e desafiador para a nossa capital – João Pessoa poderá se consolidar como cidade referência em políticas públicas sustentáveis e inclusivas, reconhecendo e legitimando um conjunto de esforços já realizados por diferentes atores públicos ou privados. A escolha do local para a instalação do novo empreendimento, o antigo Colégio das Neves, incorpora o resgate do Centro Histórico da capital, espaço urbano que se impõe com narrativas históricas e anima novas rotas de desenvolvimento movidas por um despertar para a economia criativa e os atuais desafios. É preciso que os dirigentes, em especial representantes de governos, promovam um amplo diálogo e pactuem uma proposta de valor para o Parque – com um olhar nas competências e locais – capital intangível do empreendimento – e um outro olhar nas missões a serem desenvolvidas – os ativos do empreendimento. Alinhar expectativas será fundamental para a construção de um plano de ação de longo prazo para a cidade. Com a mente nos desafios do século 21, em sintonia com a agenda 2030, uma governança bem definida, o Parque será uma agenda positiva para o nosso Estado.

WSCOM – Qual o maior desafio de 2021?

FRANCILENE GARCIA – Nosso maior desafio em 2021 é superar a luta pela vida, com equidade para todos.

Precisamos salvar a Ciência para que ela nos salve e traga esperança para as futuras gerações!


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