BRASIL

Revista NORDESTE: (Muitos) Erros e (Poucos) Acertos da Educação Nacional

Proposições para uma agenda afirmativa de um possível Projeto de Nação

Nesta segunda parte do ensaio sobre educação nacional é traçado painel sobre educação desde pré-escola até nível superior. Educação deve sofrer reformulações até 2030 com adesão de novas técnicas e visões sobre interação entre homem e máquina

Por MARCOS FORMIGA

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Introdução

A rápida circulação e as surpreendentes respostas à primeira parte desta reflexão aumentaram o compromisso em elaborar a continuidade do ensaio, agora com visão prospectiva e subsídios a um possível Projeto de Nação, a partir de uma base educacional de qualidade.

Longe está a ideia de apresentar respostas definitivas, mas,agora, mira-se o futuro da educação nacional com os desafios atuais que a cerceiam. Busca-se a necessidade de modernização para um setor vital da Sociedade que, mesmo altamente deficitário, já convive e utiliza, em alguma medida, algumas facilidades e serviços da Era do Conhecimento, com custo de aquisição e acesso continuamente decrescentes. A estrutura socioeconômica atrasada, a prevalência do baixo nível de escolaridade, e a existência de um significativo número de analfabetos formais e funcionais confluem para um problema maior a superar: a perversa desigualdade e concentração de renda responsável pela clivagem que divide a população brasileira em muitos pobres e poucos ricos.

Combater e atenuar o problema da desigualdade de renda é um gerador contínuo, espécie de moto-perpétuo, que deflagra e multiplica outros desequilíbrios: desagregação familiar, insegurança pessoal e coletiva, desemprego, sub-habitação, limitada mobilidade, desnutrição, doenças da pobreza, poluição e ambiente insalubre.

Neste panorama socioeconômico quase sempre desolador surge a educação como bússola de nossos horizontes ou bote salva-vidas para enfrentamento das dificuldades crescentes. Ao reexaminar o sentido da educação de qualidade nossa preocupação principal é com a democratização do acesso ao Conhecimento, e a aprendizagem significativa das crianças e jovens de hoje, e amanhã, como adultos profissionais capazes de gerar e fruir dos benefícios das novas tecnologias como suporte a maiores oportunidades de empregabilidade, renda e capacidade empreendedora. Diminuindo assim, as assimetrias regionais e as desigualdades pessoais de renda.

Em exercício de antecipação e construção de possíveis cenários como explorar as benesses da “Sociedade do Conhecimento e Inovação”, nos deparamos com certezas e dúvidas da economia digital: a Super Automação ou Indústria de Quarta Geração, robotização e inteligência artificial e disseminação exponencial das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação). Essa nova revolução tecnológica, antes restrita ao setor industrial alcançará todos os setores indistintamente, e em especial, os sistemas educacionais.

Ora, se o sistema educacional brasileiro se encontra ainda em patamar rígido do “velho paradigma de aprendizagem”, arcaico e ultrapassado, devem, portanto, seus responsáveis resolver seus seculares e crônicos problemas acumulados em uma sociedade excludente, injusta e indiferente à situação da maioria da população. Com mais razão, este novo “choque de futuro” encontrará um sistema de aprendizagem que clama por uma verdadeira revolução para saldar débitos acumulados do passado e fazer frente ao “admirável mundo novo” que abre suas asas.

O Brasil não pode se contentar com pequenas e pontuais reformas: os exemplos são pródigos: na primeira década deste século, o governo federal ocupou-se com uma proposta equivocada desde o nome: “Reforma da Universidade” ao qual o pragmatismo do setor empresarial da indústria advertiu sobre a inadequada terminologia. Com apenas duas centenas de universidades e um caótico e disforme sistema universitário composto predominantemente por unidades isoladas que excedem 2.400 instituições, o País devia, e precisa, focar, como um todo, o “Sistema de Educação Superior”, à época, com mais de 6 milhões de estudantes, ao invés de somente as universidades que sobreviviam, e ainda convivem, com a inconclusa Reforma de 1968.

