BRASIL

Revista NORDESTE: O Teto da Discórdia

A Câmara Federal aprovou em dois turnos a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, agora PEC 55, apresentada pelo Governo de Michel Temer, chamada de PEC do Teto. A matériajá foi aprovada em primeiro turno no Senado.

A PEC vai estabelecer um limite de gastos públicos para os três poderes nos próximos 20 anos. A proposta, segundo o Governo, é de que a partir de 2017 as despesas primárias da União fiquem limitadas ao que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação. Ou seja, em 2017, a despesa em termos reais (isto é, descontada a inflação ocorrida em 2016) ficará igual à realizada em 2016. Por sua vez, em 2018, o limite anual será o teto de 2017 acrescido da inflação em 2017. E assim por diante, enquanto a PEC estiver em vigor.

Desde que o Governo apresentou a proposta, uma pergunta vem se multiplicando: 'Se vai ter cortes nas escolas e nos hospitais, por que não nos benefícios de juízes?'. É assim que muitas pessoas estão se manifestando nas redes sociais. As críticas se devem principalmente ao fato de que a Saúde e a Educação serão afetadas pelo limite de gastos, mas os benefícios recebidos por juízes, deputados e senadores não serão afetados da mesma forma.

Segundo o Governo o objetivo é conter a expansão da despesa pública primária que, no período 2008-2015, cresceu, anualmente, em média, 6% acima da inflação. O controle da expansão da despesa primária é fundamental para reduzir a despesa financeira, pois permite ao governo financiar sua dívida com uma taxa de juro menor. De fato, ao buscar adequar suas despesas às receitas auferidas, o governo sinaliza para os detentores de títulos públicos que os valores contratualmente estipulados nesses títulos serão honrados, possibilitando menores taxas na negociação de novos títulos públicos.

Segundo especialistas, há muitos impactos para os três poderes que podem suceder com a aprovação da PEC. O primeiro deles já está descrito na proposta: caso o limite de gastos seja descumprido por um dos três Poderes ou por um órgão, o mesmo não poderá conceder aumentos para seus funcionários nem realizar concursos públicos. Outras sanções são impedir a criação de bônus e mudanças nas carreiras que levem a aumento de despesas. As medidas funcionam como uma forma de punição se a conta não fechar.

A economista e professora da USP, Laura Carvalho, utilizou as redes sociais para deixar claro diversos pontos da PEC. Em seu texto, a professora explica que o grande problema da crise econômica no Brasil não é o aumento das despesas, mas a queda da arrecadação. “As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos — 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.”, explica a professora.

Carvalho aponta que no final das contas a proposta não deve funcionar, nem a curto, nem a longo prazo, já que, na situação atual da crise, a medida não irá surtir o efeito desejado, e quando a situação econômica melhorar, a PEC será descabida. “A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida”, explica.


Segundo a economista, a aplicação da proposta do Governo Temer deve piorar a crise econômica do país. “Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo”.
 

No contra-ponto, a reação

Salários congelados

De acordo com os especialistas, é possível que, com a aprovação da proposta, os servidores federais deixem de ganhar reajuste e não tenham suas remunerações corrigidas pela inflação por vários anos – mesmo com o cumprimento do teto. Isso acontece porque o limite é global e vale para todos os custos de um Poder ou de um órgão. Dessa forma, se o Executivo tiver que dar mais verba para as escolas, por exemplo, poderá segurar as remunerações de seus empregados.
Na prática, isso equivaleria a reduzir os salários, porque a inflação – medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – é a desvalorização do dinheiro, quanto ele perde de poder de compra em determinado período. Sem a correção, é como se o pagamento diminuísse, porque o mesmo valor compra menos do que antes.

Problemas para Saúde e Educação

Com os gastos congelados e o aumento da receita corrigido apenas pelo valor da inflação, as despesas por aluno, na educação, e por idosos, na saúde, sofrem uma queda. Isso porque no futuro o número de crianças e adolescentes vai crescer, mas a inflação não cresce em consonância com a população, e o resultado é que a cada ano o aluno terá o valor menor de recursos investido para ele. A professora Laura Carvalho explica: “Estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc”, apontou.

A PEC e a corrupção

A proposta não retira o orçamento da mão de políticos corruptos. A economista afirma que fica um pouco mais limitado, mas ainda são eles que terão prioridades de definir o orçamento. “O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?”
Por fim, a professora Laura Carvalho aponta outras soluções em oposição a apresentada pelo Governo de Michel Temer. “Há muitas outras alternativas, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir”. 

Previdência Social, outro alvo

Segundo cálculos do professor de economia da FGV e PUC-SP Nelson Marconi, no ano passado os benefícios pagos a servidores federais somaram R$ 105 bilhões.
Como as contribuições de quem está trabalhando não cobrem esse montante, há um déficit de R$ 92,9 bilhões, próximo ao rombo de R$ 90,3 bilhões do INSS. A diferença é que o primeiro atende 980 mil pessoas e o segundo, 32,7 milhões – é onde estão os profissionais da iniciativa privada.


Com uma participação tão expressiva na crise fiscal do país, o fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, não vê outra escapatória a não ser mexer no funcionalismo.

“Pela magnitude do problema, não adianta imaginar que o governo pode reequilibrar despesas cortando passagem aérea, vigilância, segurança, como disse nas outras vezes. Dessa vez vai ter que acertar os grandes grupos de despesas.”

Esse controle, no entanto, está atrelado a alterações no regime previdenciário, uma das principais fontes de gastos.

“Como os valores de aposentadoria têm evoluído ao longo dos anos, para que o teto funcione e não leve ao corte de outras despesas em saúde, educação e investimento, é preciso acontecer uma reforma da Previdência. Se uma continuar a subir, vai ter que contrair a outra”, afirma Marconi.

Para Gil Castello Branco, diante da importância de saúde e educação, que receberam um tratamento diferente nas regras da PEC, os funcionários não devem ser poupados. As duas áreas só entram no teto em 2018.

“A despesa com pessoal não é prioritária. Estávamos discutindo se o orçamento de 2016, corrigido pela inflação, seria suficiente para saúde e educação, e vimos que não. Por isso, veio esse tratamento especial. Se estamos aumentando os gastos ali, não podemos fazer isso com os servidores.”
 


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