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Revista NORDESTE: Bauman e o mal-estar do homem contemporâneo

Morte de Zygmund Bauman deixa mais pobre a sociologia. A Revista NORDESTE entrevista sociólogo e filósofo Romero Júnior para entender o legado de Bauman. conheça as ideias que têm feito sucesso na sociologia moderna

Por Paulo Dantas

Em 9 de janeiro de 2017 morreu na Inglaterra Zygmund Bauman. Apesar de ter vivido muito tempo no país e ter sido alçado à fama entre os britânicos, Bauman, um judeu polonês que sobreviveu à invasão nazista em 1939, e viveu a implantação do comunismo na Polônia. Ele é um dos primeiros a pensar o Holocausto. Afirmava que a questão ia além dos executores e das vítimas. Sobre o tema diz: “Hoje, mais do que nunca, o Holocausto não é uma experiência que pertence aos sujeitos privados (admitindo-se que sempre foi assim): não aos seus executores, para que sejam punidos; não às suas vítimas diretas, para que gozem de simpatia, favores ou indulgências particulares em nome dos seus sofrimentos passados; nem às suas testemunhas, em busca de redenção ou de certificados de inocência. O significado atual do Holocausto é dado pela lição que ele contém para a humanidade inteira”. Bauman foi o primeiro a levantar a exigência de considerar o Holocausto como um capítulo terrível e extremo do século XX. Sem torná-lo um evento único, fora da história e fora da razão, mas também sem ignorar aquelas características que o Holocausto não compartilha com nenhum dos casos de genocídio anteriores. Bauman criou termos que estão presentes na história contemporânea, como modernidade líquida, vida líquida e tempos líquidos, em contraposição a concretude do que se pensa do mundo. O sociólogo era crítico dos regimes comunistas e capitalistas e considerava que o mundo vive hoje um momento de interregno, uma espécie de intervalo, e profunda crise, e que ainda não há uma definição certa para qual caminho seguir. Para discutir sobre a importância do polonês para a sociologia moderna e os detalhes da sua obra, a Revista NORDESTE conversou com o sociólogo e filósofo Romero Júnior Venâncio da Silva, doutor em filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco que atua com filosofia contemporânea (Marx e Nietzsche), estética (Filosofia do Cinema) e teoria da religião.

Revista NORDESTE: Quem é Bauman para a sociologia hoje?
Romero Junior:
Zygmund Bauman é um sociólogo polonês, radicado na Inglaterra, que em boa parte da sua formação teve uma influência britânica. Agora, curiosamente, ele não se deixou tomar, digamos assim, por um tipo de empirismo (algo como se ater a conhecimentos práticos que podem ser experimentados/comprovados através de fatos) que a sociologia inglesa sempre foi caudatária. Eu diria que ele rumou mais naquela linha teórica semelhante, apenas semelhante, ao que fez Norbert Elias (sociólogo alemão de origem judaica) metodologicamente. Mas em termos de conteúdo, são muito diferentes. Bauman tornou-se uma espécie de grande sociólogo da cultura contemporânea. Consequentemente, não é que ele dispense a empiria e se torne um mero filósofo, longe disso, ele não prescinde da empiria, agora a empiria para ele só tem sentido quando ela está articulada com a reflexão. Por isso que os temas de Bauman não são aqueles temas que a sociologia clássica traz. Por exemplo, Bauman pesquisa com rigor coisas como nazismo, a relação com a modernidade, o tema do Holocausto, que foi um livro que o deixou inclusive muito bem situado na sociologia. Ele tem uma tese original para falar da relação entre a modernidade e holocausto, o papel do nazismo e principalmente as condições de Auschwitz… Temas quase tidos como filosóficos, que ele dá um tratamento sociológico interessante. Mas, obviamente, ele não se limitou a isso. Bauman tem um papel importante no debate sobre a cultura e pode ser caracterizado como um grande sociólogo da cultura contemporânea, tanto no que é relativo às artes, como numa concepção mais ampla de modo de vida. Bauman foi um sociólogo importante e muito bem posicionado no debate sociológico contemporâneo. Não sei se ele faz uma escola, mas deixa um legado importante para a sociologia contemporânea, para a crítica ao positivismo contemporâneo e principalmente para as preocupações com aquilo que de certa forma é o que ele mesmo chamou de mal- estar, Bauman é o sociólogo do mal-estar do ser humano contemporâneo, do homem e da mulher que vivem nesse capitalismo contemporâneo.

