BRASIL

Saiba o que se sabe até agora sobre a Zika em entrevista exclusiva com FIOCRUZ

Por Paulo Dantas

Médico com especializações em Saúde do Trabalhador, Ecologia Humana e Medicina Preventiva e Social, Valcler Fernandes é uma das pessoas com maior autonomia no país para falar sobre as epidemias que têm assustado a população e feito vítimas por todo o mundo. Atual vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a mais importante instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina, Valcler concedeu entrevista exclusiva à Revista NORDESTE. Entre várias considerações relevantes, ele alerta sobre os riscos de se engravidar agora, fala sobre as pesquisas e novidades no combate ao zika vírus e faz uma explanação geral sobre as dúvidas e certezas que pairam sobre o tema.

Revista NORDESTE: O que se sabe até hoje sobre o zika vírus? Existe alguma semelhança dele com a atuação do vírus HIV?

Valcler Rangel: O que se sabe ainda é muito pouco. De uma hora para outra estamos tendo um conjunto de pesquisadores que estão tentando fazer achados sobre o comportamento desse vírus e muitas publicações saem todos os dias. Uma primeira coisa é que ele efetivamente é um vírus, transmitido pelo Aedes Aegypti. Isso é fundamental, porque todos os outros modos de transmissão que estão sendo veiculados na imprensa são ainda achados de pesquisas, mas que não podem ser afirmados como meios de transmissão, ou seja, a presença deles no sêmen, na saliva, na urina e outros fluidos corporais não podem evidenciar que o vírus seja transmitido por esses fluídos. Outra coisa importante, isso se sabe há mais tempo, é que ele tem um forte tropismo pelo tecido nervoso, principalmente pelo sistema nervoso central, por isso as duas maiores complicações que nós observamos até agora é a não evolução do cérebro gerando a microcefalia em bebês e, por outro lado, gerando a Síndrome de Guillain-Barré, que também é uma síndrome não exclusiva do vírus zika, assim como a microcefalia, mas é gerada por essa atração pelo sistema nervoso. A terceira coisa importante é que ele causa uma doença que na maior parte das vezes é branda, com febre, dor no corpo e nas articulações. Uma característica que tem sido muito marcante é a vermelhidão na pele, que a gente tem visto pelos relatos médicos e de pacientes. No mais, muitas coisas têm sido colocadas, mas são achados científicos. A presença do vírus no tecido cerebral de fetos que foram abortados, a presença em placentas. A sobrevida deles em tecidos como a placenta também é um dado importante, que foi um achado da Fiocruz, porque ele é transmitido verticalmente da mãe para a criança, para o bebê ainda intrauterino e está causando essas consequências como a microcefalia. Esses são alguns dos achados importantes, mas estamos tendo muitos outros. Não é possível afirmar qualquer semelhança na transmissão com o HIV. Como eu falei no início, a possibilidade de transmissão pelo sêmen foi um achado, mas isso não quer dizer que ela seja um meio, um modo de transmissão importante. Tem que fazer muito mais pesquisas para poder comprovar a viabilidade da possibilidade de transmissão. Uma coisa é o vírus estar presente no fluido, outra coisa é ele conseguir penetrar a célula em uma transmissão e provocar a doença. São coisas muito diferentes umas das outras. Então também não dá para considerar que a gente tem alguma semelhança com algum outro vírus, porque isso são apenas coisas que a gente encontra na literatura, são achados que a gente já tinha ouvido falar.


NORDESTE: A ligação com a microcefalia já é certa?
Rangel:
Existe uma ação entre a microcefalia e esses casos que nós observamos, porém não dá para dizer que o vírus zika é a única causa da microcefalia. Podem existir outros fatores envolvidos, desde fatores biológicos, como genéticos, até fatores ambientais, que a gente hoje não pode descartar. E fatores de outras exposições, como, por exemplo, a exposição a outras doenças, como a própria dengue. A ocorrência de casos de microcefalia é uma relação que precisa ser estudada, que foi levantada logo no início da epidemia. Agora, nestes casos que observamos e pudemos diagnosticar, podemos dizer que o zika está envolvido com a microcefalia. No entanto, na Colômbia a gente está tendo um conjunto de mais de 20 mil casos de grávidas com zika e até o momento não houve registro de microcefalia – isso não quer dizer que não existe.
 

