BRASIL

“Se a violência é sinal de doença, a humanidade está doente desde sempre”

O filósofo Leandro Karnal concedeu entrevista à Revista Nordeste e falou sobre diversos assuntos, desde capitalismo até religião. A entrevista você lê a seguir ou também na edição online da Edição 115 da Revista Nordeste, AQUI.

Uma Vida à Sombra do Eterno Desejo

Filósofo compara capitalismo à religião e afirma que a ideia da felicidade para todos pode ser uma das raízes dos distúrbios da sociedade moderna

Por Paulo Dantas

Leandro Karnal é a nova coqueluche do momento nas redes sociais. Dono de uma verve ímpar, Karnal tece comentários precisos sobre história, costumes, filosofia, ética, vida e morte, para ficar em alguns temas famosos. As palestras são sempre concorridas. Sua formação cruza História Cultural, Antropologia e Filosofia. É autor de livros que tratam sobre a história dos países, como História dos Estados Unidos (Contexto, 2007) e sobre o ensino de História, como História na Sala de Aula – conceitos, práticas e propostas (Contexto, 2003) e Conversas com um Jovem Professor (Contexto, 2012). Também escreveu uma espécie de história das ideias, como Pecar e Perdoar, Deus e o Homem na História (Nova Fronteira, 2015). O professor é doutor na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desde 1996. Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Seu vasto conhecimento engloba pesquisas feitas no México, na França e na Espanha. Karnal falou com exclusividade à Revista NORDESTE sobre o atual momento social de recrudescimento do nazismo no mundo e no Brasil, da violência e da busca eterna pela felicidade na sociedade moderna.

Revista NORDESTE: No atual momento percebe-se uma crise econômica mundial, alguns estudiosos falam em crise de valores, outros já falaram em fim da história. Podemos dizer que o capitalismo está se esgotando?
Leandro Karnal: O capitalismo passa por crises cíclicas, estudadas por teóricos. Como todo sistema histórico e criado por homens, ele pode terminar um dia. O socialismo dominava metade do planeta há poucos anos e hoje está limitado, mas, obviamente, pode voltar como expressão histórica. Ainda não estou convencido que vejamos este fim do capitalismo muito rapidamente, pois o poder de sedução do capitalismo é forte ainda. O autor Yuval Noah Harari definiu o capitalismo como uma forma religiosa (livro Sapiens, uma breve história da humanidade) e isto pode ajudar a entender sua longevidade. Tal como Deus, a morte do capitalismo talvez tenha sido anunciada prematuramente.

NORDESTE: Em épocas de guerra ao terror, atentados, escândalos de corrupção, crise econômica insistente, escândalos de pedofilia na igreja, aquecimento global, qual a avaliação que deve ser feita em relação aos desafios vividos hoje pela humanidade?
Karnal: Sempre foram enormes. Só que vivemos nossos problemas agora e achamos que são os maiores de toda história. Não são. Os homens de 1348 achavam que a Peste Negra era o fim da humanidade. Sempre magnificamos nossas desgraças, porque isto é também um consolo. Estamos vivendo bem mais do que em 1800, morremos menos do que entre 1939-1945, há menos pandemias do que no passado, há mais gente alfabetizada do que há décadas e há muitos outros sinais positivos. Mas, sem dúvida, temos uma novidade desde 1945: somos a primeira humanidade com capacidade de suicídio global, seja rápido pelas armas nucleares ou mais pausado pelo colapso ecológico. Isto é uma novidade. Átila poderia passar destruindo tudo com seus cavalos, mas depois a grama crescia de novo, até melhor, graças ao esterco das tropas. Hoje podemos ser o último homem. Isto é novo.

 

NORDESTE: Vários analistas têm apontado um crescente movimento nazifascista no Brasil, na sua opinião o que tem motivado esse retorno?
Karnal: O termo nazifascismo, a rigor, só seria aplicável a alguns países até a Segunda Guerra Mundial. Mas sim, velhos ódios e preconceitos, nunca domesticados ou vencidos, ganharam expressão com redes sociais e com a crise econômica. O mundo é mais racista quando falta pão, mais xenófobo quando há poucos empregos e mais agressivo quando há muita gente. Estes velhos fantasmas do ódio, que existiam antes do nazismo ou do fascismo italiano, nunca foram vencidos e sempre estão rondando. Quando se exterminou a aldeia de Canudos, em 1897, com violência assustadora, não existia fascismo no mundo e Hitler era um menino de 8 anos com olhos azuis no Império Austro Húngaro. Entre 1893 e 1895, o choque que se chamou Revolução Federalista degolava pessoas com uma facilidade assustadora. Nunca fomos pacíficos, mas as redes sociais trouxeram para a luz nosso ódio. Sempre houve “nós” e “eles” desde que Cabral deu uma paradinha a caminho das Índias e percebeu (pouco) o outro, o índio. Depois só piorou. Toda nossa história é formada de nós e eles…

NORDESTE: De onde vem a agressividade que vemos nas ruas e nas redes sociais hoje?
Karnal: Mais chance de comunicação do que no passado explica muita coisa. Também uma novidade: a ideia de que todos devem ser felizes e que, quando isto não ocorre, alguém deve ser responsabilizado. A felicidade obrigatória é nova. Talvez, de todas as patologias, esta seja a mais original.

NORDESTE: Quais as escolhas equivocadas feitas pela humanidade para chegarmos onde chegamos? É um exagero dizer que a humanidade está doente?
Karnal: Sempre esteve. A violência assíria chocava o mundo há 3 mil anos. Romanos crucificavam tantos escravos que deviam causar problemas ecológicos com o uso de madeira. Tortura foi institucional até há pouco, passando agora ao campo do que deve ser feito fora do olhar público. Se a violência é sinal de doença, a humanidade está doente desde sempre.

NORDESTE: A religião tem pregado ao longo do tempo que o conforto ao sofrimento do mundo está em se voltar para Deus, Karl Marx falava que a religião era o “ópio do povo”, hoje depois de tantos anos pós Marx, é possível dizer quem estava com a razão?
Karnal: Os ópios são variados. A estante dos remédios opiáceos cresceu muito. Pode ser a religião, pode ser a opção socialista e o engajamento social, pode ser o consumo, podem ser viagens intermináveis ou as drogas em si. Somos uma geração intoxicada de café, álcool, cigarros, maconha, cocaína, internet, celular, fotos, calmantes, estimulantes, remédios para acabar com déficit de atenção, exercícios físicos etc. A nosso favor: se houver um juízo final, podemos alegar como humanidade que estávamos fora “de si” ou de “nós” quando fizemos tudo o que fizemos.
 

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