NORDESTE: Bauman dizia que estamos vivendo em um estado de interregno. O que significa isso?
Romero Júnior:
Eu concordo. Estamos em um mundo que não ruiu ainda, mas está em processo de ruína. Por exemplo, a Europa de Bauman está claramente em ruína, ela está corroída por neonazismo, neofascismo, pelo preconceito contra o estrangeiro. Digamos assim: a pátria europeia do iluminismo agora caça estrangeiro como se caça animais… esse horror ao estrangeiro que Bauman tão bem polemizou em um de seus livros (entre eles “Modernidade e Holocausto” e “Estranhos a Nossa Porta”) mostra uma Europa em ruínas, mas fala de um novo mundo que não surgiu ainda. Nesse sentido, o mundo vive esse mal estar interregno.

NORDESTE: Esse interregno também vem do fim do comunismo, que enquanto existia, fazia um contraponto ao capitalismo?
Romero Júnior:
Em parte sim. Bauman, mais do que ninguém, tem moral para falar bem do Comunismo assim como criticá-lo. Ele sai da Polônia por conta do tipo de “socialismo real” que a Polônia teve, na verdade o país foi invadido, a Polônia não viveu um processo revolucionário, ela foi invadida e faz parte daquela maldita partilha da 2ª Guerra Mundial (entre EUA e União Soviética, os grandes vitorioso da guerra). Nesse sentido, ele sempre foi muito crítico do regime polonês, que era o regime liderado por aquele tipo de socialismo real do qual ele sempre foi muito crítico (O socialismo real foi implantado na União Soviética e em diversos países comunistas e visava a estatização de fábricas e bancos, centralização do poder pelo partido socialista e redistribuição de renda através de controle de salários e atividades econômicas). Agora, ao mesmo tempo Bauman percebeu que enquanto existiu esse socialismo real, com todas as suas contradições, ele representava relativamente um freio ao capitalismo e ao Neoliberalismo. Foi por conta da revolução Bolchevique que a Europa teve e pôde disseminar o estado de bem-estar social. Significa dizer: parte do estado de bem-estar social, só veio por conta da ameaça Bolchevique na Europa. Bauman tem consciência plena disso. Nesse sentido eu diria que essa questão faz parte do interregno, você tem um capitalismo que não tem oposição e consequentemente não tem limites, se torna isso que estamos vivendo, estamos caminhando mesmo para a Barbárie neoliberal, isso é muito claro em termo de reforma social, concepção de trabalhismo, concepção do local de trabalho. Um filme que ilustra bem o que disse Bauman é “Eu, Daniel Blake (dir: Ken Loach, 2016)”, que em parte ilustra muito os últimos livros de Bauman sobre a Europa.

NORDESTE: Que críticas ele fazia ao comunismo?
Romero Júnior:
Ele era crítico da burocracia, do autoritarismo. Para ele era um regime autoritário. Ele sempre foi crítico da ausência de liberdade na Polônia neste domínio do socialismo real. Porque Bauman sempre foi um intelectual independente, nesse sentido ele foi um bom analista do regime, sem conceder ao fascismo e a direita.

NORDESTE: Em uma entrevista ele diz: “O que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas também incapazes”. Ele fala que existe até hoje uma crise na democracia.
Romero Júnior:
Para mim, ele está coberto de razão. Há uma crise da democracia. A democracia, representativa, em seu formato, está em franca crise. Ela de fato não representa mais, perdeu sua substância. E, para Bauman, isso assustava. Porque as probabilidade de formas neofascista numa crise dessa é muito grande. E a Europa tem experiência disso e ele viu e disse isso. Então esse diagnóstico dele é um diagnóstico fortalecido, entendeu?

NORDESTE: Ele começa a falar na perda do sentido de comunidade em um mundo individualista, ele fala do consumismo individualista, você poderia explicar isso?
Romero Júnior:
A principal consequência da derrota substancial da democracia é a corrosão na concepção de indivíduo, isso é que leva ao individualismo. Digamos assim: as pessoas, por não acreditarem nas instituições, passam a acreditar meramente nelas mesmas e no seu egoísmo. Nesse sentido, Bauman faz, eu diria, uma grande disforia social (percepção do mal estar) da crise da democracia, a partir dessa concepção.

