RIO GRANDE DO NORTE

Revista Nordeste: a canonização dos mártires do RN

Do Martírio à Santidade

Dois padres e mais 28 pessoas, incluindo crianças, assassinados por holandeses calvinistas no Rio Grande do Norte em 1645 são canonizados pelo Papa Francisco no Vaticano; comitiva potiguar com governador e deputados comparece ao grande evento

Por Pedro Callado

O registro da superação histórica

Em cerimônia no Vaticano no dia 15 de outubro, o Papa Francisco canonizou brasileiros considerados os primeiros mártires do país e que foram assassinados em 1645 por holandeses protestantes que não admitiam prática do catolicismo. Foram 30 mártires, entre eles dois padres, que foram brutalmente assassinados no Rio Grande do Norte. Além disso, o Papa também proclamou santos, na mesma cerimônia, três jovens mártires de Tlaxcala, do México, assassinados entre 1527 e 1529.

Papa Francisco declarou santos os mártires potiguares após o pedido oficial, durante a cerimônia celebrada pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da congregação da Causa dos Santos. “Que estes que agora são santos indiquem a todos nós o verdadeiro caminho do amor e da intercessão junto ao Senhor para um mundo mais justo”, declarou o Papa Francisco, em sua homilia.

O Governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, a primeira-dama e coordenadora do Grupo de Trabalho da canonização junto ao Governo do Estado, Julianne Faria, o deputado estadual e representante da Assembleia Legislativa, José Dias, a senadora Fátima Bezerra, representando o Senado Federal, estiveram na cerimônia, além dos prefeitos de São Gonçalo do Amarante, Paulo Emídio de Medeiros, de Canguaretama, Maria de Fátima Marinho, e parlamentares da bancada federal potiguar.

“O Rio Grande do Norte está no centro da atenção mundial da Igreja Católica com os 30 santos Mártires Potiguares. Além de uma grande graça aos católicos, nosso Estado se torna um destino do turismo religioso para o mundo todo”, declarou o governador Robinson Faria.

A multidão aplaudiu quando Sua Santidade declarou santos André de Soveral, Mateus Moreira e seus 28 companheiros massacrados em 1645, nas duas localidades, a mando dos invasores holandeses.

A Camerata de Vozes do Rio Grande do Norte, grupo da Fundação José Augusto, participou da cerimônia. O coro, regido pelo monsenhor Pedro Ferreira, apresentou cantos sacros antes e após a anunciação dos 30 novos santos.

O arcebispo de Natal, d. Jaime Vieira Rocha, observou que os mártires passaram a ser mais conhecidos após 2001, quando foram beatificados. “No Rio Grande do Norte, eles sempre foram reverenciados, mas não se falava em martírio, sim em carnificina”, disse. “Esperamos que os santos mártires contribuam para a renovação da fé e para aumentar nossa esperança nesta hora em que o Brasil enfrenta uma grave crise, a fim de que a população assuma a corresponsabilidade diante dos desafios”, afirmou o arcebispo.

Para o governador Robinson Faria, trata-se de uma grande oportunidade para que o Rio Grande do Norte esteja no circuito mundial do Turismo Religioso. “E como governo estamos atuando com a infraestrutura necessária para que isso ocorra”, afirmou.

No rito especial no Vaticano, em Roma, a presença do governador Robinson Farias com senadora Fátima Bezerra e comitiva

No local do massacre, em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, foi erguido o ‘Monumento aos Mártires’, inaugurado no dia 5 de dezembro de 2000, com capacidade para receber 20 mil peregrinos. O espaço é aberto a turistas e religiosos, e a cada mês de outubro recebe centenas de fiéis. Ele abrange uma área de dois hectares, doada pela família Veríssimo, proprietária da fazenda. O monumento foi projetado pelo arquiteto Francisco Soares Junior.

Desde 2006, o dia 03 de outubro é feriado estadual em comemoração ao Dia dos Mártires de Uruaçu e Cunhaú, segundo Lei Nº 8.913.

