BRASIL

Por uma web democrática: Entenda queda de braço do Facebook, Google e governos

Por Paulo Dantas

A internet ainda não é neutra, nem democrática. Mas neutralidade da rede é fundamental para garantir o caráter aberto da internet, para garantir democracia na rede e que interesses privados e econômicos não se apropriem da internet, nem a fragmentem ou a tornem um ambiente discriminatório. O terceiro setor, composto por Organizações Não Governamentais, fundações, entidades filantrópicas e afins, olha para a internet como uma ferramenta onde é possível disseminar educação, informação e abarcar praticamente todas os aspectos da vida, numa perspectiva sempre para melhor. Contudo, nem sempre é assim que a rede mundial de computadores funciona. Entre as dificuldades apontadas na rede pelas entidades civis está justamente plataformas de zero-rating, questões sobre direitos autorias, internet.org, a vigilância de governos autoritários e a falta de proteção de dados pessoais.


Esses temas foram tratados no IGF em João Pessoa, e par entender melhor a amplitude do que está em jogo, a Revista NORDESTE conversou com Flávia Lefévre, bacharel em direito, mestre em Processo Civil e consultora jurídica da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. Flávia considerou valioso o evento para o terceiro setor. “Esse espaço é importante e precisa cumprir o que foi definido na agenda de Túnis, em 2005, onde surgiu, que é apresentar recomendações e boas práticas para governança da internet”. Confira a seguir ponto a ponto temas importantes para o setor e que foram discutidos nos vários fóruns do IGF com participação de ativistas.


Zero-rating
Zero-rating são os chamados serviços gratuitos fornecidos por plataformas online como Facebook e Google, entre outros. Entre os aspectos desses sites está o que pode ser chamado de manipulação ou indução do usuário. Segundo Flávia, um exemplo é o direcionamento nas pesquisas feitas no Google dependendo do usuário que usa o serviço. Por exemplo, se o usuário tem um gmail, usa o site de busca, tem uma rede social do Google Plus, os dados são cruzados para montar perfis de consumidores. Com base nesses perfis, se duas pessoas fizerem uma busca no Google ao mesmo termo, para uma pessoa aparece um resultado e para outro aparece diferente. “Eles partem do pressuposto que sabem o que interessa a uma e outra pessoa. Isso tem um potencial altamente perigoso, pode induzir e manipular. Você pode manipular a formação da consciência das pessoas”, pontua Lefévre.


Ainda em relação a plataformas que usam esse tipo de serviço gratuito, a jurista informa que o Facebook fez uma pesquisa em 2004 com 700 mil pessoas, sem avisar. “Eles começaram a testar as pessoas postando na linha do tempo, ou coisas muito tristes ou alegres para ver se influenciavam no humor. E esses 700 mil perfis foram descobrir isso muito tempo depois, então, essa questão da privacidade é bem sensível”, pontua. Não é a toa que o zero-rating é um tema que o terceiro setor mostra bastante preocupação, assim como a chamada internet.org. Para Flávia, as duas formas de usar a internet quebram a neutralidade de rede. Afinal, é a neutralidade que garante a liberdade de expressão e que o fluxo de informação não será manipulado. Esses parâmetros dão a certeza que a internet poderá servir de forma integral a todos e que ela não será fragmentada. “Garante que a internet não ira se tornar como num modelo da TV a cabo, que você contrata pacotes com programas determinados, canais determinados. A gente não quer isso. A gente quer que as pessoas tenham o direito de acessar qualquer site que esteja no seu ponto de protocolo na internet. Internet tem que estar aberta, se não ela perde as características que a levaram a ter a importância que ela tem hoje”, argumenta.


A ativista lembra que mesmo as grandes empresas de hoje surgiram pequenas e cresceram porque a internet não era fragmentada e as pessoas podiam acessar livremente qualquer plataforma. “Então eles não podem agora querer fragmentar a internet e, de alguma maneira, impedir que novas aplicações, novos agentes passem a crescer na internet”, frisa.


Proteção a dados pessoais
Outro aspecto importante é a proteção de dados pessoais. O que vai contra o modelo de negócio das grandes empresas, calcado justamente na exploração desses dados. “O Facebook ou o Google dá (o serviço) de graça, porque usa as suas informações, processa essas informações, constrói perfis de consumo usando algoritmos e vende. Ai a gente fica muito vulnerável, os indivíduos ficam muito vulneráveis”, reclama. Desta forma, o quesito proteção a dados pessoais ainda é uma conquista a ser alcançada na rede.