NORDESTE: Eu gostaria que você falasse do prazer como uma força propulsora, acredito que Bauman também tocava nesse ponto quando fala do individualismo, a relação do prazer como força propulsora do desenvolvimento da humanidade e como força destruidora desse desenvolvimento também.
Romero Júnior:
A palavra prazer, como nós a entendemos a partir do final do seculo XIX e início do século XX, no sentido do eudemonismo (a busca do prazer) é uma construção histórica basicamente do século XX. Se olharmos o que os filósofos falavam do prazer em outras épocas, não é como hoje. O capitalismo fez na verdade uma intervenção muito grande na ideia de prazer, a ponto de radicalizar esse prazer para sentido egóico. Para mim a grande novidade do capitalismo é o sentido egóico do prazer. Esse sentido em que o prazer ele é absolutamente individual e não pode ser transferido, não pode ser coletivizado e de um modo geral, restringe a um individualismo cavernoso… Bauman é muito crítico desse prazer. Eu me coloco ao lado de Bauman nesse sentido. É uma grande descoberta do sentido moderno. Agora o prazer colocado acima de tudo e sem limites, prejudica a vida social, e isso acaba como um bumerangue, voltando para o próprio indivíduo. Bauman, nesse sentido, faz um alerta de incêndio para esse tipo voraz de prazer que meramente abre para o capitalismo selvagem.

NORDESTE: Em relação a essa crise, com o colapso da confiança nos líderes, e a percepção que as promessas da democracia não são mais acreditáveis. O que ele pensa de onde poderíamos chegar?
Romero Júnior
: É interessante que Bauman diagnostica, e não necessariamente ele associa alguma perspectiva ao apocalipse, ele não era pessimista. Ele envelheceu inclusive muito confiante na possibilidade de o ser humano sair dessa enrascada em que ele mesmo se meteu. Agora, ele morreu em um momento em que ele fazia um diagnóstico muito crítico. Uma das últimas obras dele (“Estranhos a Nossa Porta”) era refletir sobre a condição do estrangeiro na Europa. Ele viu as migrações, pessoas morrendo no mar, fugindo de guerra… que era causada pela própria Europa… sírios, árabes, africanos. Isso o deixou muito assustado. É notório na última obra dele, que ele trata dessa condição do estrangeiro, assim você percebe um pouco do susto e ao mesmo tempo, o impacto que aquilo fez na sua reflexão. Mas eu não vi nenhum pessimismo na obra dele. Bauman afirmava que o fenômeno da migração não era novo. Mas diferente do que ocorreu no passado, quando os europeus migraram para diversos outros países havia um processo de assimilação cultural. “O imigrante chegava a um país e, aos poucos, tornava-se parte dele. Hoje em dia, isso não acontece mais. Os governantes partem do princípio de que são de culturas superiores e os imigrantes, ao contrário, pertencem a culturas inferiores. Daí a disparidade, entende? A assimilação, tal como ocorria antes, não existe mais”.

NORDESTE: Outro tema de Bauman diz respeito a questão da segurança e da liberdade, voltando ao individualismo. Ele dizia que as pessoas querem mais liberdade, mais consumismo, mas ao mesmo tempo existe uma crise de segurança.
Romero Júnior:
Porque quando ele diz querer mais liberdade, é no sentido meramente literal do termo. Liberdade para fazer o que quiser e comprar o que quiser no shopping, como se isso fosse possível para todo mundo. O limite da liberdade para Bauman, sociologicamente falando, está no consumismo. O consumismo, por incrível que pareça, não amplia a liberdade, ele limita a liberdade. Bauman foi um dos primeiros a diagnosticar isso juntamente com o filósofo alemão Theodor Adorno (da escola de Frankfurt, filósofo e sociólogo, um dos maiores críticos da degradação gerada pelo capitalismo em nome das forças que mercantilizam a cultura e as relações sociais). Eles perceberam que na verdade a liberdade por consumo não é liberdade, é um limite para liberdade. Eu acho que nesse sentido ele aponta um horizonte, um limite na cultura ocidental.

