ARQUIVO NORDESTE

“NE teve expansão interrompida”, diz economista que pede união política

Por Paulo Dantas

O economista Leonardo Guimarães é especialista em análise da conjuntura; planejamento e desenvolvimento regional e local. Além de mercado do trabalho; planejamento estratégico; cenários sócioeconômicos e avaliação de políticas públicas. Formado em economista pela Universidade Católica de Pernambu Guimarães é doutor em Economia pelo Instituto de Economia da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), ex-professor adjunto do Mestrado e do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba e diretor da CEPLAN (Consultoria Econômica e Planejamento), sediada em Pernambuco. Na entrevista concedida com exclusividade à Revista NORDESTE, o professor discorre sobre o desenvolvimento da região, as dificuldades do atual modelo desenvolvimentista e aponta saídas para um novo ciclo de crescimento. Confira entrevista na íntegra.

Revista NORDESTE: O Nordeste sofre hoje um desenvolvimento tardio e com duas vertentes dentro da economia (se é que podemos dizer assim) que defendem um desenvolvimento nos moldes dos grandes centros, com investimento em indústrias e grandes obras e outra que advoga a busca de investimentos em áreas mais segmentadas, como tecnologia, turismo. Qual o caminho para o desenvolvimento do Nordeste?
Leonardo Guimarães: Não me parece uma discussão oportuna essa das vertentes referidas e que são apresentadas como alternativas para o desenvolvimento regional. O que se deve considerar é que o Brasil e o Nordeste são sociedades e economias heterogêneas que comportam vários caminhos no seu desenvolvimento e que devem ter capacidade para bem aproveitar as oportunidades que aparecem em um ambiente muito dinâmico. Isto não significa adotar uma atitude passiva, mas atuar ativamente no sentido de criar oportunidades e aproveitá-las no contexto de um processo de planejamento do desenvolvimento econômico e social da região. Foi isto que, liderada por Celso Furtado, a região, fez num ambiente político e econômico favorável do final dos anos 50, no século passado, com uma articulação dos governadores nordestinos e de outras lideranças regionais, com o apoio substancial do presidente JK. Na ocasião criou-se uma instituição responsável pela coordenação da política de desenvolvimento regional (SUDENE) com participação dos governadores e ministros, elaboração de planos diretores regionais que foram discutidos e validados pelo Congresso Nacional. Tais planos apresentavam não somente o diagnóstico e programas, mas a explicitação dos recursos financeiros necessários e suas fontes e a apresentação de um conjunto de artigos que davam suporte legal aos planos discutidos e validados. Na época, caracterizada por um intenso processo de industrialização do país, concentrado no Sudeste e em particular em São Paulo, o caminho para o desenvolvimento regional estava baseado na industrialização da região, na implantação de uma infraestrutura econômica e na reestruturação da atividade agrícola da Zona da Mata e do Semiárido. Foi essa arquitetura institucional que durante alguns poucos anos deu substância a uma articulação política regional, que tinha nos governadores uma das bases de sustentação.

NORDESTE: É possível apontar uma vocação para a região? Uma área ou áreas que poderiam ser investidas para o seu desenvolvimento? Ou seriam vocações específicas para cada estado?
Leonardo Guimarães: Embora a participação da economia do Nordeste na economia nacional não tenha apresentado avanços significativos nas últimas décadas, registrando atualmente apenas uma participação em torno de 13,5% – o que contrasta com a participação da população regional na população total do país de 28% – ocorreram mudanças e transformações na região que necessitam ser examinadas para que sejam desenvolvidos esforços no sentido de reforçar as mudanças e transformações positivas. Houve avanços, em vários estados, na agricultura irrigada e de nível mais alto de produtividade, no agronegócio que se expandiu nos Cerrados em diversos estados, foram realizados investimento de grande e médio porte em novas cadeias produtivas (petróleo e gás, indústria naval, energia renovável, automobilística) ainda incompletas que necessitam ser adensadas, complementadas e articulados às atividades locais. Nesta última década, enquanto durou a fase de expansão, recentemente interrompida, surgiram empreendimentos voltados para a demanda regional, sobretudo a do consumo (alimentos e bebidas, sobretudo), que, no futuro imediato podem e devem ser estimulados e complementados quando for superada a fase crítica atual. Há uma grande heterogeneidade de situações nos estados nordestinos que torna difícil definir “vocações” estaduais.

NORDESTE: Quando o senhor fala de expansão interrompida está se referindo ao crescimento do Brasil? Mas o Nordeste não manteve um bom nível de crescimento, apesar da queda do país?
Leonardo Guimarães
: De acordo com vários indicadores há uma desaceleração do Nordeste menor que a do país, mas significativa. Veja o último numero da revista de conjuntura econômica do Nordeste do BNB/ETENE. Isto é particularmente percebido no declínio do emprego formal na região e nas estimativas do PIB de 2014 relativamente aos anos anteriores. As comparações da estatísticas disponíveis para os primeiros meses de 2015 com os dados de 2014 mostram um aprofundamento da desaceleração.