NORDESTE: Que questões ambientais seriam essas?
Rangel:
A exposição a determinados produtos químicos, a posição social. São questões que a epidemiologia vai ter que responder. Nós ainda estamos muito no início. A doença espalhou de maneira muito rápida, temos uma situação grave. Nós estamos falando em microcefalia, mas há outras alterações que foram encontradas em outros tecidos, inclusive ósseas. Tudo pode ser decorrência do atingimento do tecido nervoso e vai precisar ser muito bem avaliado para que se possa separar, em estudo epidemiológico, todos esses fatores. Tem muita estrada adiante para chegar a essas conclusões.

NORDESTE: Seria um conselho bom falar que não é um bom momento para engravidar?
Rangel:
O que a gente avalia na saúde pública – você tem uma saúde pública mais prescritiva e outra menos prescritiva, eu estou na menos prescritiva – é que a decisão é da pessoa. O que a gente precisa informar, e hoje temos pouca informação sobre isso, é sobre os riscos. Mas a decisão de aguardar um pouco mais é uma decisão muito sensata. Porém é muito difícil se colocar no lugar de alguém que está numa situação de idade ou de condição social que quer engravidar. Mas a sugestão de aguardar um pouco mais, principalmente para que se tenha mais resultados de pesquisas e evidências que possam dar mais segurança, seria o mais sensato.

NORDESTE: O número de casos da Síndrome de Guillain-Barré começou a aumentar. Há uma tendência de explosão de casos como da microcefalia?
Rangel:
Nós não temos na literatura nenhuma evidência de que possa haver uma explosão de casos assim como da microcefalia. A Síndrome de Guillain-Barré tem uma frequência que realmente está aumentada nos casos de zika, mas a gente tem que perceber que ela em geral ocorre após infecções virais. É uma reação do corpo àquele microrganismo. Quando a gente tem uma explosão de casos de uma determinada infecção viral, a tendência é ter um número maior de casos, mas ela não é uma síndrome tão frequente. Agora ela é muitas vezes grave, a paralisia pode evoluir e levar a óbito. Eu diria que se dá de maneira similar ao que acontece com a dengue. São poucos casos de dengue que se tornam graves, no entanto dengue leva a morte. No ano passado tivemos mais de 800 óbitos por dengue. Então é preciso ter os cuidados necessários para se observar qualquer tipo de somatologia, porque no caso da Síndrome de Guillain-Barré, ela aparece posteriormente ao desaparecimento da doença.

NORDESTE: O que há de verdadeiro nos boatos de que crianças com zika podem desenvolver problemas neurológicos?
Rangel
: Olha só, qualquer pessoa pode desenvolver Síndrome de Guillain-Barré, que é um problema neurológico. Crianças, idosos, jovens, qualquer pessoa, não tem distinção em relação a isso. Obviamente em crianças qualquer situação dessas é mais grave. Agora não existe a possibilidade de uma criança pegar zika e desenvolver a microcefalia, como esses boatos correm. O risco é igual para todo mundo e a gravidade com qualquer doença, não só a zika, sempre requer mais cuidados nas crianças e nos idosos. É isso. Essa recomendação acabou se transformando em um boato que menores de sete anos e idosos podem morrer por conta de zika. Esse boato aparece a partir daí, mas isso é em qualquer situação, não só com zika. Não existe a possibilidade da microcefalia ocorrer em crianças depois de nascidas por uma infecção posterior.

NORDESTE: Quais as pesquisas que estão sendo feitas para a criação de uma vacina e em quanto tempo a gente vai ter isso?
Rangel:
São várias possibilidades de ter vacinas. Eu não sou a melhor pessoa para responder em relação a isso, mas estão sendo estabelecidas uma série de rotas. A primeira coisa é ter um conhecimento mais profundo sobre o vírus, a sua estrutura, o seu modo de provocar doença, semelhanças e diferenças com outros vírus. Muita coisa do que já foi feito para vacina de febre amarela e vacina de dengue pode ser aproveitada, no ponto de vista do conhecimento, para acelerar o processo de obtenção de primeiros resultados para o desenvolvimento da vacina. O ideal é que possam proteger contra a zika, chikungunya e dengue. No entanto, esses ideais não podem ser perseguidos logo de início. Precisamos conhecer muito bem o vírus e é nessa etapa que estamos. As outras etapas significam a obtenção de uma primeira amostra para que ela possa ser testada em laboratório, em bancadas. Depois ainda tem uma outra etapa de promissão, onde você testa em animais. Depois de testes em animais você tem os testes de toxicidade, da eficácia, você passa para uma etapa de testes humanos. Não preciso te dizer que isso não se faz em meses. Eu não arrisco a dizer tempo. Tem gente falando aí que em três anos a gente vai ter a vacina e eu ouvi que na época da dengue se falava a mesma coisa e conseguimos uma vacina agora, depois de 11 anos. É muito difícil prever o tempo. É uma notícia ruim de dar, mas eu não arriscaria chutar um tempo que pode ser de três a dez anos. Isso é um prazo elástico demais para dar segurança para as pessoas. Por isso que a gente diz: temos que começar agora porque quanto mais cedo começarmos, mais rápido teremos os resultados.

