BAHIA

Rodoviários relatam tensão e medo em Salvador

"Agora é tarde". A frase e a cena não saem da cabeça do motorista Amilton dos Santos, 52 anos, 14 deles dedicados à profissão. Há 10 dias, ele viu oito homens incendiarem o ônibus que dirigia na Ribeira, com o seu colega de trabalho dentro.


"Eles entraram e mandaram todo mundo descer, dizendo que era 'protesto'. Quando falei que meu cobrador estava dentro do veículo, um deles me disse 'agora é tarde' e sapecou gasolina no carro todo", conta.


O cobrador Everaldo Oliveira Silva, 62, teve queimaduras de 1º e 2º graus e permanecesse internado no Hospital Teresa de Lisieux. Da lembrança restaram o medo e a tensão ao sair todo dia para trabalhar.


"Assalto a gente espera todo dia porque é certo. Agora, incêndio com essa gravidade, não. Mas também já é algo que está se tornando rotineiro", afirma Amilton.
Nos últimos quatro meses, foram registrados, segundo levantamento feito por A TARDE, pelo menos sete casos em que ônibus foram incendiados durante protestos: Ribeira, Vale das Pedrinhas, Calçada, Mata Escura, Pernambués e Valéria. Neste último bairro, houve duas ocorrências em datas diferentes.


"Eu saio apreensivo, assustado, olhando para os pontos. Toda vez que eu paro, penso que vão atacar de novo. Qualquer coisa é motivo para descer do carro", acrescenta. Assim como Amilton, outros motoristas, cobradores e passageiros reclamam de insegurança.


"A gente trabalha sempre coagido. Sai de casa e não sabe o que vai acontecer", afirma o cobrador Joseval Araújo, 38 anos.


Um motorista que não quer ser identificado, 50, conta que teme assalto, incêndio e apedrejamento. "Rodoviário está na mão de Deus porque não temos segurança nenhuma. Se a gente não der carona, jogam pedra. Não vejo motivo para queimar o ônibus que serve a eles mesmos. Quer protestar? Vá para o Centro Administrativo ou prefeitura", opina.


A passageira Eliene Cajueiro, 36, diz que se sente vulnerável. "A gente fica completamente insegura. Já fui assaltada uma vez e, agora, tenho medo até de que coloquem fogo com a gente dentro", destaca.


Também passageiro, Carlos Santana, 38, diz não concordar com a forma de protesto, adotada por criminosos em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. "Para mim, isso não é protesto. É crime. O problema é que as pessoas sabem que podem fazer isso e não vai dar em nada", ressalta.


Mapeamento
Diretor de comunicação do Sindicato dos Rodoviários, Daniel Mota diz que a categoria está tensa e apreensiva e que a entidade mapeou bairros com problemas e encaminhou à Secretaria da Segurança Pública.


"Tem alguns lugares com problemas, como Valéria, Mata Escura, Tancredo Neves, e pedimos intervenção da polícia. Em Fazenda Grande do Retiro, os rodoviários estão sendo assaltados no final de linha. Está sendo recorrente. Sofremos atos de vandalismo, assaltos que estão crescendo e agora essa barbárie de incendiar os veículos", diz Mota.


Assessor de relações de trabalho do Setps, sindicato que representa as empresas de ônibus, Jorge Castro conta que o Setps tem orientado motoristas e cobradores a não reagir. "O que a gente tem feito é orientar para não reagir e sair do ônibus e pedir resposta da Secretaria da Segurança Pública. Não podemos botar polícia em cada ônibus", destacou.


Castro disse que não serão divulgados os prejuízos financeiros com os ônibus incendiados. "Não vamos discutir prejuízo de ônibus. O mais importante é discutir o prejuízo para a sociedade que está sendo violentada. Temos que mudar a política de segurança do estado e a população tem que denunciar essas pessoas que incendiaram os ônibus", finaliza. 

A Tarde


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