BRASIL

“Mister Brau” quebra paradigmas na caracterização do negro na TV brasileira

“Mister Brau”, que teve o quarto episódio exibido pela TV Globo na noite de terça-feira (20), tem chamado atenção por promover o que o jornal inglês "The Guardian" chamou de “choque cultural”. A série estrelada por Lázaro Ramos e Taís Araújo acompanha a rotina de Brau (Ramos), um cantor popular e sua mulher, empresária e coreógrafa, Michele (Araújo).

O programa que vem registrando altos índices de audiência – a estreia em 22 de setembro cravou a melhor audiência para estreia de um programa da faixa nobre da emissora em 2015 – e obtendo boa aceitação nas redes sociais, tem suscitado um debate em torno do fato de ser protagonizado por um casal negro.

“Eu vejo como positivo”, explica a socióloga Edna Gobetti, com 23 anos de experiência no meio acadêmico e atualmente dedicada à área de pesquisas. Ela ressalva o fato do negro ser retratado como um tipo bem sucedido de forma alegórica; como artista, jogador de futebol. Jamais como um executivo ou empreendedor bem sucedido. Julio Delgado, sociólogo também atuante na área de pesquisas, concorda. “Quando se foge do estereótipo do negro como favelado ou subserviente, encontra-se o estereótipo do negro como alguém que deu certo na vida por méritos que poderias ser jogados ao acaso”.

Em “Mister Brau”, projeto assinado por Jorge Furtado, cineasta e escritor ligado ao pensamento de esquerda, existe a preocupação de jogar um olhar para esse estrato dos novos ricos e discutir a resistência das classes sociais mais privilegiadas a esta realidade do pós-Lula. “É uma inquietação que não costumamos ver na televisão aberta”, opina Delgado, “e tratar isso com comédia, flertando com a sátira é uma solução criativa e bem-vinda”.

“As pessoas frequentemente me perguntam se mudou alguma coisa”, relata ao iG a atriz Zezé Motta, a Xica da Silva do cinema e que está na TV desde 1968. “Dá pra ver a olhos nus que mudou”. Conhecida pelas novelas “A Próxima Vítima” (1995), “Porto dos Milagres” (2001) e “Boogie Oogie”, a atriz saúda o sucesso da série e se diz emocionada pela repercussão no exterior. “As portas não vão ficar mais entreabertas para os atores negros”, se permite filosofar.

Zezé, que se recorda de quando Caetano Veloso a levou para ver um “menino muito bom” em uma peça na Bahia (era Lázaro Ramos despontando em “Ó Pai, ó”), diz que nem tudo são flores. À frente do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), atriz lamenta o fato de ainda haverem muitos atores negros marginalizados. “Fazer arte no Brasil é difícil para todos nós, mas eu prefiro ser otimista”.

Sérgio Malheiros, que se orgulha de ter feito parte da novela que teve a primeira protagonista negra na Globo (“Da Cor do Pecado estrelada pela mesma Taís Araújo de “Mister Brau”), se diz cansado do estado das coisas. “É meio ridículo que ainda estejamos falando sobre isso em 2015”. Para ele, produções como “Mister Brau” e “Da Cor do Pecado” colocam a Globo na vanguarda na TV Brasileira.

O ator que vê Lázaro Ramos como um ídolo que está contribuindo para a quebra de paradigmas faz um apelo. “Todas as minorias são estereotipadas no Brasil. A gente precisa parar com isso”.

Para Gobetti, o preconceito velado no Brasil impede maiores avanços. “A gente tem na sociedade negros bem sucedidos, mas na TV o espaço não parece correspondente. Cansa essa história do negro sofrendo e, neste contexto, ‘Mister Brau’ demorou muito para acontecer”.

A socióloga chama a atenção para um fenômeno que pode ser o responsável pelas emissoras pouco avançarem na representação do negro. “Existe a resistência do branco ao negro e existe a resistência do negro ao estereótipo. Está aí uma boa tese de doutorado”, estipula em cima do próprio raciocínio. Delgado vai além: “Se há sempre a comparação entre o casal negro e o casal branco, o casal branco não vai parecer certo?”, provoca ao frisar o que em seu entendimento é uma das fragilidades da série global.

IG 


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