BRASIL

MST condiciona defesa de Dilma Rousseff a novo projeto de reforma agrária

O baixo interesse pela reforma agrária – refletido na redução do número de assentamentos rurais nos últimos quatro anos – pode custar caro à presidente Dilma Rousseff no momento em que a oposição fustiga o governo e ameaça seu mandato. O principal movimento social envolvido na luta pela terra, o MST, continua próximo ao PT e se reaproximou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas assumiu uma postura de indiferença em relação ao futuro de Dilma diante da perspectiva de dias turbulentos.

 

Uma mudança de postura do MST está condicionada a duas questões concretas: “A presidente deve dar uma resposta clara e convincente sobre as suspeitas de que dinheiro da corrupção (caso Petrobras) foi para a campanha e, ao mesmo tempo, apresentar uma pauta concreta para a reforma agrária”, diz João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST, calejado de promessas. “Cansamos de blá, blá, blá e de documentos com boas intenções.”

Com 35 anos de idade, 350 mil famílias de agricultores sob seu comando e uma estrutura formada por cerca de 20 mil militantes, o MST é o segmento de esquerda mais importante do País. Aguerrido e organizado no campo e nas grandes cidades, tem parcerias com sindicatos e outros movimentos sociais. Os sem-terra atuam com um pé na política – o socialismo – e outro no resultado da reforma agrária, onde os números de Dilma são os piores desde a redemocratização brasileira. As perspectivas são menos alentadoras ainda.

 

Neste primeiro ano do segundo mandado, conforme estimativas do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o governo deve assentar cerca de 30 mil famílias, uma meta pífia quando comparada com a média anual dos governos de seus antecessores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (76.761 famílias), e do de seu principal adversário, o PSDB de Fernando Henrique Cardoso (67.588).

Em números absolutos de cada mandado, Dilma fica bem distante de Lula e FHC. Ela fechou os primeiros quatro anos com 107,4 mil famílias assentadas, contra 307.040 apresentados por Lula e 270.352 de FHC. Na soma dos oito anos dos dois governos, o total de famílias que tiveram acesso à terra foi, respectivamente, 614.088 para Lula e 540.761 para FHC, os maiores números de assentamentos da história republicana.

Nos últimos 30 anos, período iniciado com a redemocratização e o desenvolvimento do processo de reforma agrária, Dilma só supera o ex-presidente José Sarney (85 mil famílias assentadas), Itamar Franco (23 mil em dois anos de mandato) e Fernando Collor, que não assentou nenhuma família.

Se levar em conta as circunstâncias políticas de cada período, o desempenho de Dilma ares mais nebulosos: quando ela assumiu, em 2010, a reforma agrária – bandeira que ajudou a justificar o golpe de 1964 e durante anos vista como tabu – já não assustava governos nem latifúndios. Foi relegada a um segundo plano, portanto, como opção política de governo. Com um discurso de qualificar os assentamentos em vez de ampliá-los, Dilma travou o processo e se isolou dos movimentos rurais.

 

Março Vermelho

O período de maior conflito da luta pela terra foi no governo Fernando Henrique (1994/2002), quando o próprio MST chegou ao extremo de invadir a fazenda do próprio presidente, em Minas Gerais. No governo Lula, a reforma agrária atingiu seu auge, com um recorde histórico de assentamentos, o que explica a simpatia e o vínculo com o MST. O ex-presidente sabe que quando se trata de fazer barulho, os sem-terra fazem a diferença. Por isso, há um mês, fez questão de participar do encontro nacional do movimento em Guararema (SP), onde foi ciceroneado pelos principais dirigentes, entre eles o economista João Pedro Stédile.

“Lula e o PT ainda têm muita força nas camadas populares”, avisa João Paulo Rodrigues, num recado aos grupos que flertam com o golpismo e se articulam para, no entendimento do dirigente do MST, “fazer sangrar e colocar o governo de joelhos” ou, se possível, derrubar a presidente Dilma. Hoje um ator maduro nas mobilizações de massa, o MST não acredita que a oposição tenha força para impor o impeachment.

“Um golpe criaria confusão no País e ninguém está interessado nisso”, afirma Rodrigues. Segundo ele, o PT está cometendo um equívoco “ao propagandear o golpismo”, enquanto a direita “quebrará a cara” caso leve em frente o movimento conspiratório. “As bases populares sabem que derrubar ou enfraquecer o governo fortaleceriam a direita retrógrada”, afirma.

Pelo sim pelo não, seus dirigentes decidiram colocar o bloco na avenida. “Estamos antecipando as manifestações de abril para a primeira semana de março”, anuncia Rodrigues, numa referência ao chamado “abril vermelho” – ondas de invasões de terras, marchas e ocupação de prédios públicos. Os sem-terra querem alertar que disputarão espaço nas ruas contra retrocessos e, ao mesmo tempo, vão pressionar o governo para melhorar a reforma agrária.

 

João Paulo Rodrigues diz que os sinais de mudanças enviados por Dilma até agora são, no entanto, decepcionantes: “A simbologia apresentada é a Kátia Abreu (ministra da Agricultura) e o Joaquim Levy (ministro da Fazenda)”, cutuca o dirigente, lembrando que os dois ministros, um inimigo declarado e o outro associado ao corte de benefícios e arrocho fiscal, são indicativos desoladores para os programas sociais. “A esquerda vai à luta, mas com esses sinais não encampará o Viva Dilma”, diz João Paulo Rodrigues.

O dirigente afirma que o MST não quer fazer barganha, mas vai negociar com o governo a sua pauta de reivindicações. O primeiro item é o volume de novos assentamentos. “Temos 130 mil famílias acampadas”, lembra. Tirar do relento essas pessoas, algumas há cerca de dez anos à beira das rodovias e debaixo de barracos cobertos de lona preta, e levar para um lote, segundo João Paulo, é ponto de honra e item prioritário do MST. Se o governo se comprometer a aumentar de 30 mil para 50 mil por ano o número de assentados, as relações melhorariam.

“Sobre a qualidade dos assentamentos, estamos de acordo com a presidente”, diz o dirigente do MST. Para atenuar os gastos do governo, que argumenta estarem muito caras as terras desapropriáveis em regiões de melhor infraestrutura, o MST sinaliza uma mudança histórica: em vez de 18 ou 20 hectares, os novos lotes poderiam ficar entre oito e dez hectares.

Os sem-terra acham que a reforma agrária é a melhor alternativa que o governo dispõe para garantir emprego no campo, melhorar a distribuição de renda e levar alimento de qualidade à mesa do brasileiro – a agricultura familiar é responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos. Na avaliação do MST, além de investir num importante setor da economia, a presidente Dilma faria as pazes com os movimentos sociais de esquerda, que se distanciam dela na mesma proporção em que os adversários avançam e acuam o governo.

(Do iG)


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