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Revista NORDESTE: A evolução arquitetônica de João Pessoa em 431 anos

Por Paulo Dantas

A cidade de João Pessoa nasceu à beira do Rio Sanhauá. Na época, século XVI, o rio era a grande avenida. Chegava-se a cidade por terra, a partir de Pernambuco, mas esse não era o melhor caminho. Além disso, era uma tradição portuguesa utilizar os rios e as baías, como local de chegada e ancoragem das embarcações. “Era uma tradição do pensamento urbano territorial dos portugueses”, conta a historiadora e arquiteta Maria Bethilde Moura, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


Assim, a cidade nasce no Porto do Capim, se estabelece na cidade baixa – região do Varadouro – e na cidade alta, a parte mais nobre, composta da Avenida General Osório, Duque de Caxias, Visconde de Pelotas e Treze de Maio. Foi lá, onde foram construídos o Mosteiro de São Bento, o convento de São Francisco e a Igreja de Nossa Senhora das Neves, hoje Basílica.

Arquiteta Maria Berthilde, ênfase na história de João Pessoa


Até a segunda metade do século XIX, a cidade era basicamente o que se entende hoje pela área do Varadouro, General Osório e Duque de Caxias. “Ela chegava, no máximo, ao que hoje é a Rua Treze de Maio, indo do Convento dos Franciscanos, numa ocupação mais densa, até a atual Praça João Pessoa. A partir dali algumas ramificações iam na direção da avenida das Trincheiras e ao Tambiá. Com o entorno da Praça Pedro Américo em formação e da B. Ruan, em uma ocupação ainda ínfima”, conta Berthilde.

Porto do Capim


A historiadora revela que João Pessoa no início de seu povoamento era uma área consolidada, no que se entende hoje por Cidade Alta. Nessa época existiam também o primeiro hospital, a Santa Casa de Misericórdia, datado do século XVI, que no início do século XX foi retirado do Centro e transferido para o que hoje é o hospital Santa Isabel.


“Nessa época nós já tínhamos a construção do que se chamava os “modernos equipamentos para ordenar a população”, que eram os grupos escolares, a Polícia, que funcionava onde foi a antiga Faculdade de Direito, a Escola Técnica, que era a antiga Escola de Artífices, nas Trincheiras. Outro equipamento antigo é o Orfanato Dom Ulrico. “Existiam os equipamento para educar e civilizar a população, termos que usavam naquela época”. O Parque Arruda Câmara, a Bica, era outro equipamento existente, fundado para a socialização. “Era um espaço onde as pessoas iam bem vestidas aos domingos passear. A Praça João Pessoa tinha a mesma finalidade, inaugurada em 1922, comemorando os cem anos da Independência. A Praça da Independência, construída na década de 30, a Lagoa… Todos estes espaços públicos de socialização vão pontuando a cidade”  

 

O desenvolvimento da cidade

A ocupação de Cruz das Armas vem na sequência da urbanização das avenidas das Trincheiras e Jaguaribe. Da década de 20 até 40, Jaguaribe está em formação, puxando a ocupação de Cruz das Armas. “Jaguaribe tem uma história muito peculiar. Foi um bairro que foi ocupado pela classe mais pobre, por retirantes fugidos da seca. Sempre foi caracterizado por ser um bairro onde se incentivava que ficasse o lado da população que não se queria na cidade mais nobre. Por isso, Jaguaribe tem uma concentração de hospitais, tem o Orfanato Dom Ulrico, todos os equipamentos necessários, porém considerados marginais, na época”.

Rua Maciel Pinheiro em 1903, mudanças estruturais na cidade


No final da década de 60, a cidade também começa a crescer para a Zona Sul, com a construção de conjuntos como o Castelo Branco, que foi o primeiro grande conjunto habitacional e a criação do Campus universitário. Depois disso vem a expansão do bairro dos Bancários, Mangabeira, Valentina. Tudo isso dos anos 60 para 90.

Hotel Globo


A construção do Clube Cabo Branco impulsionou o desenvolvimento da cidade em direção a praia, todavia quando ele foi construído se criticou que estavam construindo o clube no meio do nada e que as pessoas não teriam como voltar para casa depois das festas. Mas valorizou o bairro. Outros equipamentos importantes para o desenvolvimento da cidade foram a cidade universitária e o Hotel Tambaú, ambos da década de 70. Depois o Espaço Cultural. “Esses equipamentos foram gerando pontos de atração de diversos segmentos da população e aí a cidade foi preenchendo os vazios entre esses elementos”, informa Berthilde.

