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Suspeita sobre senador do PT indica elo da Lava Jato com governo do PSDB

O depoimento do principal delator da Operação Lava Jato levantando suspeitas de que a empresa francesa Alstom – envolvida também no escândalo do cartel de trens em São Paulo – pagou propina ao senador Delcídio Amaral (PT-MS) quando este chefiava a Diretoria de Gás e Energia da Petrobras pode revelar um elo entre os governos do PSDB e do PT no esquema de corrupção desmantelado na Petrobras.

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Delcídio ficou fora da primeira leva de inquéritos abertos pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, no início de março, mas a passagem pela estatal, a ligação com personagens presos na Lava Jato, sua trajetória política e o depoimento do delator Paulo Roberto Costa reforçam a probabilidade de que o esquema de corrupção revelado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter sido, na verdade, continuidade de supostos desvios ocorridos na gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

A pista mais recente está na petição do procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em que ele ressalva que o papel de Delcídio – assim como nos demais casos arquivados – pode ser reanalisado e reproduz os principais trechos do depoimento do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

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Delcídio foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre 2000 e 2001, período em que Paulo Roberto Costa também trabalhou no setor como gerente-geral de Logística de Gás Natural. Costa não apresenta provas, mas sob o compromisso de abrir o jogo no acordo de delação, fala da negociata em vários trechos do depoimento.

Num deles afirma que “por meio de comentários nesta área de Gás e Energia”, tomou conhecimento que a compra envolveu Delcídio, e os ex-diretor Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, preso atualmente no Paraná, e a Alstom. A negociação teria sido fechada depois de acertado “pagamento de um valor alto como propina para que saísse a compra das turbinas”.

O delator afirmou que a situação de emergência gerada pelo apagão de 2001 – uma mancha na gestão tucana – foi usada para alavancar “um contrato bilionário”, sem licitação, diretamente entre a estatal e a Alstom, cuja decisão foi tomada por Delcídio e executada por Cerveró.

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“Era de conhecimento interno da Petrobras, que teria havido um acerto para viabilizar este contrato e que a propina paga pela Alstom teria sido destinada a Nestor Cerveró e Delcídio Amaral”, afirma o delator, acrescentando uma informação que, se verdadeira, extrapola os negócios da política: “Não teria sido este dinheiro, aparentemente, destinado a qualquer campanha política”. Costa e o doleiro Alberto Youssef eram os responsáveis pelo repasse da propina a campanhas e políticos, mas não souberam apontar detalhes sobre a suposta propina ao senador.

O senador Delcídio do Amaral (PR-MS) não é formalmente investigado na Operação Lava Jato, mas informalmente ainda é considerado suspeito. A decisão pelo arquivamento, segundo fontes do Ministério Público Federal, é provisória, o que significa que, se no decorrer das investigações surgirem indícios dando credibilidade ao depoimento do delator, Delcídio se tornará alvo de um novo inquérito.

Procurado pelo iG, o senador não retornou. Quando seu caso foi para o arquivo, no início de março, ele comemorou afirmando que a decisão de Janot era uma prova a seu favor e chegou a afirmar que a denúncia estava “morta e sepultada”. Disse que o episódio, baseado em “por ouvir dizer”, foi usado por seus adversários desde 2002.

Mas não é bem assim. Os procuradores do grupo de trabalho que atua ao lado de Janot estão em busca de outros dados que joguem luzes na gestão de Delcídio e de sua influência na estatal, onde tinha “entrada livre” e notório poder de influência, segundo relatam Costa e o doleiro Alberto Youssef.

Perfil suprapartidário

Um detalhe que tem chamado a atenção dos investigadores é o perfil político polivalente de Delcídio, que foi filiado ao extinto PFL e conseguiu dominar um poderoso setor da Petrobras com o apoio do PT e do PMDB em pleno governo do PSDB. Quando deixou o cargo para disputar, em 2002, uma vaga ao Senado, segundo Costa, em função da parceria na compra das turbinas da Alstom, Delcídio já era conhecido como “padrinho” de Nestor Cerveró.

O ingresso no PT do Mato Grosso do Sul, com o apoio do deputado Vander Loubet (PT-MS) – investigado na Lava Jato a pedido de Janot -, deu ao senador um lustre ideológico numa época que o então governador José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, era o único interlocutor do partido junto a Fernando Henrique e pavimentou o caminho para a Petrobras.

O trânsito foi fundamental para que Delcídio fosse catapultado da Secretaria de Habitação e Infraestrutura do governo do Mato Grosso do Sul, em 1999, para a diretoria de Gás e Energia da Petrobras. O perfil híbrido que o liga às duas forças políticas mais importantes o blindaria politicamente, mas o distanciaria do núcleo do PT em 2005, quando presidiu a CPI do mensalão. Internamente era visto um misto de petista tucano.