NORDESTE: Hoje as pessoas vão para as ruas em luta por várias propostas e ao mesmo tempo rejeitam qualquer tipo de liderança, ele faz uma crítica a isso também?
Romero Júnior:
Bauman fala o que está dizendo porque foi um polonês… olhe, a obsessão por segurança pode levar a regimes autoritários, esse é o medo de Bauman. Diria que é o maior medo dele. Então, segurança absoluta, para Bauman, é mito. E eu concordo plenamente com ele. A própria condição frágil humana, não permite segurança absoluta. Então, segurança absoluta só na morte. Para ele, as consequências dessa crença opaca na segurança podem levar a regimes autoritários.

NORDESTE: Vimemos movimentos como o Ocupe, que não têm uma liderança clara, o movimento “Não é por 0,20 centavos”, de 2013, que também não tinha uma liderança e era um misto de várias correntes juntas. Bauman dizia que justamente por não ter uma liderança, o movimento acontece, mas também por isso, o movimento não permanece. Por quê?
Romero Júnior:
Esse tema já estava numa marxista chama Rosa Luxemburgo, em um debate logo após a revolução sobre o caráter da “espontaneidade das massas”, ela dizia que é fundamental na revolta a dimensão do espontaneísmo, independente de liderança ou não, a ideia do povo se rebelar. Ela dizia: ‘o problema é que a rebeldia pela rebeldia, sem uma orientação, sem uma liderança, acaba caindo no espontaneísmo fugaz’. Bauman tem diagnóstico semelhante, mesmo que não cite Rosa Luxemburgo. O caso do Ocupe é um exemplo, o caso do Podemos, na Espanha, o caso do movimento que teve uma certa liderança do Passe Livre, mas começou absolutamente espontâneo. Então, o resultado desses três movimentos foi num ato incorporado por esse modelo parlamentar em crise, ou na verdade acabar o movimento. Então, nesse sentido, o movimento Ocupe deixou muito pouco para, por exemplo, a esquerda norte-americana. Agora, Bauman não desvaloriza, ele os valoriza dentro de uma determinada circunstância histórica. 

NORDESTE: Indo para a questão da comunicação. Ele fala das redes sociais como uma armadilha, diz que nós temos muita informação, mas não temos tempo para assimilá-la.
Romero Júnior:
Nisso eu acho que ele não é original, ele repetiu outros. Saramago já tinha feito isso em um sentido mais filosófico, agora, quem de fato tinha tratado disso bem antes dele é Julian Assange, no livro “Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet”. Primeiro ele diz que a gente tem uma super informação, mas geralmente desqualificada, que mais desinforma do que informa. Segundo: uma informação muito vigiada, porque quase toda ela é controlada por coisas como CIA, FBI, etc. E principalmente, aí sim, o que Bauman trabalhou muito bem, o cotidiano do uso das redes para banalidade, puta banalidade e futilidade. É como se o grande avanço de uma coisa como o Facebook, se tornar um Orkut ampliado. Para Bauman isso não é avanço, isso é o limite da própria ideia de informação.

NORDESTE: Queria que você desenvolvesse um pouco mais essa ideia de rede e comunidade, que hoje a gente deixa de ter uma relação de comunidade e passa a ter uma relação de rede onde as pessoas deletam de seu perfil pessoas que são contrárias ao que pensa.
Romero Júnior
: Isso é ambíguo, porque se torna necessário também você limitar. Isso é inevitável, entendeu? Por exemplo, uma pessoa que tem horror a fascismo não vai querer na sua timeline relações com fascismo, isso está claro. Agora, o que Bauman chamava atenção é quando a comunidade cívica se enfraquece, em detrimento de uma virtualidade, acho que aí ele apontava o limite. Veja, as redes sociais, por mais importantes que sejam, elas têm limites, inclusive limites físicos, Bauman tinha percebido isso. Mas ele não despreza a importância das redes sociais. Ele apenas percebe que ela tem limites e não está conseguindo trabalhar com esses limites. Agora, eu diria que o problema das redes sociais, e acho que Bauman concordaria com isso, não é necessariamente as redes sociais, é a forma da democracia. A fragilidade da democracia contemporânea, ela acaba desaguando também nas redes sociais.

