BRASIL

Movimentos sinalizam irregularidades na dívida pública desde os anos 70

Por Paulo Dantas

A dívida pública brasileira é de R$ 2,793 trilhões, segundo números divulgados pelo Governo. O valor astronômico tem levado a setores da sociedade civil a pressionarem o governo para fazer uma auditoria da dívida, como está previsto no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Lá foi estabelecido que o Congresso deve promover “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. A Constituição ainda aponta que tal auditoria seria feita por meio de comissão mista de deputados federais e senadores e deveria acontecer em até um ano depois da promulgação da Constituição. Nada foi feito.

Para sanar isso, recentemente, a auditoria havia sido incluída no Plano Plurianual (PPA 2016-2019), por meio de emenda do deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), e aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação. Contudo, a presidenta Dilma Rousseff (PT) vetou a execução da auditoria. A justificativa do governo foi a de que ela poderia ultrapassar competências de estados e municípios, além do que, o governo já divulga todas as suas despesas. Elas são fiscalizadas por órgãos autônomos e ainda ocorrem auditorias internas e externas regulares realizadas pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União. Parte da esquerda concorda com o argumento, principalmente por considerar o momento de crise política delicado para uma revisão da dívida. A composição atual do Congresso é adversa ao governo e poderia significar palanque para ampliar a crise, além do que haveria o perigo da revisão se ater apenas aos governos Dilma e Lula, como tem insistido as investigações da Operação Lava Jato comandada pelo juiz Sérgio Moro.

Apesar dos argumentos de parte da esquerda serem válidos, o veto caiu como um balde de água fria em entidades que vinham pressionando por uma revisão dos valores, além de economistas que apontam uma auditoria da dívida como uma solução para o país ter um fôlego a mais em investimentos nesta época de crise econômica. Uma dessas entidades que têm pressionado o governo e os parlamentares é a Auditoria Cidadã da Dívida. De acordo com essa organização, em 2014, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 45% do orçamento daquele ano, 12 vezes o que foi gasto com educação e 11 vezes as despesas com saúde. Outra pergunta que seria respondida com a auditoria, seria onde foi investido todo o dinheiro advindo da atual dívida pública.

Maria Lúcia Fattorelli, presidente da entidade, participou da auditoria das dívidas do Equador e da Grécia onde foram descobertas irregularidades. “Em ambos os países comprovamos a atuação de um “Sistema da Dívida”, ou seja, a utilização do endividamento público sem contrapartida efetiva, atuando para transferir recursos públicos para o setor financeiro privado”, revela. Após a auditoria, no Equador foi anulada 70% da dívida externa.

Em contato com a Revista NORDESTE, Fattorelli explicou que o boom da dívida aconteceu durante os governos militares. Em 1964, a dívida externa bruta somava US$ 3,294 bilhões. Ainda em 1964 foi autorizada a elevação em 300% dos limites para contrair créditos. Quando terminou a ditadura, em 1985, a mesma alcançava US$ 105,171 bilhões, tendo crescido 32 vezes no período. “A explosão do crescimento da dívida externa se deu a partir dos anos 70, devido ao fim da paridade dólar-ouro nos Estados Unidos. Os bancos privados internacionais passaram a ofertar empréstimos a taxas aparentemente baixas, porém variáveis. Os mesmos bancos que controlavam o FED eram em grande parte os mesmos credores, e elevaram essas taxas a mais de 20% ao ano no início da década de 80. Isso provocou a crise de 82, possibilitou a entrada do FMI em 83 e a continuidade do crescimento da dívida e da submissão ao modelo econômico que emperra o Brasil até hoje”, avalia.

Para Fattorelli, agora está havendo uma nova explosão da dívida que teria crescido R$ 600 bilhões em apenas 9 meses. Ainda segundo a Auditoria Cidadã, os maiores beneficiários da dívida são os detentores dos títulos da dívida interna e externa.

