BRASIL

Revista NORDESTE: Educação – a nova orientação

Mudanças curriculares na Base Nacional Comum Curricular afetam educação e assim como Reforma do Ensino Médio, apontam ‘novo’ caminho para a educação brasileira

Por Paulo Dantas

As mudanças são dinâmicas na política atual do Brasil e a educação tem avançado a passos largos em termos de acesso. Em 1992 os brasileiros estudavam 4,8 anos, em média. Em 2014, o número subiu para 8 anos. Contudo, infelizmente, nem sempre as mudanças são para melhor. Junho começou com o Ministério da Educação (MEC) fazendo alterações na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento entregue no dia 6 ao Conselho Nacional de Educação (CNE) suprime trechos que diziam que os estudantes teriam de respeitar a orientação sexual dos demais. O MEC retirou também a palavra gênero em alguns trechos do documento. A versão divulgada aos jornalistas antes da divulgação oficial continha esses termos. Segundo a pasta, a última versão passou por “ajustes finais de editoração/redação”. A finalidade era suprimir redundâncias, segundo o MEC. A BNCC define as competências e os objetivos de aprendizagem dos estudantes a cada etapa da vida escolar. O documento entregue refere-se ao ensino infantil e ao fundamental.

A educação é uma equação em movimento. Nada é estático nela, ainda que métodos curriculares tentem amarrar o aluno a uma fórmula específica, o ser humano sempre se mostra mais e mais dinâmico no processo. Uma história interessante é de Kaspar Hauser, que foi retratada no filme de 1974, “O Enigma de Kaspar Hauser”, de Werner Herzog. Kaspar Hauser tornou-se conhecido na Alemanha, em 1828, ao surgir em praça pública, aos 15 anos, afirmando que havia passado toda a sua vida em uma masmorra, sem contato com humanos. O jovem tinha apenas uma carta endereçada a um capitão da cidade contando a história. O que se diz sobre a história real de Kaspar é que, aos seis meses de idade, a criança foi deixada por sua mãe viúva com uma família. Aos quatro anos, a família passou a deixá-lo acorrentado em um porão sem contato com outras pessoas. Como teria passado quase toda a vida aprisionado, sem contato verbal, não conseguia se expressar em um idioma. Quando foi encontrado, Kaspar falava cerca de seis palavras, depois de pouco mais de um ano, conseguia já construir enunciados complexos como qualquer outro adulto. Contudo, o rapaz manteve dificuldades em relação a linguagem e a construção de significados abstratos. A linguista Jéssica Pires, analisando o caso, explica que “o meio em que a criança vive tem um papel importante no processo de aquisição, pois são as experiências linguísticas fornecidas pelo meio que acionam o dispositivo responsável pela aquisição da língua. Se assumirmos que o homem nasce com uma capacidade inata para adquirir uma língua e que os significados estão fortemente relacionados com a língua, como explicaríamos a dificuldade que Kaspar tem para construir significados?”.

Recente pesquisas feitas pela neurociência informam que crianças que vivem em condições menos favorecidas apresentam, em geral, pior desempenho na escola. A explicação pode estar na má alimentação, em situações de estresse no ambiente familiar ou na falta de atenção que recebem dos pais, entre outros fatores. Um número cada vez maior de cientistas sugere, no entanto, que pode haver algo mais. Entre os fatores apontados estão a sobrecarga mental. Preocupações com questões do dia a dia, como falta de dinheiro da família para solucionar necessidades básicas. Esses estudos apontam ainda que a pobreza parece também causar uma espécie de envelhecimento tardio do processo cognitivo. Outro aspecto, é que algumas áreas do cérebro por não receberem uma estímulo adequado, acabam não se desenvolvendo. Talvez isso, explique porque Kaspar Hauser não te nha conseguido construir significados.

Tudo isso aponta para questões extracurriculares (sociais e políticas, por exemplo) que afetam o processo de aprendizagem. Ainda que os alunos brasileiros não estejam efetivamente aprisionados como Kaspar Hauser foi, é inegável que há outros tipos de prisões e cerceamentos que afetam o entendimento da realidade.

Comparações injustas

Entre os 72 países que participaram do exame do Pisa, o Brasil tem a segunda menor proporção de pais com nível superior: 15%. Perde apenas para a Indonésia. Para realizar suas reformas, os países que hoje são tidos como vitrine levaram décadas. Outra razão lógica pela qual o Brasil levaria muito mais tempo para se formar: a rede pública finlandesa tem um total de aproximadamente 540 mil alunos, enquanto a brasileira tem 38 milhões apenas nas escolas municipais e estaduais. Em 2015, o Ministério da Educação definiu o custo anual por aluno em R$ 2.545,31 – valor de uma mensalidade em diversos colégios particulares. O investimento ainda não é realidade. Na Finlândia e na Coreia do Sul, países apontados como exemplos de sistemas educacionais, o valor investido por aluno é quatro vezes maior e o salário inicial de um professor de ensino fundamental é em torno de R$ 7.800.