 

Mobilidade urbana – alternativas

Frisando uma posição técnica, longe de qualquer identidade política, a arquiteta explica que todas as recentes mudanças feitas nos últimos anos em João Pessoa para melhorar a mobilidade urbana são válidas, necessárias, mas paliativas. “Temos uma malha urbana de ruas muito extensas, desencontradas. Para cruzar a Epitácio Pessoa de um lado para o outro é quase preciso uma operação de guerra. Pouquíssimas ruas que cruzam a Epitácio pessoa têm continuidade entre os dois lados. Como a cidade foi crescendo por loteamento e não por um planejamento, obras hoje que venham solucionar essa questão da mobilidade seriam obras que precisariam alterar muita coisa na cidade”, alerta Berthilde. 

Avenida Beira Rio, transformações que melhoraram a mobilidade urbana da cidade

 

Viaduto Damásio Franca possibilitou ligação da cidade antiga com a Lagoa

 

Para a arquiteta, os governantes têm se esforçado para fazer obras que melhorem a mobilidade, mas não são obras que a cidade necessita de fato para resolver esse problema. Para fazer o que realmente resolveria seria preciso mexer em muita coisa nas vias de João Pessoa, com obras caras que demandariam desapropriações. Enquanto isso, são feitas as obras possíveis, como o Trevo de Mangabeira e o viaduto do Geisel. “Onde tem uma lacuna que dá para resolver o problema, vai se tentando resolver. Agora dizer que são as obras que a cidade requer, infelizmente, é como eu estou dizendo, a malha urbana pré-existente precisaria sofrer um grande processo de mudança para poder resolver de fato essa mobilidade”.

Trevo de Mangabeira

Entre as obras que para a arquiteta resolveriam o problema de fato estão a instalação de VLTs, BRTs e metrôs. Essas obras desafogariam grandes eixos como a Epitácio Pessoa, retirando uma grande quantidade de ônibus que passam pela via. Seriam obras caras, mas que desafogariam retirando um bom percentual do transporte público que hoje trafega na cidade. “Não vai adiantar alargar via, estreitar canteiro, abrir mais uma via, porque com a quantidade de veículos que tem, em pouco tempo essas vias não suportarão mais. Então os investimentos são de outra natureza, é justamente a coisa de planejar a mobilidade, novos meios, com novos recursos. O grande problema das nossas cidades é a falta de planejamento. Para mim, esses são pontos essenciais, planejamento e mobilidade”.

 

Uma área transformada no Centro

A Lagoa não tinha o formato e a dimensão que tem hoje. Na verdade era um veio d’água que tornava a área do seu entorno alagadiça e pantanosa. Dentro dos princípios do higienismo da época, se achava que essas áreas pantanosas causavam doenças, por isso, enquanto não foi saneada e urbanizada, a Lagoa não entrou para a história da cidade. O primeiro projeto de urbanização dela é de 1913, a partir de um projeto de saneamento da cidade feito pelo engenheiro Saturnino de Brito. O projeto não foi realizado integralmente, apenas pequenas intervenções, entre elas uma parte da urbanização da Lagoa. No entanto, só na década de 30, com outro projeto, de Nestor de Figueiredo, é que a Lagoa é urbanizada da forma que se conhece hoje, tendo as palmeiras imperiais ao seu redor.

Nas primeiras décadas do século XX, surgem obras importantes como o Pavilhão do Chá, praça João Pessoa, como passeio público, e a Praça Venâncio Neiva. Obras que transformam e modernizam a cidade, provocando sua expansão. Também é desta época a abertura da Avenida João Machado. Em 1910, mas só se projetando como realidade entre a década de 20 e 30, é feita a urbanização da Lagoa. Tudo isso foi transformando a cidade, que até o início do século XX praticamente terminava na avenida Treze de Maio. A partir da década de 20, a cidade começa a criar novas ramificações no sentido da Lagoa, da João Machado, das avenida das Trincheiras, até a Odon Bezerra e Monsenhor Walfredo Leal, sentido Tambiá.


O projeto de expansão da cidade idealizado por Nestor de Figueiredo não é implementado totalmente. Na época, Figueiredo projeta a Lagoa e o que hoje é a avenida Getúlio Vargas, que na época era chamada Parkway. Segundo a professora Berthilde, ai é pensada a expansão pelo bairro da Torre, da Epitácio Pessoa e de Mandacaru. O formato da Lagoa de parque veio deste projeto, com projeto paisagístico de Burle Max.