NORDESTE: Quais foram esses “empreendimentos voltados para a demanda regional, sobretudo a de consumo”. Poderia citar alguns:
Leonardo Guimarães:
Este tema foi muito ressaltado pelos analistas e meios de comunicação. Os empreendimentos da demanda regional voltaram-se sobretudo para o segmento industrial de alimentos e bebidas. Cito, de lembrança o da Kraft, Bunge Alimentos, G. L. Empreendimentos, Ambev, Heineken. Muitos analistas assinalaram um processo de modernização dessa indústria que é tradicional na região.

NORDESTE: O senhor disse que os investimentos de grande e médio porte em novas cadeias produtivas, necessitam ser complementadas e articuladas às atividades locais. Quais as cadeias produtivas que tiveram investimento e por que precisam ser adensadas?
Leonardo Guimarães:
As cadeias não precisam, em si mesmas ser adensadas ou complementadas. É do maior interesse da região ou do estado promover o adensamento e complementação das cadeias promovendo o processo de industrialização gerando renda emprego no seu território. A FIAT, por exemplo, poderia montar automóvel em Goiana, sem trazer os fornecedores para Pernambuco ou Nordeste, mas ao trazer, adensando e complementando a sua cadeias promoveu repercussões mais significativas na economia estadual. Há, tanto da parte dos governos como das federações das indústrias o grande interesse em complementar e adensar as cadeias. Quanto às cadeias que vieram recentemente podem ser citadas: a de petróleo e gás (refinaria e petroquímica), naval (estaleiros), energia renovável (eólica, sobretudo) automobilística, farmacêutica, entre outras.

NORDESTE: O nordeste é uma região predominantemente consumidora da produção do Sul/Sudeste/Centro-Oeste, como democratizar mais essa relação de oferta?
Leonardo Guimarães:
De fato, a região, de acordo com as precárias estatísticas existentes sobre comércio interestadual apresentam, sistematicamente, um déficit com relação ao Sul e Sudeste, notadamente com o Estado de São Paulo. No entanto, isto não ocorre somente em relação ao consumo, incluindo neste os bens de consumo duráveis. Tal déficit comercial tem importância, também, no que se refere aos insumos industriais, a máquinas ou equipamentos voltados para as atividades produtivas regionais, tanto agricultura, como indústria e serviços. A redução desse déficit ocorreu de modo significativo em relação à Bahia, a partir do seu desenvolvimento industrial, que permitiu a este estado aumentar as exportações para as demais regiões brasileiras, inclusive o Sudeste. Não conheço informações recentes, mas este é provavelmente o caminho a ser percorrido pelos estados que, recentemente, receberam os investimentos nas novas cadeias produtivas, muitas delas voltadas para o mercado nacional inclusive das regiões mais industrializadas do país. Some-se a isto o fato de que, com o dinamismo do consumo na década passado e nos anos recentes, vieram para a região empreendimentos produtores de bens de consumo, aproveitando o seu dinamismo na região, como fiz referência anteriormente. Este parece ser o caminho.

NORDESTE: Três estados têm um peso grande na economia da região, Pernambuco, Bahia e Ceará. O que os fez estar a frente dos demais? Qual a fórmula do sucesso?
Leonardo Guimarães:
Estes estados em razão da importância demográfica e econômica se diferenciam dos demais. No entanto isso não significa que eles tenham sido, sistematicamente, os que mais cresceram na região. Na última década (2000-2010) para a qual estão disponíveis as informações oficiais de produto, os estados de menor peso na economia regional foram os quais mais cresceram, segundo o IBGE. Isto pode não ter ocorrido em décadas anteriores, mas vale registrar que eles foram capazes de aproveitar as oportunidades que surgiram e ampliaram e diversificaram suas economias.
Na ausência de uma política regional de desenvolvimento econômico e social, que tenha como objetivo reduzir as desigualdades regionais, no interior de cada região e entre as regiões, são os arranjos políticos ocasionais, a maior ou menor agressividade da guerra fiscal (com todos os aspectos negativos para os governos estaduais) e outras razões, que definem o maior ou menor dinamismo econômico dos estados.