NORDESTE: Você falou nas pesquisas internacionais e recentemente houve um ressentimento em relação ao envio de amostras. Eu queria saber como está essa parceria internacional.
Rangel:
Olha, a parceria internacional está bem cuidada. Várias instituições internacionais se posicionaram sobre essa questão, sobre a solidariedade em relação a esse envio de amostras de um país para o outro. O que a gente precisa preservar é que existem regras para essa circulação de materiais biológicos, inclusive para segurança das próprias pessoas. Existem regras que precisam ser seguidas. É nesse momento que a gente está, sem encontrar respostas. Você pode acabar descumprindo regras que colocam riscos, inclusive no próprio transporte desse material biológico. Mas, além disso, é preciso que se preservem os conhecimentos também. E nesse caso não é uma questão só de tentar segurar determinados achados, mas esse conhecimento tem valor para as etapas posteriores de pesquisas – e essas regras estão estabelecidas em cada país. Nem sempre elas são compatíveis de um país para o outro. Mas o Brasil está exatamente no momento de uma lacuna do novo marco de regulação da biodiversidade, que coloca algumas questões importantes. A Fiocruz soltou um documento e está assinando conjuntamente com outras instituições uma nota que coloca um posicionamento em relação a isso. Não há nesse caso um litígio científico, o que há hoje é uma solidariedade para se encontrar respostas.

NORDESTE: Quais são os países envolvidos nessa parceria?
Rangel:
Não posso dizer todos porque não tenho o domínio de tudo o tem feito muitas parcerias principalmente com Estados Unidos e França. Existem colaborações bilaterais que estamos tentando estabelecer com países da América Latina, Inglaterra, Canadá, Alemanha e a comunidade europeia como um todo. Cada um tem um pequeno pedaço para ofertar e a cooperação vai ser fundamental. Mas os principais são EUA e França.

NORDESTE: O que tem sido feito hoje para agilizar o diagnóstico do zika vírus?
Rangel:
O Ministério da Saúde já está com um processo de comprar kits para fazer o diagnóstico do modo como é feito hoje, um diagnóstico que usa a biologia molecular. A Fiocruz desenvolveu um teste tríplex para dengue, zika e chikungunya ao mesmo tempo, com um único diagnóstico, também baseado na tecnologia da biologia molecular. Isso é muito importante porque essa é uma das grandes questões que a gente acaba tendo que passar quando está com um paciente na frente. Qual a limitação desse tipo de diagnóstico? Ele é realizado no momento em que a pessoa está doente, no momento em que o vírus está circulante, e isso tem um limite, porque principalmente em zika, você não consegue fazer um diagnóstico posterior a essa ocorrência da doença.
A segunda coisa é ter um teste sorológico, que vai possibilitar um diagnóstico naquele momento, mas também posterior. Isso é muito importante para os estudos epidemiológicos. Não só a Fiocruz, mas outros laboratórios privados têm interesse em desenvolver, e já houve registros de testes na Anvisa. Dependendo da tecnologia que se use, você vai ter maior ou menor eficácia do teste. Nesse momento ainda estamos na etapa de desenvolvimento de laboratório para depois fazermos esse teste. Isso não é feito rapidamente e provavelmente esse teste vai ser ofertado ainda sem todas as garantias. Mas a margem de segurança vai ter que ser avaliada para se colocar esse teste no mercado, até porque a gente conhece pouco a doença. Isso é diferente para a vacina, porque na vacina além de saber da eficácia, a gente tem que ter a segurança que ela não causa nenhum mal. No teste, o máximo que pode acontecer é a gente errar o diagnóstico.