Ponto de Cem Reis reformado

Ponto de Cem Reis como era no início do século XX

“A lagoa foi um marco muito grande para a cidade. O Nestor de Figueiredo dizia que era ‘a cidade existente e a cidade futura’. E a Lagoa é justamente o ponto onde estas duas cidades se encontravam. Na primeira metade do século XX, estamos com essa configuração de cidade, e o ponto focal se transferindo para aquele entorno da Lagoa, o que abrange toda a área do Mercado Central, de Tambiá, tudo aquilo foi passando a ser o ponto nobre da cidade. Tanto é que até hoje temos casas belíssimas naquela área, hoje infelizmente abandonadas, correspondentes aos períodos do Art Decó, e da arquitetura neocolonial, que são arquiteturas características das décadas de 30 e 40”. A arquiteta se refere a algumas casas existentes no Tambiá, mas também que estão na avenida Getúlio Vargas, na descida da Igreja Batista em direção a antiga reitoria. Entre as arquiteturas que podem ser ressaltadas, além do neocolonial e Art Decó, está a Eclética, onde pode ser listada a arquitetura grandiosa da época da riqueza do algodão, onde foram construídos os palacetes na avenida das Trincheiras e na João Machado. Muitos deles construídos entre o período de 1910 a 1920.

 

Surgimento das grandes avenidas

Abertura da Avenida Epitácio Pessoa

A década de 20, marca também a idealização da principal avenida da cidade, a Epitácio Pessoa. No entanto, ela só começa a ser realmente ocupada entre 1940 e 1960. “Essas são as épocas áureas da Epitácio Pessoa, enquanto área de residência da classe média e rica. Toda essa área da Epitácio Pessoa, e, consequentemente, os bairros nas imediações, Expedicionários, Tambauzinho, Bairro dos Estados, tudo isso esteve em formação entre 1950 e 70. Seja com residências de grande expressão, como as casas modernistas, ou enquanto conjuntos habitacionais voltados para a classe média, que era o caso da ocupação do Jardim Miramar”, conta Berthilde. Nessa época a praia ainda não era considerada um lugar nobre da cidade e tinha predominância de pescadores e algumas poucas casas de veraneio.

 

"Na verdade, quando a Epitácio Pessoa começa a se consolidar como ocupação definitiva, isso também vai ser encaminhado para a praia. Havia algumas casas na região de Tambaú, mas mesmo assim era uma ocupação muito rarefeita. A praia só começa a ser um lugar de moradia, quando a Epitácio passa a ser pavimentada, e então começa a ser um lugar nobre na cidade, explodindo nos anos 80”, pontua a arquiteta. A região da praia cresce para Cabo Branco, Tambaú e Manaíra, avançando para o Bessa a partir de 1980.


“Toda aquela área que hoje é Manaíra, Bessa, até os anos 80, a ocupação ainda era pontual. Tínhamos uma concentração maior em Tambaú. Manaíra ficava mais restrito às primeiras vias, mais próximas à orla. A região da Argemiro de Figueiredo, no início do Bessa, estava, para aquela época, como hoje está o Altiplano nobre. Aquele era o lugar dos ricos. Os arquitetos mais famosos da época, o Expedito Arruda, Régis Cavalcanti, todos eles estavam construindo as grandes mansões dos ricos naquela área do Bessa. Isso foi puxando cada vez mais o crescimento da cidade naquela direção. E temos que lembrar também da direção do Iate Clube, que era um lugar de ricos. Aquilo também era valorizado pela presença desse equipamento”.

Orla antes da construção do Hotel Tambaú


A avenida Rui Carneiro, que começou a ser ocupada na década de 60, 70, também foi um eixo importante. Tanto do ponto de vista social, com a construção das grandes mansões da época, quanto do ponto de vista urbano. A construção da avenida favoreceu mais ainda a ocupação da praia, principalmente Manaíra.