Governos autoritários
Os governos autoritários também são tema em destaque e preocupação para a sociedade civil, principalmente no que concerne a vigilância em massa dos dados dispostos na internet. Os estados autoritários podem vigiar, interferir e violar a privacidade das pessoas. “O aspecto da vigilância indiscriminada, arbitraria e massiva, preocupa”, diz Flávia.

Direito autoral na internet
Os grandes agentes do mundo editorial, do cinema e música, em todos os fóruns possíveis, estão querendo fazer prevalecer um entendimento de que pode haver quebra de neutralidade quando há desrespeito a um direito autoral. Segundo Flávia Lefévre, está é uma questão delicada. “Eu acho que gente vai ter que amadurecer muito para chegar a uma conclusão. A solução que o setor econômico esta propondo, acho que não dá”, avalia. Os grandes agentes estão propondo que se alguém postar num blog algo que uma empresa entende que esta violando um direito de copyright, bastaria notificar o provedor e este teria que retirar do ar o conteúdo imediatamente. “Se não eles vão entrar com uma ação para responsabilizar meu provedor. Isso é uma medida intimidatória e que compromete os direitos de liberdade e de expressão. Eu acho que o direito autoral é importante, mas a liberdade de expressão é fundamental”, defende. Lefevre afirma que não se pode apenas proteger o copyright. “Não é assim. Hoje, para tirar qualquer conteúdo da internet precisa de ordem judicial. A única exceção é cena de pornografia e nudez, onde o interessada, se não autorizou, pode pedir diretamente para retirar, caso contrário, pelo Marco Civil da internet, precisa de uma ordem judicial”, informa.

O Marco Civil e o Comitê gestor do Brasil, modelos
No Brasil, o Marco Civil da Internet é a lei conhecida como a Constituição da internet. Aprovado em abril do ano passado, transformou a neutralidade em regra, em obrigação. Segundo o Marco Civil, quem dá provimento de serviço de conexão a internet tem que garantir tratamento isonômico nos pacotes de dados, independentemente da origem, do destino, do serviço e da aplicação. A lei do Brasil é tão moderna que está servindo de modelo para outros países implementarem suas regras. “Nesse aspecto, de legislação, estamos bastante avançados. O governo está preparando agora o decreto regulamentador do marco civil”, conta Lefévre.


Outro aspecto que o Brasil é modelo é o Comitê Gestor da Internet, um órgão multiparticipativo, que tem representação do governo, das empresas, da academia, do terceiro setor, tratando de questões relativas a internet e vinculado ao Ministério das Comunicações e ao Ministério da Ciência e Tecnologia. “Esse é um modelo de governança que esta sendo considerado e usado como referencia para vários países”, pontuou a ativista.

Contra o Facebook e a Internet.org
Durante o IGF, o Ministério Publico e a Procuradoria Geral da República (PGR) soltaram nota técnica tratando de internet.org, projeto do Facebook. Para os ativistas de uma internet livre, o projeto da internet.org, ameaça o conceito de isonomia, internet livre para todos e tratamento igual. O Marco Civil garante a obrigatoriedade de tratamento isonômico para todo e qualquer tipo de pacote de dados. A iniciativa do Facebook, através da plataforma FreeBasics pretende oferecer, sem cobrança por conexão ou desconto no pacote de dados, acesso a um conjunto de aplicativos e páginas da internet, selecionados pela própria empresa. A propaganda da maior corporação do mundo digital atual diz que esta é uma forma de conectar aqueles sem qualquer acesso à internet. No entanto, organizações de defesa dos direitos dos do consumidor contestam. A nota técnica da PGR, considera que o projeto viola a liberdade de acesso à informação dos internautas.


Segundo o Ministério Público, se o Internet.org restringir o acesso a determinadas páginas resultará “que alguns usuários, em especial a camada mais pobre da sociedade, terá acesso apenas parcial a determinado site”.“Essa limitação do sistema também permite violação ainda mais grave aos princípios norteadores da internet no Brasil, porque somente sites previamente aprovados pelo Facebook e seus parceiros poderão ser acessados através do aplicativo”. Mais grave ainda, “abre portas para impedir o acesso a sites considerados politicamente antagônicos ou que expressem opiniões distintas do Facebook e seus parceiros, em evidente censura”. 

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