A frustrada reforma recebeu do poder executivo a classificação de – urgência urgentíssima -, para logo cair no esquecimento (retirada e não votada) e reduzida a dois pequenos paliativos: REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e PROUNI (Programa Universidade Para Todos), este, beneficiando as instituições privadas ao diminuir a ociosidade dos cursos. Na mesma época acenou-se com a sétima tentativa inócua de criação de uma verdadeira Universidade Aberta nos moldes da paradigmática “Open University” do Reino Unido. Resultado: optou-se por uma alternativa mais econômica e convencional de um programa de formação de professores (sem dúvida justificável) com as vagas dos cursos tradicionais existentes nas instituições públicas, denominado UAB (Universidade Aberta do Brasil). Na “Open University” o acesso à educação universitária aberta é relativamente simples; difícil é concluir com sucesso. Exige-se dos estudantes trabalho persistente e de qualidade, incomum em ambos sistemas aqui: presencial e à distância.

A despeito das relatadas incongruências e fragilidades de planejamento e execução, em 50 anos, o Brasil organizou, graças a CAPES e o CNPq um sistema de pós-graduação e pesquisa com exigências de padrão de qualidade próximo ou igual aos do mundo desenvolvido.

As disputadas universidades têm problemas, porém atraem a atenção da mídia e da sociedade. O jovem sonha (e principalmente seus pais) estudar em universidade de prestígio, embora desconheça as reais tensões e fragilidades da educação básica, sem exceção: da Pré-Escola ao Ensino Médio. O País não pode se contentar apenas com a atual e discutida Reforma do Ensino Médio (Ensino Médio, outro equívoco terminológico da Lei de Diretrizes e Bases – LDB). O fato é que, mesmo urgente, não será suficiente em um sistema educacional completamente disfuncional em todas suas etapas. Portanto,a solução não pode ser parcial. A Sociedade precisa aprender a cobrar do executivo e do legislativo uma reforma educacional completa de “A a Z”, da Pré-Escola à Pós-Graduação – condição “sinequa non” para a Sociedade do Conhecimento.

Brasília, dezembro de 2016.
Marcos Formiga. 

Educação de Qualidade ou Qualidade em Educação

Uma concepção de Educação de Qualidade abrange princípios comprometidos com as crianças e os jovens de hoje, e principalmente, seu futuro, em uma realidade de mudanças crescentes e ambiente de trabalho que se antecipa à prontidão do sistema educacional.

A Educação de Qualidade prioriza o estudante, seja criança, jovem ou adulto, ao perseguir resultados efetivos na aprendizagem. Denominada Aprendizagem Significativa expressa o pleno domínio cognitivo sobre habilidades de leitura e numeração. O estudante, nessa abordagem, é capaz de se expressar ao falar, escrever e externar o pensamento lógico de maneira clara, bem como usar o raciocínio para operações fundamentais e quantificação do cotidiano contextualizado: medidas e pesos, cálculo de áreas, identificação de formas geométricas, finanças básicas, poupar e usar a moeda, iniciação em programação de computador, princípios básicos de engenharia e gamificação para solução de problemas. Errar será parte do processo, deve encarar com segurança, refazer até acertar, sem medo.

Com concepção fluida, a expressão Qualidade em Educação é muito utilizada, mas pouco compreendida. Não existe um conceito único ou definição universal. Sem aprisionar o conceito ou tentar, em vão, defini-la, é preferível estabelecer alguns parâmetros que, conjuntamente, permitam compreender claramente seu significado. 

A seguir, serão explicitados alguns atributos e características inerentes à educação de qualidade

Conteúdos – objetivos sintéticos e contextualizados que dispensam enciclopedistas e excessos teóricos – a realidade do mundo físico que nos rodeia compreendido sem meio termo como categoria geral do conhecimento, sem obrigatoriedade de segmentação em disciplinas, matérias acadêmicas, e, sim, um componente de conhecimento sistematizado, minimamente organizado em nível de dificuldade crescente na medida em que se aprofunda sobre o gradiente de sua abrangência –. Com o alargamento das fronteiras nos séculos XVII e XVIII, os iluministas e enciclopedistas preferiram agregar diversos campos do conhecimento em disciplinas para melhor sistematizar a expansão das novas descobertas – surgem as primeiras sociedades e revistas científicas especializadas, avança a técnica, e inicia-se a pesquisa científica com a organização de laboratórios individualizados por área. Deste modo, o desenvolvimento científico levou a um distanciamento isolado de cada disciplina, agora, requer uma revisão radical alinhada com a Sociedade do Conhecimento.