NORDESTE: Qual é a principal dificuldade para os demais estados a se desenvolverem? Tem a ver com melhor articulação política?
Leonardo Guimarães
: Em um ambiente caracterizado pela ação isolada de cada governo estadual, têm prevalecido, como assinalei, nessa competição voltada para o crescimento da economia estadual, os arranjos políticos, a maior capacidade e agressividade dos estados na oferta de vantagens e incentivos às empresas no que se convencionou denominar de “guerra fiscal” e na sua disponibilidade de infraestrutura considerada atrativa para os novos investimentos. Essa forma de atuação trouxe efeitos negativos para o setor público estadual, particularmente nas suas receitas, não garantiu a continuidade do processo – os arranjos políticos não são permanentes e se esgotam no final de cada gestão – e dificulta os esforços voltados para uma ação mais consequente baseada numa perspectiva ampla e articulada do desenvolvimento econômico e social da região, capaz de agregar politicamente os governos estaduais e definir ações de longo prazo que consolidem formas de colaboração e solidariedade entre os governos estaduais. De fato, nas últimas décadas em que prevaleceu esta forma de atuação o que se assistiu foi enfraquecimento da capacidade de reivindicação do Nordeste junto ao Governo Federal e a prevalência de uma atuação isolada e de curto prazo das lideranças regionais.

NORDESTE: A ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro, afirmou recentemente que para o Nordeste conseguir ser ouvido, tem que “rebolar muito”, já que a base do poder econômico está no Centro Sul/Sudeste. Como resolver essa equação onde os estados mais ricos tendem a ter mais que os mais pobres? Como conseguir uma partilha mais justa?
Leonardo Guimarães:
Esta constatação mais uma vez confirma que o Nordeste tem que se valer do seu peso político que somente tem importância no contexto nacional se tiver por base uma ação exercida pela maioria das lideranças regionais, que, ademais tenha o seu núcleo constituído pelos governadores. A pauta de reivindicação dessas lideranças é, sem dúvida, extensa e complexa, e foi, de certo modo, mapeada pelo estudo recente coordenado pelo ETENE, do Banco do Nordeste: (I) revisão do pacto federativo no sentido de uma descentralização e maior autonomia dos estados e municípios, com a superação de formas de atuação que possibilitaram não só a guerra fiscal como desestimulou as formas de cooperação regional; (II) o fortalecimento das políticas regionais que considere a efetiva concretização da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, discutida e revista recentemente e ainda sem os meios, instrumentos e as formas institucionais necessárias para sua efetivação.

NORDESTE: Estudos do ETENE, braço do BNB, apontaram que há uma transferência de renda da região (provocada por investimentos dos bancos oficiais) para os centros sul e sudeste, é possível reverter isso?
Leonardo Guimarães:
O estudo do ETENE assinala a grande importância no financiamento do desenvolvimento regional dos bancos públicos com destaque para o BNB e para o BNDES, além do BB e da Caixa Econômica, e o papel secundário dos bancos privados, notadamente no financiamento do longo prazo. Assinala também a ocorrência de reconcentração dos bancos privados na fase recente de crescimento da economia nacional e a ocorrência, também, do que denominam vazamentos que tendem a favorecer as regiões mais industrializadas e são provocados pelo sistema financeiro privado. Tais vazamentos foram, de certo modo, compensados pelos bancos públicos e as agências de fomento. A reversão ou atenuação desse processo, segundo o estudo, poderia ocorrer tanto através de estímulos e regulação para que os bancos privados se integrem efetivamente no financiamento de médio e longo prazo do desenvolvimento regional, como por intermédio da articulação das ações das instituições públicas e privadas no financiamento do desenvolvimento do Nordeste através da institucionalização de fóruns (de governadores) e conselhos (secretários estaduais) e instituições de fomento regional que teriam a função de coordenação da atuação das grandes fontes de financiamento na região. Do que foi assinalado anteriormente, fica, para mim, evidente, que a melhor saída para uma política que tenha como objetivo superar os problemas que você ressaltou e que dizem respeito às desigualdades econômicas e sociais, em relação às regiões mais desenvolvidas do país, às desigualdades econômicas e sociais entre os estados nordestinos e entre sub-regiões no interior de cada estado e a superação de mecanismos que apenas reforçam as desigualdades espaciais e sociais, passam pela construção de um articulação política das lideranças regionais que tenha como participantes de maior relevância os governadores. Além disso, tal articulação política deve ter por base instituições que, de forma coordenada e solidária, explicitem as questões fundamentais da região, em sintonia com a sociedade, definam as soluções prioritárias, acompanhem o processo de execução e exerçam as pressões sobre o governo federal, que possui os instrumentos e meios de maior importância para implantar uma política de desenvolvimento econômico e social da região. Isto implica em revitalizar a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, fortalecer as instituições regionais ainda presentes na região, mas extremamente fragilizadas, e lutar para uma revisão do pacto federativo, fundamental na montagem de instituições e instrumentos voltados para o desenvolvimento regional. A alternativa a esta forma de encaminhamento é a continuidade da ação isolada e frágil de cada governador, os arranjos políticos de reduzida duração e de reduzida abrangência e a guerra fiscal com os efeitos colaterais conhecidos.


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