BRASIL

Juventude em perigo: violência na sociedade afeta espaço escolar

A Revista NORDESTE trouxe em sua 115ª edição uma matéria especial sobre a violência nas escolas. Confira a seguir a matéria completa. O link para ler a revista está no final da página.

Especial: Mapa da educação

Sem limite

Aumento de violência na sociedade começa a afetar o espaço escolar a ponto de deixar professores e alunos com medo; Pedagogos afirmam que família e instituições de ensino devem trabalhar juntos para salvar juventude

Por Jhonattan Rodrigues

Escolas deveriam ser sinônimo de educação e segurança. Entretanto, são muitos os relatos de violência no âmbito escolar, com agressões verbais e físicas entre alunos e até mesmo entre alunos e professores. O problema da violência escolar vai desde situações mais simples como a desobediência do alunado e desentendimentos com o corpo docente, até casos de polícia, como tráfico de drogas, agressões físicas graves, e até casos com vítimas fatais.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), feita em 2012 pelo IBGE, com 109 mil alunos de 3 mil escolas, nos últimos 30 dias anteriores à pesquisa 8,0% dos alunos faltaram aula pelo menos uma vez por considerarem o ambiente escolar inseguro. 7,3% relataram ter se envolvido em brigas com arma branca e 6,4% em brigas com arma de fogo. Também 7,2% dos alunos afirmaram ter sido sempre ou quase sempre humilhados por provocações.
Dentro desse universo de violência o bullying também é um ato recorrente. A palavra de origem inglesa descreve uma ação caracterizada pela violência física e/ou psicológica, de forma intencional e continuada, de um individuo, ou grupo contra outros indivíduos, ou grupos, sem motivo claro. Dentro do bullying, as formas de agressão entre alunos são as mais diversas, como empurrões, pontapés, insultos, espalhar histórias humilhantes, mentiras para implicar a vítima a situações vexatórias, inventar apelidos que ferem a dignidade, captar e difundir imagens (inclusive pela internet), ameaças (enviar mensagens, por exemplo), além da própria a exclusão. Mas o que está causando esse comportamento desviante nas crianças e jovens, transformando uma instituição considerada como base para o desenvolvimento de qualquer sociedade em um lugar de medo e insegurança?

A sociedade, a família, o indivíduo

Para o doutor em psicologia social Nilton Formiga, esse problema pode ser encarado em três níveis: o primeiro deles começa no âmbito individual. “As pessoas estão cada vez mais sendo formadas sob uma perspectiva individualista, prezando o próprio prazer e realizações, desconsiderando seu entorno social. ‘Consuma, compre o que você quer, quando você quer.’”
Logo em seguida vem o enfraquecimento das instituições que antigamente eram consideradas alicerces da sociedade, como a família, a igreja e a escola. A perda de influência destas instituições na formação das crianças, unido à apatia ou ausência dos pais, abre espaço para que muitas vezes os jovens acabem fazendo o que querem. “Hoje as pessoas dão tanto poder a seus filhos que chega um momento que eles acabam mandando nos pais. Não é à toa que frequentemente vemos o grande temor que alguns alunos causam nos professores, seja porque receberam notas baixas ou porque chamaram seus pais”, explica o psicólogo. Diretamente ligado ao enfraquecimento gradual destas velhas instituições está ligado o que Formiga chama de anomia social.

O conceito de anomia foi cunhado pelo sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917). Uma sociedade anômica é aquela onde a perda de valores e leis faz com que as pessoas comecem a agir de forma egoísta e não-cooperativa.

Para Formiga, nossos jovens começaram a perceber que as próprias figuras de autoridade que aplicavam as normas, não a seguiam. Contudo, explica o psicólogo “isso não significa a necessidade de retorno a valores tradicionais. Mas sim, que devemos procurar restabelecer com determinada consistência os valores que prezam pelo respeito humano, pelas relações interpessoais, de forma que você não apenas preserve a si, mas também ao outro”.

Para Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço que fez profundas contribuições no ramo da educação, o aprendizado humano ocorre por meio de estágios, onde ele vai desenvolvendo suas subjetividades a partir do meio que o rodeia. (as descobertas feitas por Piaget deram início às chamadas escolas construtivistas, tema anterior desta série sobre educação. Para saber mais, consulte a edição 113 da Revista Nordeste).