Comunicação – condição indispensável e agregada à aprendizagem, é um meio pelo qual os interlocutores – mestres e aprendizes, mestres e mestres, aprendizes e aprendizes – trocam informações, discutem conteúdos, analisam a compreensão (normalmente diferenciada e individualizada), aplicam e medem os resultados confrontando-os com as metas a atingir. A comunicação ocorre pela expressão oral ou representada (exemplo: linguagem em Libra ou Braille). Não há educação sem comunicação.

T.I – Tecnologias da informação – ou usualmente conhecidas por TICs. Item obrigatório do programa atual de inovação norte-americana (2016). No mundo digital, por meio da Internet, dispositivos eletrônicos de áudio, imagens, usualmente integradas em multimídia abrangem também o material didático (livros impressos, atlas geográficos ou biológicos, dicionários e outros), livros eletrônicos, portais, sites, blogs e toda a expansão da “Galáxia de Guttemberg”. Os novos paradigmas da aprendizagem e os desafios da Era do Conhecimento turbinam-se na Internet e alavancam o crescimento vertiginoso da educação aberta, flexível e à distância (ou, simplesmente, Aprendizagem Flexível). As céleres e contínuas mudanças nas TICs, e a rede mundial aproximam instituições e pessoas conectando-as e permitindo o funcionamento pleno de uma Sociedade em Rede prevista por Manuel Castells em 1998.

Equipes docentes – e grupos de pesquisadores, aos poucos se aproximam dos pares, mas a disponibilização exponencial do conhecimento já não permite a divisão esquemática em disciplinas. A complexidade crescente demandará, inexoravelmente, a uma compreensão inter, multi e pluridisciplinar. O conhecimento será melhor compreendido em setores integrados e compartilhados simultaneamente. Hoje, tratamos de problemas complexos como energia, poluição, bioeconomia, nanotecnologia, estudos do futuro, por exemplo. Esta realidade leva os países (Finlândia, Coreia do Sul, Singapura, China-Xangai, Canada e USA) a repensarem os conteúdos curriculares da escola básica: em vez da visão limitada unidisciplinar, optaram pela correlação de conteúdo. O bom exemplo na sigla em inglês comprova a realidade: STEM (S de Ciência, T de Tecnologia, E de Engenharia e M de Matemática). Nos países em desenvolvimento perde-se tempo formando licenciados em matemática, física, biologia e química, ou seja, o passado não morreu e o futuro ainda tarda em chegar.

Infraestrutura e logística – de apoio, instalações, equipamentos, acessibilidade e conectividade – nossas escolas (cerca de 150 mil) ainda carecem de itens básicos: energia elétrica e água tratada. Como se pode falar em educação do futuro – prática presente em escolas de elite e em todos países desenvolvidos – quando ainda faltam os elementos mínimos para a educação de qualidade funcionar para seus estudantes e professores? Aliam-se aos males do subdesenvolvimento tão fortemente presentes em nossas escolas: falta de higiene, má conservação de equipamentos, pichação, tempo parcial de educação de professores e alunos, gestão amadora e práticas pedagógicas e andrológicas com falência exposta, com os ultrapassados quadro negro e giz e ainda um professor de costa para seus alunos.

Governança acadêmica e administrativa – pesquisas internacionais comprovam ser a liderança e capacidade gerencial do dirigente o primeiro fator do êxito de uma instituição escolar; em seguida, vem a seleção, composição e proficiência dos professores. Complementarmente, surgem os atributos de qualidade física, estrutural e logística. O mundo escolar não se restringe às instalações, corpos docente e discente. Há outros atores com papel de protagonista no conjunto. A sociedade (vila, bairro, cidade) a quem deve prestar conta anualmente do desempenho. Bons exemplos devem sempre ilustrar boas práticas: as escolas da Califórnia prestam conta a um conselho assessor da comunidade e não ao ministério da educação (dispensável na estrutura federativa americana), secretaria estadual ou municipal. A avaliação começa na sociedade que cobra, acompanha e monitora o desempenho da escola. Outro exemplo: no sistema escolar da Coreia do Sul o professor é o responsável direto pela aprovação/reprovação do aluno, sendo cobrado, inicialmente, pela avaliação de desempenho do aluno. Outro protagonista do processo é a família, pai, mãe ou responsável pelo estudante. Exemplos exitosos demonstram que o processo educacional é o encontro amistoso e insubstituível da família e a direção, corpo docente e administrativo da escola. A desestruturação crescente da célula familiar brasileira complica nossa complexa realidade.