Um dirigente do PT nacional ouvido pelo IG – que pediu para não ser citado – se disse surpreso com as declarações do delator Paulo Roberto Costa e informou que os advogados do partido irão analisar a passagem de Delcídio na Petrobras durante o governo tucano. O PT pode encontrar aí um argumento forte para mostrar que não inventou a corrupção na estatal.

Ligações antigas

Ao vencer a eleição para o Senado, em 2002, o poder de Delcídio aumentou na Petrobras ao ponto de indicar e bancar a nomeação de Cerveró no comando da diretoria Internacional já no início do governo Lula. Isso significa, conforme o delator, que Delcídio apadrinhava Cerveró, que usava o operador Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, que faria chegar a propina ao PMDB.

Foi por conta de suas antigas ligações com o ex-senador Jader Barbalho (PA), desde a construção da Usina de Tucuruí, que Delcídio se aproximou do PMDB para chegar a secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia e, nos últimos cinco meses do governo Itamar Franco, ministro da pasta no período de transição para a gestão de Fernando Henrique.

Costa conta que Cerveró só cairia em desgraça quando surgiram os primeiros questionamentos sobre a desastrada compra da Refinaria de Pasadena – da qual é o principal responsável pelas irregularidades. Ainda assim, graças ao amparo de Delcídio, ele seria deslocado para a Diretoria Financeira da Petrobras Distribuidora, de onde só sairia por cair em contradição com Dilma no depoimento que prestou à antiga CPI da Petrobras e, meses depois, pela prisão.

Logo depois de assumir o mandato no Senado, em 2003, Delcídio enfrentaria a primeira suspeita de recebimento de propina da Alstom. Uma ação aberta na Procuradoria da República do Distrito Federal por abuso de poder econômico na campanha do ano anterior traria a tona a compra de uma das turbinas, a que seria usada na Termo-Rio, em cujo negócio a Petrobras teria sido lesada em US$ 22 milhões.

A denúncia do MPF diz com todas as letras que parte do dinheiro supostamente desviado foi repassado pela empresa francesa a Delcídio e destinado a despesas de sua campanha e de outros políticos de Mato Grosso do Sul. A denúncia foi arquivada por falta de provas.

Onze anos depois, Paulo Roberto Costa forneceu a procuradores e ao juiz Sérgio Moro detalhes que podem ligar os fios. Segundo ele, a demora no uso das turbinas compradas da Alstom “a um custo substancial” e em caráter de emergência chamou sua atenção e de outros funcionários da área técnica porque os equipamentos ficaram longos anos “encostados” no almoxarifado da Petrobras.

Costa diz que o negócio não fazia sentido por causar prejuízos a Petrobras tanto pela depreciação do valor das turbinas quanto pela defasagem tecnológica dos equipamentos. A maior parte das turbinas só seria usada entre 2004 e 2008.

O delator dá, então, sua interpretação ao que estaria por trás de um aparente negócio malfeito: “Pelo contexto dos fatos, chega-se a conclusão de que a Petrobras adquiriu uma quantidade muito maior de turbinas do que o necessário”, diz Costa, afirmando que uma compra feita na emergência do apagão embutia, na verdade, o pagamento de propina ao senador e a Cerveró.

Gestão

O período de Delcídio na Diretoria de Gás e Energia também foi marcado por sérios problemas de gestão. O engenheiro gaúcho Ildo Luís Sauer, atualmente diretor do Instituto de Eletrônica e Energia da Universidade de São Paulo exerceu, entre janeiro de 2003 e setembro de 2007, o mesmo cargo de Delcídio na Petrobras e lá encontrou o que poderia ser chamado, no mínimo, de um descalabro administrativo.

Em apenas três contratos auditados – El Paso, Enro e MPX, esta última do empresário Eike Batista, amigo e financiador da campanha do senador -, a Petrobras sofreria prejuízos da ordem de US$ 2,5 bilhões se Sauer não tivesse encaminhado os casos para análise das comissões de arbitragem da Petrobras. As perdas foram reduzidas, então, para cerca de US$ 1 bilhão. No caso do negócio com a Alstom, a alternativa foi aproveitar os equipamentos para por termoelétricas em funcionamento. Procurado pelo iG, Sauer explicou que seu papel foi exclusivamente de gestão, para reduzir custos à estatal, e que não cabia a ele investigar se havia irregularidades.

Em 2007, depois de uma contenda com o próprio Delcídio – e frustrado com as posições do Palácio do Planalto -, Sauer deixou o cargo. Por coincidência foi exatamente nesse período que a estatal colocou em andamento os grandes investimentos em infraestrutura e PP, PT e PMDB, implantavam um novo estilo de controle político na Petrobras, mais agressivo porque tornava sólido o cartel das empreiteiras que monopolizariam as obras mais importantes da petroleira.

A ordem interna em todas as diretorias era não mexer em contratos fechados na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Se irregularidades fossem encontradas, os tucanos é que se explicassem. A orientação era não repetir erros do governo anterior, o que foi seguido à risca: o novo esquema era bem diferente, mas mais feio.

 

IG 


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