ARQUIVO NORDESTE

Tráfico de influência na política chama atenção para o lobby no Brasil

Por Paulo Dantas

A Operação Lava Jato tem tornado público um jogo de influência exercido por diversas empresas, entre elas as maiores construtoras do país, junto ao primeiro escalão do Governo Federal, incluindo aí até os presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, quando estavam no poder. Os dois foram alvos de interesses demandados pela construtora Odebrecht, o primeiro na Bolívia, e o segundo na Argentina. Hoje, um presidente brasileiro defender interesses das empresas do seu país junto a outro presidente é considerado antiético. No entanto outros países regulamentam e não veem nada de mais na abordagem. A ação só se tornaria crime se o mandatário recebesse algo para o seu gozo pessoal em troca do esforço empreendido.

No código de conduta ética do funcionário público receber presentes ou dinheiro, é considerado antiético podendo incorrer em crime de corrupção passiva. Mas não é incomum que advogados, empresários e cidadãos comuns tentem ir pela via do ‘agradinho’ para que sua papelada corra mais rápido ou para que se consiga alguma atenção e cuidado especial. Essa prática não é lobby, é tráfico de influência ou corrupção. O lobby em si não tem a ver com corrupção, ela é regulamentada em cerca de 46 países, sendo que nos EUA é onde é mais longeva, desde 1946. Na América Latina, o Chile regulamentou o lobby com bastante sucesso em 2013.

O Lobby é uma atividade utilizada para defesa de interesses de empresas, movimentos sociais ou organizações não governamentais na relação com tomadores de decisão, sejam eles Governo, parlamentares ou mesmo entidades privadas. A atividade é extensa e é desenvolvida em várias áreas no Brasil. O lobby mais comum visto hoje em dias é o que toma as redes sociais para pressionar congressistas, a justiça e a opinião pública. Muitas vezes esse lobby é feito na forma de campanhas, abaixo-assinados ou intervenções públicas. O que diferencia o lobby de corrupção e tráfico de influência é a forma que esses interesses são defendidos.

A Revista NORDESTE conversou com Andrea Gozetto sobre o assunto, para entender quais as discussões hoje em torno do tema. A professora coordena o MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre Relações Governamentais e é considerada expert no assunto. Andrea explica que hoje em dia as mídias digitais têm um papel bastante importante no lobby, mas outros meios como passeatas, mobilizações públicas, o trabalho junto aos canais institucionais, como assentos em conselhos, audiências públicas, reuniões em agências reguladoras, são táticas utilizadas pelos grupos para defender os seus interesses e as suas causas. Como exemplo basta entender que o site Avaaz, especialista em abaixo assinados, usa estratégia de lobby. O site fez campanha massiva para influenciar no ano passado os tomadores de decisão do COP21, na Conferência do Clima. Na sua campanha distribuiu cartazes em Paris – onde estava acontecendo a conferência – mostrou vídeos de desastres ambientais, colheu abaixo-assinados pelo mundo, disponibilizou depoimentos de diversos cidadãos, pagou passagem de conferencistas e conseguiu uma pressão substancial pelo lobby ambientalista.

Na defesa da regulamentação da atividade, a estudiosa explica que é um exagero pensar que o lobby é o responsável pela corrupção descoberta na Operação Lava Jato, mas a sua regulamentação poderia ajudar em prevenir algumas dessas situações. “A regulamentação é muito saudável porque ela coloca mais informações a disposição da sociedade civil. A gente teria condições de saber quem está defendendo que interesse, junto a que esfera governamental, e a que tomador de decisão, especificamente, e quanto se está pagando para que um profissional defenda esses interesses. Isso é o que os americanos chamam follow the money, nós seriamos capazes de seguir o dinheiro. Seguindo o dinheiro, teríamos uma noção muito mais abrangente, muito maior de quais seriam os meandros da tomada de decisão. A regulamentação do lobby vem no sentido de esclarecer, aclarar, abrir, dar transparência,  para garantir maior a accountability (monitoramento)”.