Sustentabilidade financeira – a escola para bem funcionar precisa de autonomia didática, acadêmica e financeira. Não se resume ao pagamento automático por órgão centralizado de dirigentes, professores e funcionários. Sua eficiência depende de uma caixa escolar – fundo financeiro, compulsório proporcional ao tamanho físico da instituição e contingente de estudantes. A escola é um misto de lar e empresa. Do ponto de vista administrativo deve dispor de receita mínima garantida para enfrentar circunstâncias ocasionais comuns à dona de casa ou empresário. Nesse contexto, o diretor(a) precisa ter a capacidade e responsabilidade de gerir esse fundo escolar tratando-o como patrimônio público que exige preservação e prestação de contas mensal e anual. Atualmente, o Brasil, registra uma tendência crescentemente benéfica das empresas disporem de unidade de aprendizagem (miram-se na escola). Por que não a escola buscar parâmetros de eficiência empresarial para melhorar seu desempenho?

Avaliação – escola ou unidade de aprendizagem e seus componentes exigem constante avaliação de desempenho e análise de resultados. A primeira avaliação deve buscar responder à pergunta: o aluno está efetivamente aprendendo, e seu desenvolvimento cognitivo em evolução? – Correções, naturalmente, serão necessárias por meio de constante monitoramento, de modo a não deixar nenhum aprendiz para trás. Some-se a isso, as avaliações dos professores, funcionários e dirigentes. Não se trata de mega-exames (ENEM) midiáticos e neurotizantes. Avaliar e ser avaliado deve ser atividade cotidiana indispensável ao processo de aprendizagem. Todos agentes da própria escola devem ser avaliados pela sociedade e suas famílias. A subjetividade inerente do processo de avaliação não pode ser neutralizada, mas deve minimizar efeitos para evitar vieses, preferências e parcialidade. Atividade de participação coletiva e negociação permanente, a avaliação não pode objetivar punir ou premiar, mas aperfeiçoar a aprendizagem, reforçando os aspectos positivos e eliminando evidências negativas. Avaliar é um exercício coletivo da comunidade escolar. Não é um jogo amigável, é cobrança séria,“accountability” (Responsabilização).

Inclusão e equidade – recomendações da UNESCO aos governos: “O Desenvolvimento Social promove melhoria no bem-estar humano e na equidade, compatíveis com a Democracia, a Justiça e a Cidadania. A educação é facilitadora poderosa, além de um aspecto fundamental do Desenvolvimento Social. O Desenvolvimento Social inclusivo requer uma oferta de serviços essenciais como a educação, saúde, água, saneamento, energia, transporte e moradia, e combate à marginalização e a discriminação.”
Por “Equidade se compreende não deixar ninguém para trás”. Tal princípio permeia a agenda 2030 dos 17 Objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), incluindo o ODS-4 sobre Educação. O Relatório de Monitoramento Global da Educação (GEM) que lida com essa agenda acompanha três questões principais: “medir a desigualdade social e sua evolução; coletar informações para identificar indivíduos membro de grupos vulneráveis; identificar quais aspectos mais simples da desigualdade na educação pode ser medido, além da paridade.”
Pôr em prática tais princípios como compromissos intransferíveis e inadiáveis da Sociedade e Governos nos três níveis, não exige emitir novos instrumentos legais coercitivos (decreto, medida provisória, etc.), comuns no Brasil onde a essência é correntemente substituída pelo perfunctório. O País precisa discutir e implementar de forma eficaz os fundamentos, racionalidade e instrumentos de uma proposta factível às características do desafio educacional.  

