BRASIL

Revista NORDESTE: Desastre no Açude Cedro

Centenas de carcaças de cágados espalhados no açude do Cedro, no Ceará, é mais um cenário triste da estiagem de 5 anos que vem castigando o Nordeste; dois terços dos 136 açudes cearenses encontram-se com volume abaixo dos 10%, ameaçando vidas humanas e a biodiversidade local

Por Jhonattan Rodrigues

O Açude do Cedro é o mais antigo açude do Brasil, construído a mando de Dom Pedro II após grande estiagem em 1877, que obrigou milhares de cearenses a se deslocarem de seu local de origem. Localizado em Quixadá, a 160 km de Fortaleza, o açude comporta 125 milhões de m³ de água, e foi construído junto à famosa Pedra da Galinha Choca, compondo uma bela paisagem, serve de ponto turístico e local de lazer. Ou servia, uma vez que o açude agora está 100% seco e, entristecendo ainda mais o cenário, espalhados pelo leito seco estão dezenas de cágados mortos. Ao todo foram 439 destes animais mortos, contabilizados pela equipe composta por estudantes e biólogos da Universidade Estadual do Ceará (UECE). “O número ainda está subestimado, pois muitos levaram carcaças para casa. É alarmante, pois encontramos apenas uma espécie de cágado (Phrynops geoffroanus), justamente a mais resistente, quando esperávamos pelo menos outras duas”, revela Hugo Fernandes-Ferreira, doutor em Zoologia e professor da UECE.

Uma equipe de estudantes alertou o professor sobre o cenário no açude. “Eu achei que seriam umas 50 ou 60, o que já seria um número muito alto, mas quando eu cheguei percebi que poderia ser muito maior que isso e que precisaríamos fazer uma pesquisa urgente no local”, conta. O fato de terem encontrado apenas um cágado de uma espécie mais resistente, significa que os menos resistentes morreram muito antes do açude secar. O zoólogo explica que são necessários mais estudos para saber o que levou ao desaparecimento dessas espécies menos resistentes do açude, mas fica claro que alguma coisa já estava errada no açude, como poluição, alta salinidade, depredação do lago e baixa disponibilidade de oxigênio. As tartarugas que foram encontradas pela equipe de estudantes conseguiram sobreviver a essas alterações, mas não resistiram à falta de água.

Desde setembro de 2016 o Cedro já havia atingido volume morto. O reservatório que serve a cidade de Quixadá, entretanto é o Pedras Brancas, que atualmente está com 6,12% da capacidade, segundo dados da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). O mapa do Portal Hidrológico do Ceará mostra que a maior parte dos açudes encontram-se abaixo dos 10% em volume. O Castanhão, principal fonte de abastecimento para a Região Metropolitana de Fortaleza, está com 4,9% do seu volume. Outras cidades menores já enfrentam essa realidade há algum tempo e estão sobrevivendo à base de carros-pipa do governo e revezando água entre municípios.

Reação ambiental em cadeia

Os primeiros a sofrer são os animais e a cena dos cágados mortos no leito seco do açude evidencia esse cenário. Hugo explica que, apesar da tristeza da visão, a espécie morta é comum, facilmente encontrável em rios. Na natureza, em época assim os animais conseguem algum refúgio úmido, como uma poça d’água. Alguns açudes próximos ainda possuem cágados, mas o Cedro está completamente seco. Isso causa um desequilíbrio no ambiente local. “Essa espécie, por exemplo, é carnívora e também detritívora, o que significa que ela come animais vivos, mas há uma preferência por carne em putrefação. Então é uma espécie super importante como base de cadeia alimentar, já que servem de alimentos para outros animais maiores, mas principalmente como topo de cadeia alimentar aquático. E além disso ajudam na reciclagem de nutrientes.” E além dos cágados, milhares de peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios e outras espécies aquáticas que faziam dali sua casa também morreram, e isso afeta também as espécies terrestres que se alimentam desses animais e os que, por sua vez, se alimentam destes e assim por diante, em uma verdadeira reação em cadeia.

O zoólogo explica que a morte de animais aquáticos é algo comum. Afinal a seca não é nenhuma novidade no Nordeste. A cena de centenas de peixes mortos em açudes é bem comum para as populações que vivem próximas. O preocupante é que as espécies estejam desaparecendo antes mesmo da água secar.

“Mais grave que a cena deles mortos é o que esse número de 438 cágados de uma espécie só mortos indica, e isso sim é preocupante. Significa que antes da seca a situação já não estava legal e que isso pode estar se repetindo em todos os açudes do nordeste brasileiro.” 

Há outro problema ecológico envolvido nos açudes. Na estiagem eles inevitavelmente secam, mas a movimentação e modificação intensa em nascentes, desmatamento da mata ciliar, que é a vegetação que acompanha as margens dos rios, assoreamentos, agravam a situação e diminui a velocidade com que os açudes enchem. “Por mais que eles sequem nesse período, eles não conseguem encher no período hábil. Mesmo com chuva fortes. Precisa de chuvas torrenciais para que a seca na caatinga seja dirimida. Esse é o problema.”

O Sitiá, rio de leito sobre o qual foi construído o Cedro, hoje é um curso d’água prejudicado pela mão do homem. Apesar de ser um rio temporário, décadas de ação desenfreada e impensada intensificam os períodos de seca. “Com certeza é um rio extremamente impactado, porque ele atravessa zonas de pecuária e de plantações que não preservaram a mata ciliar. Por lei, ela é preciso ser reservada exatamente para que se evite assoreamento.”

Após essa tragédia o que resta é se adiantar para evitar que outras aconteçam. Hugo, junto com o grupo de estudantes da UECE agora trabalham em um estudo de estrutura populacional, ou seja, contar os cágados que morreram, fazer medições, saber as proporções entre adultos, machos e fêmeas para saber de que forma essa população está distribuída no ambiente. “Isso vai dar respostas sobre a saúde ambiental do lugar. Isso também pode ser replicado para outros açudes. Com relação à conservação direta nós já estamos andando fortemente com uma articulação política para garantir resgate desses animais que ainda estão nos açudes para tentar garantir estudos genéticos sobre essas populações que estão vivas.” 

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