BRASIL

Pelo menos 141 jornalistas foram agredidos neste ano

As agressões sofridas pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, nos últimos dias estão longe de ser a exceção. É ela a autora da reportagem que denunciou o envolvimento de empresários brasileiros na compra de pacotes milionários de disparo em massa de mensagens contra Fernando Haddad (PT) pelo WhatsApp. Patrícia vem sendo vítima de ofensas, ameaças e assédio em seus perfis de Twitter, Facebook e Instagram. Desde o início do ano, dentro do contexto eleitoral, pelo menos 141 casos de agressão física ou virtual contra jornalistas foram registrados no Brasil.

O jornalista Jamal Khashoggi, da Arábia Saudita, teve sorte ainda pior. Desaparecido desde o dia 2 de outubro, Jamal entrou no consulado de seu país em Istambul (Turquia) para receber um documento e nunca mais foi visto. Colaborador do The Washington Post e crítico ferrenho da monarquia saudita, o jornalista foi torturado e esquartejado ainda vivo, segundo informações da imprensa turca. O serviço de inteligência estrangeira do Reino Unido (MI6) apresentou evidências de que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita havia ordenado a morte do profissional.
58 jornalistas foram assassinados em todo o mundo em 2018. O número já é maior que o balanço final de 2017, quando 55 profissionais foram vitimados. Os dados são da organização internacional Repórteres Sem Fronteira (RSF), que desde 2002 mantém um barômetro de violações contra a liberdade de imprensa. “O balanço de 2018 vai ser bem pior. Cada vez mais jornalistas são mortos no mundo. Essa é a tendência”, afirmou Emmanuel Colombié, diretor do RSF na América Latina em entrevista a O POVO.
No Brasil, três jornalistas já foram mortos este ano, todos radialistas de cidades do interior da Bahia, Pará e Goiás. Outro ponto de equivalência: os três denunciavam em seus programas casos de corrupção envolvendo políticos da região. “Os agressores chegam nas rádios e matam os radialistas. As conexões entre crime organizado e política num nível local geram esse tipo de ataque”, explica Colombié, chamando atenção para os riscos a que se expõem os profissionais que atuam longe dos grandes centros urbanos.
E se o perfil dos profissionais assassinados se repete, também há semelhanças entre os agressores. Segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), políticos e seus parentes e assessores aparecem em segundo lugar na lista dos autores de violência, atrás apenas dos policiais militares e guardas municipais. Em 2017, foram registrados 99 casos de agressão contra jornalistas brasileiros – entre violência física, ameaças, detenções e atentados. O único profissional da área assassinado no ano passado era cearense, o blogueiro Luís Gustavo da Silva, executado com cerca de dez tiros no município de Aquiraz.
O salto nas estatísticas de 2018 pode ser explicado pelo clima de instabilidade política que o País vive. “Os ânimos estão mais acirrados do que nas eleições anteriores, e existem visões segundo as quais a mídia é parte do problema. Como os jornalistas são, digamos, a linha de frente material da palavra mídia, acabam se transformando em alvo da insatisfação”, explica Mariana Atoji, gerente-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entidade que levantou os dados referentes ao número de agressões no contexto eleitoral.
Segundo Mariana, o número de 141 agressões pode ser ainda maior. Os casos levantados são, em sua grande maioria, das regiões Sul e Sudeste, o que seria justificado pela subnotificação das agressões em outras áreas do País. “Nossa equipe é bastante enxuta e, por mais esforço que se faça na busca, muitos casos ficam de fora. Mas certamente a situação afeta comunicadores em todo o Brasil”, explica ela, tratando os ataques como “uma forma ampliada, distorcida e massiva do discurso de crítica que não raro aparece em falas de políticos incomodados com a atuação da imprensa na fiscalização do poder”.
Vítima de exposição indevida no Facebook e no WhatsApp em maio deste ano, o jornalista e professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci explica as agressões “pelo fato de que a imprensa incomoda o poder – seja o poder político, seja o poder das igrejas, seja o poder econômico, seja o poder das organizações criminosas”. Bucci aparece na lista da Abraji de vítimas de agressão ao lado de outros profissionais de peso, como Dorrit Harazim (O Globo), Eliane Brum (El País), Miriam Leitão (GloboNews) e Rosental Calmon (Knight Center).
“Só quem diz que o jornalismo é um elemento problemático para as garantias democráticas são os velhos ‘coronés’, os oligarcas, os caudilhos, os mafiosos, os usurpadores. A imprensa sofre cercos e intimidações, ou sofre atentados, justamente porque cumpre o seu papel democrático. O ataque contra jornalistas advém do medo que os poderosos têm de que seus negócios ilícitos sejam revelados”, argumenta Bucci.
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, atribui o aumento nos casos de agressão “à crise institucional e de valores que a sociedade brasileira está vivendo”. Cita a campanha informal que defende a violência como forma de resposta às contrariedades políticas e amplia sua crítica para o próprio fazer jornalístico. “Muitas vezes, a imprensa tem abandonado seu papel de reportar fatos e esclarecer a sociedade para assumir o papel dos partidos políticos, deformando a produção de notícias”, argumenta, desenhando a linha entre causa e consequência: “são esses mesmos partidos que estão se sentindo à vontade para serem violentos”.
Consenso entre os especialistas ouvidos por O POVO é a opinião de que a melhor estratégia para os jornalistas e para as empresas de jornalismo nesse cenário de crise, desrespeito e descrédito é investir nos princípios fundamentais da profissão. “Para reforçar sua credibilidade, o jornalismo pode e deve cumprir sua missão de fiscalizar o poder, com independência, compromisso com a verificação objetiva dos fatos, compromisso por se corrigir quando erra, com independência e pluralidade”, argumento Eugênio Bucci.
Maria José Braga tem a mesma convicção. “A primeira coisa é chamar os jornalistas à responsabilidade de fazer jornalismo, reportar e contextualizar fatos. É preciso que os profissionais tenham autonomia intelectual, assim vão reconquistar o público e a credibilidade. O jornalismo é cada vez mais necessário, precisamos entender isso e valorizar essa atividade que é essencial para a democracia”.
 
O Povo Online


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