Outras canonizações

O papa Francisco também proclamou santos os três “meninos Mártires de Tlaxcala (México)”, assassinados entre 1527 e 1529, bem como o sacerdote espanhol Faustino Míguez (1831-1925), fundador do Instituto Calasancio Filhas da Divina Pastora, e do capuchinho italiano Angelo da Acri (1669-1739).. Os novos santos mexicanos Cristóbal, Antonio e Juan, meninos indígenas assassinados por sua fé entre 1527 e 1529, haviam recebido uma formação com os primeiros missionários franciscanos procedentes da Espanha. Aos 13 anos, o jovem Cristóbal tentou converter o pai, que o matou a pauladas quando retornava da escola franciscana. Antonio e Juan aceitaram acompanhar como intérpretes em 1529 missionários dominicanos à região de Oaxaca, sul do México. Os dois jovens foram assassinados por índios quando ajudavam os missionários a destruir representações de ídolos dos indígenas. Já Faustino Miguez, nascido na Galícia, noroeste da Espanha, dedicou sua vida ao ensino. O italiano Antonio Falcone foi um padre itinerante que percorreu o sul da Itália. Foi beatificado em 1825.

A História de um duro massacre

A história dos massacres de Cunhaú e Uruaçu, no Rio Grande do Norte, só começou a ser divulgada no fim dos anos 1980, graças às pesquisas do monsenhor Francisco de Assis Pereira (1935-2011), que escreveu um livro sobre o tema, chamado “Beato Mateus Moreira e seus companheiros mártires”.

Segundo o relato da Igreja Católica, invasores holandeses calvinistas assassinaram 69 pessoas que assistiam a uma missa celebrada pelo padre André de Soveral na cidade de Cunhaú (atual Canguaretama), em 15 de julho de 1645.

Imagem dos mártires exibida em São Gonçalo do Amarante traz os padres à frente e o camponês Mateus Moreira no centro

Menos de três meses depois, em 3 de outubro, outro grupo de católicos foi massacrado, em uma paróquia de Natal. De lá, o sacerdote Ambrósio Francisco Ferro foi levado para a cidade de Uruaçu (São Gonçalo do Amarante) e morto ao lado de outros 80 fiéis.

De acordo com Pereira, todos foram assassinados porque os holandeses, que também recrutaram índios para realizar o massacre, não admitiam o catolicismo nas áreas sob sua dominação. Segundo seu relato, o camponês Mateus Moreira repetia a frase “Louvado seja o Santíssimo Sacramento” antes de ter seu coração arrancado.

Algumas vítimas tiveram as línguas arrancadas para que não fizessem mais suas orações católicas. Outras tiveram braços e pernas decepados. Crianças foram partidas ao meio e degoladas.

Calcula-se que cerca de 150 pessoas tenham morrido nos dois ataques, mas apenas 30 foram identificadas, beatificadas e canonizadas. Desse total, 28 eram brasileiras, uma era portuguesa, e outra, possivelmente francesa ou espanhola.

O processo de beatificação dos mártires foi aberto em 16 de junho de 1989 e concluído em 5 de março de 2000, em uma cerimônia celebrada pelo papa João Paulo 2º. Em geral, o rito de beatificação e canonização pede a comprovação de milagres, mas essa condição é dispensada em caso de martírio por motivos de ódio à fé católica.

Os 30 canonizados são: André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira, Antônio Vilela Cid, Antonio Vilela e sua filha (identificada apenas como uma criança do sexo feminino), Estêvão Machado de Miranda e duas filhas (também não identificadas), Manoel Rodrigues de Moura e sua esposa (não identificada), João Lostau Navarro, José do Porto, Francisco de Bastos, Diogo Pereira, Vicente de Souza Pereira, Francisco Mendes Pereira, João da Silveira, Simão Correia, João Martins e seus sete companheiros (identificados apenas como um grupo de jovens que se recusaram a lutar pela Holanda contra Portugal), a filha de Francisco Dias – que não está entre as vítimas, mas é provável que ele tenha morrido junto à pequena -, Antônio Baracho e Domingos de Carvalho.

 


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