“Durante a CPI da Dívida realizada na Câmara dos Deputados (2009/2010) foi aprovado requerimento de informações que exigia que o Banco Central e o Ministério da Fazenda informassem quem são os detentores dos títulos da dívida brasileira. Recebemos como resposta que a União não sabe quem são os credores da sua dívida. Também perguntamos ao Banco Central, que não quis nos informar, alegando sigilo bancário. Informaram somente os grupos econômicos que detêm os títulos”. Entre eles, estão bancos nacionais e estrangeiros (47,24%), fundos de investimento  (17,77%), fundos de pensão (12,84%) e investidores estrangeiros (11,32%).

A estudiosa denuncia o que considera como uma manobra do Sistema Financeiro Mundial por traz das dívidas existentes hoje. “A dedicação, por tantos anos, às investigações sobre as dívidas públicas no Brasil e em outros países nos permitiu identificar a existência de um “Sistema da Dívida”, isto é, a utilização do endividamento público às avessas, ou seja, em vez de servir para aportar recursos ao Estado, o processo de endividamento tem funcionado como um instrumento que promove uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principalmente ao setor financeiro privado. Além de diversas ilegalidades e ilegitimidades apuradas inclusive por investigações feitas pela CPI da Dívida Pública, temos detectado também a geração de dívidas por meio de mecanismos financeiros, sem contrapartida alguma ao país. É por isso que é tão importante realizar a auditoria dessas dívidas, a fim de segregar o que é dívida legítima e ilegítima”, frisa. Segundo Fattorelli, a CPI da Dívida Pública apontou uma série de ilegalidades e ilegitimidades no processo de endividamento brasileiro, tanto interno como externo, em âmbito federal, estadual e até municipal. Assim, a CPI reforçou ainda mais a necessidade de realização de completa auditoria. Os dados da CPI fazem parte de relatórios entregues ao Ministério Público Federal desde 2010.

“Segundo a própria Constituição, o endividamento público é um instrumento que deve ser utilizado com destinação direta a investimentos no país. Ou seja, é ilegal assumir novas dívidas com credores internos e externos para pagar juros de dívidas anteriores e outras despesas correntes. Contudo, a partir de estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida e de investigações feitas pela CPI da Dívida, constatamos que é justamente o que vem ocorrendo com a dívida brasileira desde a década de 1970”, desabafa.

Dentre as ilegalidades denunciadas pela CPI estão a aplicação de “juros sobre juros”, considerado ilegal segundo o Supremo Tribunal Federal; elevação unilateral dos juros flutuantes na dívida externa, procedimento ilegal, segundo a Convenção de Viena; estatização de dívidas privadas; ausência de contratos e documentos; ausência de conciliação de cifras nas sucessivas renegociações da dívida externa; cláusulas ilegítimas nos contratos de endividamento externo; indício de prescrição da dívida externa que foi transformada nos título “Brady” no início dos anos 90; ilegalidades no descontrole do fluxo de capitais, que foi uma das principais causas da origem da dívida interna nos anos 90; Ausência de informação sobre o valor dos juros nominais que estão sendo efetivamente pagos sobre a dívida bruta; contratação de nova dívida para pagar grande parte dos juros nominais, o que fere o artigo 167 da Constituição Federal; conflito de interesses na determinação da Taxa de Juros Selic, tendo em vista que o BC convida predominantemente o próprio setor financeiro para definir as previsões de inflação, juros e outras variáveis, que depois são consideradas pelos membros do COPOM na definição da Selic; violação dos direitos humanos e sociais devido à exagerada destinação de recursos orçamentários para o pagamento do serviço da dívida… A lista é extensa.

“É por tudo isso que afirmamos que a dívida brasileira é ilegal e ilegítima. Precisamos realizar a auditoria para que os recursos absorvidos por esse “Sistema da Dívida” sejam revertidos à aplicação em favor do nosso desenvolvimento socioeconômico e à melhoria das condições de vida no país”, atesta. No entender de Fattorelli a auditoria da dívida pública deveria ser uma rotina obrigatória permanente. “Realizada por instrução oficial do executivo, determinação judicial ou legislativa, com transparência e participação cidadã”. A pressão é grande e o governo parece cada vez mais atento.

 

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