NORDESTE: Já se falou de trabalhar o mosquito na mudança no RNA, do DNA, utilizando a bactéria Wolbachia. Como estão essas pesquisas de ataque ao mosquito?
Rangel:
Tem muita coisa circulando. Vamos separar as coisas: a Fiocruz não faz nenhuma pesquisa de mudança genética em mosquito. Nós não temos linha de pesquisa de mosquito transgênico. As nossas pesquisas estão dirigidas em manejo do mosquito e a principal delas é a utilização da Wolbachia, que é a introdução de uma bactéria no mosquito, que passa a transmitir essas bactérias para os seus ovos, mas sem mudança genética. É importante que se diga isso, porque muita gente pensa que a Wolbachia é uma transgenia. Em qual etapa nós estamos? A primeira coisa é saber se a Wolbachia protege também contra chikungunya e zika, se ela impede o mosquito de transmitir. Dengue nós não sabemos. Os testes até agora realizados são promissores, mas ainda não temos plena certeza disso. A outra questão é a possibilidade de utilização dessa mudança, se um mosquito que tenha Wolbachia vai criar toda uma população de mosquitos com Wolbachia. Se vai competir num ambiente com os outros mosquitos, fazendo com que eles não transmitam mais a doença. Essa escala precisa ser vista, nós já testamos em dois bairros (do Rio de Janeiro). Já houve experiência com Wolbachia em outros países, como a Austrália, muito bem sucedidas. Mas as condições, claro, são diferentes. Então todos esses testes vão ser feitos e eles são complexos. Ainda tem outro problema, se começarmos a matar a população de Wolbachia (com os inseticidas). Ela não vai procriar, poranto vai ter aí situações de ineficácia não por causa da tecnologia que estão usando, mas porque a população pode não ter sido orientada e acaba eliminando os mosquitos “do bem”. Essa é uma das questões que precisam ser avaliadas. Outra coisa na qual estamos apostando muito é no que chamamos de unidade disseminadora, aí não é nem mudança de mosquito, é uma tecnologia já usada, descoberta por cientistas estrangeiros, que diz o seguinte: o mosquito pode transportar larvicida. É muito simples, são as ovitrampas, que são como se fossem baldes cobertos por uma tela e quando o mosquito pousa ali, esse balde é coberto com larvicida, como se fosse uma cola. Ao pousar ali, isso cola na pata do mosquito e ele leva o larvicida para outro criadouro. Também testamos isso em uma cidade no Amazonas e os resultados foram muito bons. Agora precisamos de maior escala e desenvolver metodologias de menor risco e maior eficácia. Com relação ao mosquito transgênico, eu não posso falar muita coisa porque não temos pesquisa nessa linha. Ele está sendo experimentado em algumas cidades, o ministério está acompanhando essa utilização e a gente tem resultados que foram divulgados.

NORDESTE: Qual a forma mais eficaz para atacar os vetores (mosquitos e as larvas)?
Rangel:
A primeira é mobilização social. Como esse mosquito tem uma predileção, ele é um mosquito domiciliado, ele vive muito bem ao lado do ser, principalmente no interior das habitações ou nas cercanias em água parada. Porém ele também vive em lugares coletivos, então essa mobilização social em torno da informação e mudança de hábito é importante. Isso precisa ser feito pelas próprias pessoas. Como a gente aprendeu que tem que lavar a mão antes comer, a gente vai ter que aprender que precisa cuidar dos criadouros de mosquitos, não deixar o mosquito nascer. Nós acreditamos que só com muita mobilização social essa consciência vai ser ativada, esse novo comportamento e olhar sobre o mosquito. Essa mobilização também tem que se dirigir ao setor público, em relação ao saneamento básico e coleta de lixo. A segunda questão é termos tecnologias variadas e adequadas para cada situação e territórios, pois o Brasil é muito grande. Isso é o que chamamos de manejo integrado do vetor. Talvez em algum momento tenha que se usar o transgênico, talvez em algum momento o inseticida, talvez o larvicida. Ou seja, é preciso que se olhe as tecnologias de um modo bastante amplo e principalmente não usando inseticida de maneira indiscriminada, porque eu acho que já fizemos isso por muito tempo. Esse uso deve ser extremamente preciso, em situações muito precisas. Dentro desse manejo integrado, a última coisa é um monitoramento. É preciso que a gente dissemine de maneira muito ampla o monitoramento sobre os criadouros, mas a gente precisa monitorar para saber se esse cuidado está tendo resultado ou não. Isso é uma tarefa mais técnica, até para gente poder relacionar os índices com a ocorrência da doença. Isso é fundamental.

NORDESTE: Podemos dizer que existe uma epidemia mundial?
Rangel:
Há uma emergência mundial e isso está declarado pela OMS. Há uma epidemia com certeza. O número de casos, apesar de não termos um meio de diagnóstico efeito, hoje temos uma epidemia. Eu só não posso dizer a mesma coisa sobre a microcefalia, mas há certamente um aumento no número de causos muito significativo que provocou esse alerta mundial. Eu diria que foi correto (o anúncio) pela precaução e pela gravidade do desfecho da doença. Nós temos uma tríplice epidemia: dengue, chikungunya e zika. E ela pode se tornar uma endemia, se a gente não conseguir controlar. 

 

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