Baseando-se em Piaget, Formiga ainda explica que, ao menos nos períodos iniciais da infância, é necessário conservar o princípio de uma verticalidade do ensino, e competiria aos pais e professores, dar às crianças noções de ordem suficientes para que elas consigam diferenciar o certo do errado. Posteriormente, quando seu desenvolvimento subjetivo estivesse mais sofisticado, é que se aplicaria uma linha horizontal de moralidade, onde os responsáveis pela educação do jovem passariam a explicar, ao invés de mandar. Porém, para que isso funcione, é preciso que o cuidado da criança seja trabalhado em conjunto por todos os responsáveis.

“A escola sozinha não tem como fazer muita coisa. É preciso que haja o apoio da família”, conta a psicopedagoga e professora da UFPB, Mônica Dias. “A escola precisa ter reuniões periódicas com a família, promover debates, situações que levem a uma reflexão. Se não houver uma relação famíla-escola fica muito difícil para a criança, porque ela fica no meio de uma situação que é incoerente para ela. Às vezes o que ela escuta, não condiz com o que ela observa na prática” explica. “Mas a família muitas vezes se ausenta da escola. Ou, quando se faz presente, é porque a situação já está incontornável. No entanto, se ela estivesse presente desde o primeiro dia de aula de seu filho, poderia se evitar muitos problemas”.

“Educai as crianças e não será preciso punir os homens”

Seguindo essa máxima cunhada pelo filósofo e matemático grego Pitágoras (570 a.C – 495 a.C) a Congregação Holística da Paraíba – Escola Viva Olho do Tempo aposta no afeto como forma de educar os jovens e garantir que eles se mantenham longe da violência. “Trabalhamos com o carinho, o abraço, a amorosidade, que são coisas que muitas vezes essas crianças não têm em casa”, explica Jânia Paula, coordenadora pedagógica do projeto. “A escola no geral, infelizmente, não é um espaço que foi pensado para trabalhar a condição humana. Ela é muito voltada para a parte técnica, para o trabalho, mas elas não ajudam as famílias na evolução humana da criança. Momentos de amorosidade e carinho são tão importantes quanto passar conteúdo”.

O programa atua em uma região carente da cidade de João Pessoa, no bairro de Gramame, onde se encontram os conjuntos habitacionais do Gervásio Maia e Colinas do Sul. Segundo Jânia Paula, o projeto, iniciado em 2004, nasceu diretamente da luta da população por condições melhores de vida e desde então se tornou uma extensão na formação dos jovens, trabalhando em diálogo com as famílias e escolas das comunidades. A holística, que dá nome à escola, é um ramo do pensamento que se contrapõe à ideia do ser humano acima da natureza – na verdade, ele seria parte indissociável dela. Como consta no portal do projeto, a escola “foi construída tendo primordialmente dois focos: a preservação de olhos d´agua, (neste terreno existem 08 nascentes) e atender prioritariamente crianças e adolescentes do entorno”. Jânia Paula explica que a falta de consciência e a degradação do meio ambiente é um tipo de violência que é pouco lembrado pelas pessoas. Por meio da conscientização ambiental e cultural a Olho do Tempo demonstra aos jovens a possibilidade de conviver em equilíbrio com seu entorno – a família, a comunidade, a escola. 

Além disso, eles oferecem oficinas de percussão, teatro, dança, artesanato. Para Nilton Formiga, “projetos sociais estão relacionados com o desenvolvimento da habilidade empática, porque ela passa a sensibilizar o jovem. Quando você faz arte, toca, dança, faz teatro, você acaba se sensibilizando com o outro. Porque você não vai apenas representar para si, diante do espelho, você vai atuar para o outro”. O espaço dispõe ainda de uma biblioteca e área de informática com acesso a internet gratuita. “Buscamos o aperfeiçoamento humano das crianças, para que elas se tornem pessoas melhores, apesar de o meio onde elas vivam ser muito violento. As crianças que passam um período maior da infância no projeto, terão boas lembranças desse período escolar. Enfim, trabalhamos para que as crianças possam ver o mundo de uma forma bem melhor”, conta Jânia Paula. E prossegue: “Temos muitos relatos das famílias que acompanhamos, de mães falando que os filhos eram mais rebeldes, mais agressivos e que agora mudaram. Temos casos de jovens que saíram de quadro de depressão, que tinham dificuldade na escola, de se relacionar com pessoas e que agora melhoraram.”

Jânia conclui afirmando que o processo de aprendizado tem que ser uma via de mão dupla e o professor também deve estar aberto para aprender. “Não só a criança muda nessa relação, a gente também muda em relação a elas. A partir do momento que você recebe qualquer criança, você passa a ver o mundo de uma forma diferente e se torna outra pessoa. Porque se eu preciso dar exemplo de amorosidade, não basta eu falar de amor, eu tenho que demonstrar o que é amor”, conclui.

 

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