BRASIL

Perto da velha política, Eduardo Campos pregava a renovação

Num país que, impiedosamente, costuma achar farinha do mesmo saco todos os políticos, Eduardo Campos era uma ave rara. Apresentava características inteiramente únicas em relação aos grandes líderes da atualidade, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff, seu adversário tucano, o senador Aécio Neves, e a colega de chapa, a ex-senadora Marina Silva. Isso significava representar, ao mesmo tempo, o velho e o novo na política. O melhor e o pior dos dois lados. Com uma mão abraçava a direita, com a outra acariciava a esquerda.

O ex-governador de Pernambuco morto nesta quarta-feira (13) aos 49 anos na queda de uma aeronave em Santos, no litoral de São Paulo, situava-se num patamar muito particular no complexo, criticado e polarizado universo político brasileiro. Ele estava cadastrado numa pasta única, chamada Eduardo Campos. Nesta pasta estava um político jovem, mas de carreira incrivelmente robusta, algo único hoje fora do PT e do PSDB. Herdeiro de uma raposa política do Nordeste, o avô Miguel Arraes, Campos era, ele mesmo, um cacique poderoso, capaz de arregimentar aliados no Legislativo, no Judiciário, na imprensa, entre ONGs, políticos e entidades de classe em seu Estado.

Veja momentos da trajetória política de Eduardo Campos:

À frente do governo de Pernambuco, de onde saiu com aprovação recorde no País, flertava com o chamado Estado gerencial, mas se dizia socialista desde criancinha. Dedicava-se com igual fervor à gestão e à articulação política, combinação rara entre governantes brasileiros.

Pregava a renovação e uma forma nova de fazer política, mas não se furtava a fazer acordos para garantir alianças capazes de viabilizar candidaturas em estados considerados estratégicos para a disputa presidencial.

Tinha a seu lado Marina Silva e a Rede, ambos antiagronegócio por natureza, mas defendia políticas e cultivava aliados cujo pensamento se mostravam diametralmente opostos ao de sua vice.

Carreira estruturada no meio da mudança

Dualidades desse gênero costumam fazer parte da realidade – e do anedotário – da política brasileira. Há uma máxima segundo a qual política é como nuvem: você olha e está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Atribuída a Magalhães Pinto, velha raposa mineira, essa máxima sempre garantia salvo conduto a mudanças inesperadas de comportamento por parte dos políticos.

Até aí nada de novo. Em Eduardo Campos, porém, essas dualidades ganhavam ar de singularidade, graça e até mesmo coerência. Depois de dez anos de apoio aos dois inquilinos petistas do Palácio do Planalto, por exemplo, soube construir um discurso de dissidência com eficácia, ao mirar os interlocutores com seus translúcidos olhos verdes e convencê-los de que apoiava o mestre maior – Lula – mas discordava frontalmente dos rumos tomados pelo País sob a gestão da sucessora Dilma.

Diferentemente de Ciro Gomes, de Anthony Garotinho e de outros nomes que tentaram romper o revezamento de PT e PSDB no poder central, Campos construiu uma carreira mais estruturada, sempre no mesmo partido e sem procurar atalhos. Atuou, de maneira constante, no espectro da centro-esquerda – era por onde achava que a maioria dos eleitores brasileiros vai buscar escapar da polarização entre petistas e tucanos, vigente desde 1994. 

Politicamente Eduardo Campos era uma espécie de variação mineira à moda pernambucana: trabalhava dia e noite para não ter adversários que merecessem tal nome. Chegou a arquitetar uma inacreditável aliança com o senador Jarbas Vasconcelos. Aliado antigo (foi na prefeitura do Recife na gestão de Jarbas que Campos ganhou seu primeiro cargo público), o senador se transformara num renhido adversário. Foi quem mais fez barulho contra a ida de Ana Arraes, mãe do governador pernambucano, para o Tribunal de Contas da União. “Isso não é modernidade. É atraso do pior tipo possível”, esbravejou na tribuna do Senado.