A importância da Educação Básica como pilar estruturante do processo de aprendizagem

Para os iniciados soa familiar a sequência lógica do sistema educacional brasileiro: Pré-Escola, para faixa etária de 0 a 5 anos (creche, maternal, jardim de infância e classe de alfabetização), Escola Fundamental, de 6 a 13 anos (dividida em 2 ciclos: 6 a 10 anos e 11 a 14 anos), Ensino Médio, de 15 a 17 anos que compreende educação técnica/profissional, EJA- Educação de Jovens e Adultos (supletivo ou segunda chance para aqueles com defasagem idade-série), Educação Especial para portadores de limitação física ou cognitiva e superdotados, ou altas habilidades (aproximadamente 10% de crianças e jovens ultrapassam largamente o ritmo de aprendizagem dos colegas). A combinação dos níveis fundamental (anos iniciais e finais) e médio, acrescido da modalidade especial, formam a Educação Básica.

Na escola fundamental, anos iniciais, no Brasil cresceram o número de matrículas, ao ponto de as autoridades apregoarem a universalização – ainda não verdadeira -, com 97% de matrículas. Na Pré-Escola a indigência é quase total pela inexistência de creches e limitadas vagas de educação infantil. Nesse cotidiano brasileiro prevalecem as conhecidas filas de mães e pais que passam a noite em busca de vaga neste nível educativo. Um paralelo ilustrativo é a área de saúde pública, caracterizada pela precariedade e escassez do sistema de esgotos e fossas sanitárias (cobertura a apenas 52% da população) e falta generalizada de higiene. Este quadro responde pela maioria das doenças parasitárias, infecções infantis e alta mortalidade infantil. Tal qual a saúde infantil, a Pré-Escola é indispensável para garantir a persistência, continuidade e progressão na vida educacional. A criança que vivencia a Pré-Escola dificilmente interrompe a sequência de aprendizagem.

O gigantesco número de alunos da Escola Básica brasileira, em torno de 50 milhões, sofre deficiências em todos os estágios da aprendizagem: precariedade das instalações, dificuldades de acesso e mobilidade, professores com limitações de proficiência, gestão amadora, inexistência de laboratórios de ciências e infraestrutura de informática, insegurança, bullying e violência. O Ensino Médio além de tais mazelas, em 2014, apresentou baixa cobertura (85,2%) e reduzido nível de conclusão (56,7%). O mais grave: entre os concluintes somente 18% demonstram, em Português, nível de aprendizagem, compatível com o exigido; 13% em Ciências e 10% em Matemática. Esta triste realidade deve-se, entre outras causas, ao enciclopedismo, excesso de disciplinas e baixa eficácia de um sistema de ensino que ignora a vida e local de residência dos estudantes e repudia o mercado de trabalho. Timidamente, o atual projeto de reforma pretende corrigir algumas dessas distorções.

No nível médio as escolas técnicas federais apresentam os melhores indicadores de qualidade ao lado daquelas do Sistema “S”. As primeiras passaram por uma recente e estranha reforma equiparando-as às universidades, inclusive, na denominação de “Reitor” ao dirigente. Este modelo ressalta, de forma pouco eficaz, a influência negativa das universidades do sistema federal, ameaçando a reconhecida qualidade das escolas técnicas federais.

Ademais, o sistema de Ensino Médio centra atenção na oferta enquanto o mercado responde com a demanda, que não converge nem dispõe do profissional que procura.

Na Economia do Conhecimento a Escola Básica tem um novo papel de fomentar e construir mentes talentosas. Há uma procura incessante pelo talento de jovens homens e mulheres capazes de realizar encargos profissionais de forma diferente, agregando valor e inteligência ao trabalho, de forma diferenciada. Este é um aspecto até certo ponto contraditório do sistema de formação. Quando busca equidade e inclusão social pela aprendizagem, o sistema concorrencial acirra a competição e as empresas buscam abertamente aqueles que fazem a diferença, daí se falar em “talentismo” como uma habilidade, atributo, subjetivo que foge dos padrões do sistema clássico de formação.

Esta tensão detectada entre formação e mundo do trabalho deve ser superada pela garantia da educação de qualidade para todos onde nem um aprendiz pode ser deixado para trás pois cada indivíduo, menino ou menina, deve ser tratado como único. 

Na condução destes contingentes numerosos de aprendizes deve-se respeitar sem constrangimento opções políticas, divergências ideológicas, credo religioso, diversidade de gênero e diferentes cores de pele e cabelos.

Cabe aos dirigentes e professores do sistema educacional zelar e proporcionar um clima verdadeiramente amigável de aprendizagem. É exigência irrenunciável escolher dirigentes competentes e com capacidade de liderar, e professores bem informados, motivados, valorizados e reconhecidos pela combinação de elementos guiados pelo mérito.