 

As maiores mudanças na cidade

Para identificar as maiores mudanças sofridas pela cidade, Berthilde ressalta que essa evolução deve ser vista na escala da cidade de cada época. “Se pensarmos para a escala da cidade nos anos 50, a Epitácio Pessoa foi uma grande obra. Na década de 70, o viaduto Damásio Franca foi uma mudança imensa. Possibilitou que quem vinha da cidade baixa, passasse para a área da Lagoa, sem ter que cruzar as ruas da cidade alta. Ainda na década de 70, a Beira Rio foi uma grande obra. A construção dos viadutos sobre a BR 230, foi uma grande obra. Imagina o que era para quem estava em cabedelo chegar na estrada de Recife. Tinha que passar por dentro da cidade. Essa ligação possibilitou que o porto se comunicasse com Recife, Campina Grande, Natal. Os caminhões que tinham que passar por dentro da cidade, começaram a passar direto para as BRs.”

 

O potencial econômico ditando obras

Outra obra considerada uma tentativas de solucionar o problema de mobilidade urbana da cidade é a avenida Tancredo Neves. Uma avenida dividia em várias vias e bifurcações que em cada trecho recebe um nome diferente – Tancredo Neves, Boto de Menezes, Airton Senna. Para Berthilde, a Tancredo faz parte dos paliativos para solucionar um problema maior. “Ela ajuda. Desafoga o trânsito do centro para a praia, mas se formos pensar é um caminho tortuoso do Centro à Praia, tão tortuoso que cada pedaço tem um nome. O que acontece? Quem é que determina? Quem gere a cidade? É o potencial econômico. O poder público vai atrás tentando sanar os problemas que esse potencial econômico produz”. A estudiosa explica que vão surgindo loteamentos na cidade, como hoje os condomínios fechados no Altiplano Cabo Branco, e o poder público vai buscando abrir vias, levar saneamento, correndo atrás do que a força econômica implantou na cidade. “Isso faz com que o poder público tenha que sair serpenteando entre os espaços possíveis para resolver o problema. Se a gente pensa a Tancredo Neves é um labirinto, um labirinto entre problemas urbanos”, desabafa.

Avenida Tancredo Neves

A cidade antiga com necessidades

A cidade velha, a parte mais histórica da cidade, hoje é um ponto frágil para as administrações municipais. “Está deprimente, tudo pichado. Se você abrir o Google e colocar Centro Histórico de João Pessoa, as 20 primeiras imagens são da praça Antenor Navarro. E vá ver o que está lá hoje…”, lamenta. Berthilde afirma que falta educação patrimonial para que as pessoas entendam de história e memória. “Identidade de cidade é tão importante quanto todos os outros investimentos. Porque é a memória da cidade. Enquanto a gente não tiver isso, os órgãos de preservação vão remar contra a maré. Serão os órgãos de preservação tentando preservar e a população não contribuindo. Em termos de ocupação, é uma pena que o nosso Centro Histórico hoje tenha predominância de comércio e serviços, porque está demonstrado, matematicamente, que esse é o uso que mais está destruindo o centro histórico”.

Calçadas – Sem Ordenação


Outro problema apontado constantemente entre turistas que visitam João Pessoa, é a falta de uma padronização das calçadas, muitas delas com rampas, batentes abruptos e desníveis. Criando situações de tropeções ou uma verdadeira maratona de obstáculos para o pedestre. Berthilde explica que existe uma lei municipal que já disciplina isto, mas falta fiscalização. As normas de acessibilidade previstas na NBR 9050 determina como devem ser as construções, mas não há fiscalização. Segundo a arquiteta, o poder público não pode obrigar as pessoas a pavimentar as calçadas, mas a legislação municipal proíbe a colocação de rampas, de batentes, de todo e qualquer elemento físico que impeça o acesso do pedestre. Berthilde conta um caso em que foi construído num prédio uma rampa de veículo que avança na calçada e faz um batente de 60 centímetros em relação a calçada vizinha. “Isso está totalmente fora da legislação”, avisa. Para a estudiosa, a prefeitura quando fosse aprovar o projeto deveria já ter visto que aquela garagem iria funcionar avançando na calçada. E não poderia ter aprovado o projeto enquanto não fosse resolvido o problema. “Mas isso começa pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a rampa da garagem do subsolo do Tribunal invade a calçada, se vier um cego desavisado, periga cair dentro da rampa. Então, em termos urbanos está tudo errado”. 

 

 

Obras marcantes

As obras de mobilidade que mais significativas do século XX, foram os viadutos no centro da cidade, construídos na década de 70, a conexão das BRs, que passa por baixo da Epitácio Pessoa, ligando Cabedelo a saída da cidade. A construção da Beira Rio.

 

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