A educação para além do conteúdo

A mudança curricular feita pelo MEC aponta cada vez mais para a questão do significado. Na edição 116, da Revista NORDESTE, o professor José Eustáquio Romão abordou a prática didática de Paulo Freire, seu amigo pessoal. Romão explicou que a didática do pernambucano fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática de leitura da realidade. Essa visão se contraporia ao que ele chamava de educação bancária, tecnicista e alienante: onde o professor depositaria o seu conhecimento num aluno desprovido de crítica ou entendimento próprio. No método freiriano o educando criaria sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído. Toda a mudança proposta pela atual equipe do MEC e de Michel Temer aponta para uma educação altamente tecnicista e compartimentada. Essa partição está expressa na reforma do ensino médio, sancionada em fevereiro pelo presidente. O texto estabelece a segmentação de disciplinas de acordo com áreas do conhecimento e a implementação gradual do ensino integral. Ao que tudo indica, a intenção é formar técnicos, não instruir.

A questão tecnicista e de instrução está na base da discussão sobre as mudanças curriculares. Para entender, a BNCC estabelece dez competências que devem ser desenvolvidas ao longo de toda a educação básica, que inclui também o ensino médio. Uma delas é que os estudantes sejam capazes de “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer”. Na versão entregue aos jornalistas, entre as palavras gênero e idade, havia o termo “orientação sexual”. Também houve alteração no trecho em que a BNCC destaca que os sistemas e redes de ensino devem incorporar aos currículos alguns temas “contemporâneos que afetam a vida humana”. Na versão entregue aos jornalistas apareciam os temas “sexualidade e gênero”. A versão final restringiu-se ao termo “sexualidade”. Quando trata das habilidades a serem desenvolvidas em ciências, no 8º ano, a versão dos jornalistas incluía a necessidade de acolher a diversidade de indivíduos, sem preconceitos baseados na identidade de gênero e orientação sexual. A última versão traz apenas a expressão “diferenças de gênero”.

Sobre alteração, em nota o MEC justifica que o documento mantêm “como pressupostos o respeito, a abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção religiosa ou de qualquer natureza e a promoção dos direitos humanos”.

A mudança no documento provocou reações de setores da sociedade. O secretário de Educação do Ceará e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Idilvan Alencar, considerou “estranhas” as alterações. “Acho um desrespeito com todo o debate que foi feito. Retirar o debate da orientação sexual e da identidade de gênero mascara a situação real que existe na escola hoje. Uma das causas do abandono é a homofobia. Quando se retira isso da BNCC, afasta-se do mundo real, é muito grave”, afirmou o secretário. Segundo o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que reúne mais de 200 organizações civis, Daniel Cara, a BNCC deve se adequar à Constituição Federal, que define que todos têm que ser iguais perante a lei. “É injustificável a retirada [do termo orientação sexual e da discussão sobre questões de gênero]. A escola tem missão de garantir que na sociedade todos respeitem todas as formas de identidade. Não colocar essa questão na BNCC significa que não vão refletir sobre um país que é machista, misógino, homofóbico. É um recuo grave.” A retirada do termo orientação sexual e das discussões sobre questões de gênero da BNCC era demanda de setores conservadores do Congresso Nacional.

Notas da rede federal melhores que na privada

Em 2015, o MEC já havia vivido uma polêmica quando o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou a educação de 72 países e, no Brasil, a rede federal se destacou com notas muito acima da rede particular e equivalente ao desempenho da Coreia do Sul, tido como caso de sucesso. O órgão minimizou o bom desempenho das escolas públicas federais. No Pisa o país ficou em 63º lugar entre 72 países. O exame avalia jovens de 15 anos, independentemente do ano escolar em que se encontrem, e compara a qualidade de ensino em diferentes países em três áreas: Ciência, Leitura e Matemática. A nota reúne os resultados de escolas públicas e particulares. Assim como em outros anos, o Brasil ficou abaixo da média internacional. Contudo as escolas federais obtiveram ótimos índices. As federais se fossem avaliadas com um país a parte obteriam o 11º lugar no ranking internacional, um ponto acima da tida como exemplar Coreia do Sul, que teve uma média de 516 pontos. Escolas particulares obtiveram 487 pontos em Ciências, enquanto a média da OCDE, índice usado como nota de corte da avaliação, foi de 493. Porém, para o INEP.


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