Construção de um cenário propositivo. Sim, somos capazes

“Se estamos com medo de que a inteligência artificial e os robôs tomem nossos empregos, é preciso mudar nosso tipo de educação baseada em exames nos quais uma inteligência artificial poderia ser aprovada.”
Joi Ito – Diretor do MIT – Media Lab/2016

Após argumentar sobre a importância estratégica da Educação Básica, com princípios de qualidade, em um possível Projeto de Nação, a parte final desta reflexão chega ao ponto de propor o tipo de Educação que o País exige para superar a difícil situação atual de um sistema inadequado, retrógrado e sem futuro. Como inverter esta perspectiva por vezes cética, pessimista, ao ponto de exprimir o provável insucesso do Brasil, também na educação?

Recorre-se inicialmente à História Econômica para evidenciar um País explorado à exaustão como colônia e que, erradamente, cultivou a escravidão indígena e africana, tornando-se retardatário na corrida pela industrialização (perdemos a Primeira e a Segunda Revolução industrial). Em contraponto, os Estados Unidos, mais de 100 anos depois do início da ocupação europeia, foi capaz de participar modestamente da Primeira Revolução Industrial, integrar-se à Segunda e liderar a Terceira. Ao que tudo indica, aproxima-se o final de seu apogeu (será rapidamente substituído como potência econômica líder pela China no início da próxima década), mesmo assim, terá força e competência tecnológica para liderar a Quarta Revolução Industrial, em pleno processo, também chamada de Super Automação. 

Ao Brasil restou chegar tardiamente à corrida pela industrialização. Somente após a Revolução de 1930 demos os passos fundamentais nesta direção, e mais uma vez recorremos à lucidez e pioneirismo do pensamento autônomo de Celso Furtado para demonstrar a capacidade nacional. Uma política anticíclica Pós crise de 1929 transferiu para o setor industrial a poupança do meio rural de uma sociedade dominada pela agricultura de exportação. Nessa lógica o empreendedorismo “Schumpeteriano”paulista inicia a instalação da indústria pesada, aproveitando a abundância de recursos naturais de um território privilegiado e pleno de riquezas. O País supera o oligopólio rural dos donos do poder (política café com leite) para implementar as bases de uma indústria siderúrgica que se diversificou sob a égide do processo de substituição de importações, permitindo mudar radicalmente, a partir da década de 1950, seu perfil agropecuário de população predominantemente rural, para industrializado e urbano. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento a romper o determinismo histórico do atraso, ao ponto de em 50 anos (1930 e 1980), ser superado apenas pelo Japão em índices de crescimento cumulativo. Desde então, integra o pequeno clube de 10 países com maior Produto Interno Bruto – PIB. A trajetória, todavia, é oscilante, sobretudo, a partir da segunda década do regime militar seguida da conturbada transição para a Democracia com instabilidade política, financeira econômica, intercalado por breves intervalos de progresso. Ora avança, ora recua, e assim continua até nossos dias. O certo é que temos porte econômico assentado em bases frágeis de desenvolvimento social, com Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, em 75ª colocação (2015) incompatível com o perfil econômico robusto do País.

No campo social o Brasil deve centrar foco em corrigir os estrangulamentos do desenvolvimento desigual com extrema concentração de renda. O caminho é claro e possível. Outros países superaram o desafio definindo a Educação como pré-requisito fundamental para alavancar o desenvolvimento: Escandinávia desde os anos 1930 e o Sudeste Asiático, mais recentemente, são exemplos que comprovam o acerto e viabilidade da decisão: Educação Básica de Qualidade, obtida por um programa de investimento de longo prazo nunca inferior a 3 décadas.

Corrigir o enorme fosso de desigualdade social por meio de um projeto com prioridade em Educação não será opção fácil. Em 516 anos de nossa civilização a Educação jamais foi prioridade para um Projeto de Nação, seja qual orientação de governo: civil ou militar, direita ou esquerda, Democracia ou ditadura. 

O tempo não espera, não há mais espaço para postergação. Na atual era, Economia do Conhecimento e Inovação o Brasil e seu povo merecem tratamento com seriedade e determinação.