Políticos como Humberto Costa, do PT, ou Mendonça Filho, do DEM, já disseram em algumas oportunidades: “Ele é um sedutor”. Na cosmologia pernambucana, a frase passa longe de configurar-se um elogio. É como se dissesse: “Cuidado com ele”. Há uma máxima local segundo a qual Eduardo Campos não se satisfazia com maioria, mas só com a unanimidade.

DNA político

Eduardo Henrique Accioly Campos nasceu no Recife (PE) em 10 de agosto de 1965. Filho de Ana Arraes, ex-deputada federal, e do escritor e advogado Maximiano Accioly Campos, com apenas 16 anos ingressou na Universidade Federal de Pernambuco para cursar economia; aos 20, formou-se e foi o orador da turma. Começou a militância ainda na universidade, como presidente do Diretório Acadêmico. Não traiu o sangue político da família: em 1986, trocou a possibilidade de um mestrado nos Estados Unidos pela participação na campanha que elegeu governador de Pernambuco o seu avô, Miguel Arraes – que passara 15 anos de exílio provocado pelo regime militar.

Em 1990, depois de trabalhar como secretário de Governo do avô, filiou-se ao PSB e conquistou um mandato de deputado estadual. Chegou ao Congresso Nacional em 1994, dois anos depois de sofrer sua única derrota eleitoral até hoje: foi quinto lugar na eleição que levou Jarbas Vasconcelos pela segunda vez à prefeitura do Recife. Em 1998, foi reeleito para a Câmara dos Deputados como o deputado federal mais votado de Pernambuco. No seu terceiro mandato em Brasília, conquistado em 2002, atuou em defesa da candidatura de Lula, depois de um primeiro turno com Anthony Garotinho.

Em 2003, estreitando os laços com Lula, tomou posse como ministro de Ciência e Tecnologia – o mais jovem no primeiro mandato do presidente. Em sua gestão, foi aprovada a lei que autoriza pesquisa com células-tronco. Data dessa época suas desavenças com o todo-poderoso José Dirceu.

Em 2005, Eduardo Campos e Aldo Rebelo, então ministro de Relações Institucionais, manobraram para barrar a CPI dos Correios, que trouxe à tona o Mensalão. Numa reunião com Dirceu, que terminou em clima hostil, Campos teria sido aconselhado a desistir da candidatura ao governo de Pernambuco, em favor do petista Humberto Costa. “Eu não preciso do PT para ser governador. A única pessoa a quem eu tenho de dar satisfação é o Lula”, teria respondido. Mais tarde ganharia pontos adicionais com o presidente ao ser fiel durante a crise do Mensalão e ao retirar sua candidatura à presidência da Câmara em favor de Rebelo.

Governo de Pernambuco

Depois de assumir a presidência do PSB em 2004, lançou um ano depois sua candidatura ao governo de Pernambuco. O curioso é que, durante a campanha, Lula resolveu apoiar não apenas um candidato, mas dois: além de Eduardo Campos, esteve também ao lado de Humberto Costa, o indicado pelo PT, numa manobra arriscada para enfraquecer a hegemonia do ex-governador Jarbas Vasconcelos, que apoiava a reeleição de Mendonça Filho. Campos e Mendonça chegaram ao segundo turno, com a vitória do primeiro, que aglutinou mais de 60% dos votos válidos.

Desde a cerimônia de posse – marcada pela presença de camponeses, lembrando o clima que havia nos tempos do avô Miguel Arraes – Eduardo Campos realizou um governo sem percalços. Tudo lhe foi favorável para que seu nome ficasse mais conhecido nacionalmente. Uma das vitaminas estimulantes de sua gestão foi a atração de recursos do governo federal – de longe o maior investidor na economia local. Em 2010 disputou a reeleição, e, mais uma vez, contou com a mão de Lula durante a disputa. Saiu-se com folgada vitória ainda no primeiro turno: quase 80% dos votos válidos, enterrando de vez o seu maior adversário político, o senador Jarbas Vasconcelos.

 

(do iG)


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