NORDESTE: Eu queria que você explicasse um pouco o que vem a ser modernidade líquida em contraposição ao que vem a ser modernidade sólida
Romero Júnior:
É um livro do Bauman, acho que uma das primeiras teses dele. Inclusive ele faz uma análise do que foi a modernidade, de Descartes até o século XIX, e ele percebe que essa modernidade que chamou-se de sólida é a modernidade da acumulação primitiva do capital, é a modernidade dos ideais da revolução francesa…. Essa modernidade entra em crise no século 20, Bauman inclusive faz coro com uma frase de Karl Marx do “Manifesto Comunista” (Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas). Nesse sentido ele percebe e começa a transformar esse líquido em quatro categorias, porque ele usa para muitas coisas. Ele vai desde a disposição da modernidade, passando pelo estado até as relações amorosas, então a palavra ganha quase que uma panaceia explicativa. Os críticos de Bauman acham que aí estaria a fragilidade da sociologia dele. Eu não sei dizer se realmente aí esta a fragilidade, eu sei que passa a ter uma dimensão explicativa muito maior. A palavra “líquido” começa o debate que ele faz com a modernidade. (Bauman afirma que na modernidade o que é concreto se dissolve mais rápido e vai se perdendo com o tempo. Não há mais parâmetros seguros).

NORDESTE: Esse interregno que ele coloca na humanidade hoje, não se sabe qual é o caminho, então tudo passa a ser questionável, a democracia, o capitalismo…
Romero Júnior: É, um mal-estar profundo, exatamente.

NORDESTE: Existe uma luz no fim do túnel, qual é a saída? Se o socialismo foi derrotado, o capitalismo foi derrotado, e agora?
Romero Júnior: Bauman não tem uma receita. O que ele tem é uma profunda reflexão, acho que o amadurecimento dele foi levado a isso. Ele não indica um regime, ele tem muito mais uma reflexão e diagnóstico do que propriamente um programa político. Agora, posso estar equivocado, é uma opinião pessoal, vejo Bauman como um dos grandes humanistas do século 20. Por ele ser um grande humanista, por mais que critique e assuma essa posição crítica, não se torna um pessimista ou niilista. Ele acreditava que a humanidade não colocava problemas que ela não pudesse resolver, o tempo é que dirá.

NORDESTE: Bauman tratou sobre a questão da religião moderna? Vemos a religião manipulando as massas, mas também como uma nova força, como o Papa Francisco, tem outros movimentos religiosos mais independentes, uma nova força tentando reverter ou acordar. Ele chegou a tratar sobre isso?
Romero Júnior: Bauman nunca tratou de religião especificamente. Tratou no “Modernidade e Holocausto” do judaísmo no século XX. Tratar do holocausto é tratar da figura do judeu e do racismo, que essa figura sofreu. No livro “O Mal-Estar da Pós Modernidade” tem um capítulo curto sobre o tipo de religião na sociedade líquida. O texto é mais crítico do que elogioso, no sentido que a própria religião vai se corroendo, perdendo valores e se tornando mercantilizada. Bauman já apontava para isso nos anos 90, mas ele não tem uma teoria da religião. Não é Max Weber que tem uma teoria de começo, meio e fim. Ele tem apontamentos sobre a religião nesse mundo de modernidade líquida. Ele percebe que a religião também vai ganhando essas feições (líquidas). Ao mesmo tempo Bauman faz um alerta muito atual, diz que à medida que a religião vai caindo nas malhas da modernidade líquida, paradoxalmente, desenvolve dentro dela formas fundamentalistas. E a forma fundamentalista de religião é uma tentativa de voltar ao estado pré-romântico da religião, que nunca existiu. Então nesse sentido todo o fundamentalismo é malévolo. (O período pré-romântico: escola que se afastou de ideias clássicas e começou a se voltar para a valorização do sentimento e da sensibilidade individuais face à moral social e às convenções. Entre outros conceitos, o movimento retoma ideias nacionalistas). Não lembro se o Bauman analisou, mas sou muito simpático ao Papa Francisco, é uma figura aberta, de cunho progressista, sensível as contradições que o mundo vive a partir da Europa. Está vendo, no olho do furacão, no que a Europa está se transformando. O Papa tem alertado contra grupos neonazistas e a situação do estrangeiro. O Papa, de certa forma, tem apoiado essa condição do estrangeiro, inclusive na prática, quando os acolhe no Vaticano. Nesse sentido eu sou muito entusiasmado com o projeto esperançoso do Papa Francisco.
 

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