No Século XX ainda era possível uma industrialização de alta pegada de carbono com exércitos de analfabetos, semiletrados ou analfabetos funcionais. No momento, quando já acontece a Quarta Revolução Industrial, isto é definitivamente impossível. Portanto, para não regredir e deixar o bloco das 10 maiores economias, torna-se imperativo um esforço concertado para realizar o desenvolvimento social e retirar a maioria da população brasileira da pobreza e condição de renda média (cerca de US$ 9.200mil per capita). A saída é única: Revolução pacífica e contínua pela Educação de Qualidade em todos os níveis começando por esforço concentrado na Educação Básica. Obviamente esta revolução deve ser acompanhada pelas sempre adiadas reformas: fiscal, política, trabalhista, tributária, agrária e urbana.

Escola de qualidade até 2030

No final da primeira parte deste ensaio, antecipamos, rapidamente, o desenho para o Brasil à exemplo do que ocorre em países que tratam a educação a sério e pilar básico de nação.

Anualmente, acontece em Doha-Qatar no Golfo Pérsico o WISE, sigla em inglês para Cúpula Mundial da Inovação em Educação, um dos maiores eventos mundiais do setor, ao qual participamos comprovando sua indiscutível relevância. Em 2015, por iniciativa do WISE, 645 especialistas internacionais participaram de uma pesquisa sobre as características futuras da escola, em 2030, cujos principais resultados aqui sintetizamos. 

Lembramos que INEP e USP, em 1989, após Promulgação da Constituição de 1988, realizaram o projeto “Escola do Futuro da USP”, iniciativa pioneira no Brasil para capitalizar a evolução proporcionada pela Internet, ainda em seus primórdios, preparando estudantes e professores para a aprendizagem científica, à exemplo da prática em países líderes com escolas de perfil futurista. Com 27 anos de experiência, o sucesso da “Escola do Futuro da USP” não foi largamente replicado como desejava seus idealizadores. Tornou-se, a contragosto, um modelo piloto isolado, ao invés de uma rede expandida de equidade e inclusão educacional para os Estados da Federação, no campo e cidades.

Segundo a pesquisa WISE, até 2030, a banda larga e as TICs tornarão as Escolas ambientes interativos completamente conectados, virando de ponta cabeça a forma tradicional de aprender e o modo de vida de professores estudantes e familiares. As escolas se tornarão redes, deixando a existência isolada atual para um espaço de interação entre alunos e professores. Neste ambiente disruptivo a prática da aprendizagem colaborativa exigirá de todos um desempenho ativo. Em consequência, a tradicional aula expositiva, tipo palestra, vai desaparecer. O novo papel do professor o converterá de transmissor do conhecimento a guia, mentor contextualizado, do estudante sujeito de seu próprio processo de aprendizagem. O mais importante: a aprendizagem não se restringirá ao tempo na sala de aula ou da escola; será permanente em qualquer ambiente e ao longo da vida. Na Aprendizagem ao Longo da Vida (sigla em inglês, LLL) não haverá tempo para férias do conhecimento, todos estarão sempre aprendendo. Com o conhecimento ao alcance de todos, os conteúdos serão flexíveis e os currículos literalmente desmontados e redesenhados conforme a necessidade de cada aprendiz, criança, jovem, adulto ou idoso.

As habilidades básicas individuais (alfabetização, domínio digital do uso de dispositivos, numeração, leitura, comunicação plena escrita e oral e multimídia) prevalecerão diante do conhecimento acadêmico. 

A rede mundial (Internet) é considerada a principal fonte de conhecimento, e o inglês a língua instrumental majoritária, esperando-se, no futuro, a popularização do mandarim.

O ambiente escolar será transformado, modernizado: sala de aula com quadro negro e cadeiras fixas dará lugar a espaços arejados e ajardinados à exemplo das Escolas Classe e Escolas Parque implementadas por Anísio Teixeira, nosso maior educador, na Bahia e Distrito Federal. Muito mais: as escolas terão cadeiras e mesas sobre rodas, não fixas, permitindo arranjos variados como pequenos escritórios estimulando os estudantes a trabalharem em equipe. Em vez de limitada a salas específicas, as atuais facilidades de informática estarão distribuídas em múltiplos ambientes e dispositivos: computadores, tablets, smartphones, jogos e internet das coisas.

A Inovação será a chave de todo processo educacional. Nesta nova realidade, mais importante que utilizar os múltiplos dispositivos digitais futuristas será desenvolver habilidades para “navegar”, localizar, priorizar e separar, na multiplicidade de dados e informações; distinguir e selecionar o relevante e útil para a aprendizagem. A chamada “Aprendizagem Analítica”, com propriedade, vantagem e aplicação prática, substituirá as tradicionais análises morfológicas e sintáticas. Ao seu lado estarão o “Big Data”, grandes bases de dados, informações e ambientes virtuais e de realidade aumentada, disponíveis para aprender, simular, experimentar, interpretar e selecionar conteúdos relevantes. Este acesso, contudo, será seletivo, pois ”Big Data” envolve analítica sofisticada reservadaa poucos. Estudantes serão beneficiados, contudo, sem acesso direto à fonte primária dos dados. Alertamos para possíveis consequências nefastas do “Big Data” com algoritmos e códigos digitais que produzem e estabelecem exigências a serem obedecidas.

Os pesquisadores do estudo WISE definiram “Chaves da Escola do Futuro”, as quais devem ser entendidas como exercício prospectivo sem uma ordem de importância ou hierarquia, pois o mundo em rede é, por natureza, não hierárquico. De certo modo, sintetiza antecipações de uma revolução em curso que precisa chegar o quanto antes ao Brasil.

As chaves da Escola do Futuro

1 – Das fontes de informações qualificadas ao valor do click.

2 – A inovação em educação será o atributo mais importante.

3 – As habilidades pessoais sobrepõem-se ao conhecimento acadêmico.

4 – O diploma não será mais importante; será substituído pela certificação e avaliação de habilidades como gestão, colaboração e criatividade.

5 – Ensinar e aprender são processos muito diferentes; o professor será um guia, não mais transmissor de conhecimento; o estudante será o centro do processo de aprendizagem (aprender a aprender).

6 – Educação se converterá em aprendizagem ao longo da vida (LLL). Ou seja, haverá uma continuidade progressiva de substituição da Pedagogia (para crianças) pela Andragogia (para jovens e adultos), e desta pela abrangente Heutagogia (quando todos poderão livremente gerenciar o próprio conhecimento). Currículos serão desmontados, planos de estudos sob medida para cada estudante. Exs: School in the Cloud (Big questions). (https://www.theschoolinthecloud.org/).

7 – O setor público não mais detém o monopólio da educação. Financiamento misto público/privado maximizará a acessibilidade sem comprometer a diversidade.

8 – O acesso e ou uso do BIG DATA mudará radicalmente o ambiente educacional.

 

Prontidão para o futuro, a título de não-conclusão

‣ Desaprender parte do sistema de educação tradicional. Deixar para as máquinas (Inteligência Artificial – IA) as atividades por elas melhor desempenhadas;
‣ Incorporar o desenvolvimento de habilidades pessoais que máquinas não podem executar: análise e decisão contextualizadas, liderança, criatividade, entre outras (desafio contínuo);
‣ Preparar-se para o permanente avanço da Singularidade (fenômeno de superação da inteligência biológica pela artificial prevista para acontecer nos próximos 25 anos) e da Convergência Tecnológica (Interseção das Neurociências, Biotecnologia, Nanotecnologia e TICs);
‣ Desenvolver a capacidade de intuição, criação e colaboração social, como em sistemas vivos complexos e de alta organização (formigas, abelhas, aves, peixes, etc.,). As profissões do futuro serão baseadas em habilidades criativas grupais.

Nos planos da Sociedade e dos Governos, será inexorável elaborar a Política Econômica afinada à Política Social: acabar, de vez, com a supremacia do econômico sobre o social, corrigindo-se, assim, uma histórica e injusta inversão. E na Política Social definir como objetivo maior e permanente o compromisso e ação com a Educação Básica de Qualidade – pilar central de um Projeto de Nação. Oxalá, finalmente!
 

Marcos Formiga é professor da UnB, do Núcleo de Estudos do Futuro do Centro de Estudo Avançados Multidisciplinares CEAM/UNB. Ex-superintendente da Sudene. Entre outros cargos, participa, atualmente, do conselho fiscal do Centro Internacional Celso Furtado. 

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