Sobre se os escândalos trazidos a tona com a Lava Jato ajudam ou demonizam mais o lobby, Andrea acredita que age duplamente. “Óbvio que todas as vezes que você tem um escândalo das proporções da Lava Jato e você diz que os principais operadores, principalmente aqueles que fazem operação do dinheiro, são lobistas, isso reforça o estigma de marginalidade que envolve a atividade. Mas por outro lado, coloca na agenda pública a necessidade de regulamentação da atividade. As pessoas perguntam quem é o lobista? Essa atividade é legal, ilegal, legítima, ilegítima? Outros países regulamentam? Por que o Brasil não regulamenta? Esse é um momento importante que a gente vê que o debate aflora. O debate é o que efetivamente falta no Brasil.

Para a estudiosa, o lobby é um novo passo para o amadurecimento da democracia brasileira, que já tem formas de democratização da informação, incluindo aí o direito de resposta, e já possui leis anticorrupção. “Foi feita uma pesquisa pela UFMG on de aponta que 80% dos entrevistados são favoráveis a regulamentação do Lobby, mas quando se começa a detalhar o que ela deveria cobrir e o que ela não deveria cobrir, não há consenso absolutamente nenhum. Questionada sobre quais são os pontos mais sensíveis na divergência dos setores sobre a regulamentação do lobby, Andrea aponta: dinheiro. “Basicamente existe unanimidade com relação ao registro. Nenhum lobista profissional diz que é contrário a se registrar e manter um cadastro. Contudo, eles dizem, se tiverem que dizer quem é o cliente, quanto esse cliente paga e quanto se gasta para fazer as ações necessárias para defender os interesses deles, terão um sério problema, poderão estar descortinando a estratégia para o grupo de interesse contrário”.

Financiamento de Campanha e Lobby

No entender de Gozetto, financiamento de campanha e lobby estão intimamente ligados. A regulamentação ajudaria a saber nas próximas eleições, por exemplo, quais os grupos que entraram em contato com cada candidato, se ele já tiver sido candidato anteriormente. O eleitor poderia saber como o candidato se posicionou e quanto determinada empresa gastou para defender cada interesse.

“É impossível ter uma regulamentação do lobby eficaz se a gente não associá-la ao financiamento de campanha, porque não adianta fingir que a regulamentação do lobby não tem nenhuma relação com financiamento de campanha. A gente precisa aprimorar as regras de financiamento de campanha. Afinal, grandes grupos econômicos podem fazer doações através de brechas na legislação. Eles podem conseguir fazer isso sem aparecer. Usam, por exemplo, CNPJs das filiais do Brasil inteiro. Como o eleitor irá pegar essa base de dados para traçar quanto determinado grupo econômico doou e doou para quem, se ele não tem acesso aos 150 CNPJs daquele conglomerado?”, argumenta Andrea.

A professora garante que a questão deve ser vista muito mais além do que se o financiamento é público ou privado. “Porque no Brasil o financiamento é misto. Haja visto que é o estado brasileiro que banca a propaganda eleitoral. Essa propaganda custa milhões para os cofres públicos, é um absurdo o que se gasta! Isso para mim é financiamento público de campanha já. Mas eu acho que o que falta, fundamentalmente, é pensar em estratégias de transparências. Hoje em dia, nós temos aí, uma série de tecnologias de informação que poderiam fazer com que o cidadão tivesse acesso online, inclusive, ao que foi gasto, e ao que deixou de ser gasto, pelos partidos políticos com relação a doações. Isso eu acho que é uma discussão que passa ao largo quando esse debate vai para o Congresso Nacional. Se efetivamente a gente quiser um financiamento de campanha mais justo, vamos precisar aprimorar questões relacionadas à transparência e accountability, esse é meu ponto de vista”.

Para a professora a questão central em relação ao lobby e ao financiamento de campanha é a transparência. “É nesse ponto que regulamentação do lobby e financiamento de campanha se imbricam. Por que o que é regulamentar o lobby? Qual o objetivo de regulamentação do lobby? É garantir maior transparência e maior accountability (monitoramento) no processo de elaboração das políticas públicas. Agora, se eu tenho maior transparência e accountability nessa relação entre sociedade civil e tomadores de decisão e não tenho o mesmo grau de transparência e accountability quando o processo eleitoral acontece, uma coisa, de certa forma anula a outra. É nesse sentido que existe uma relação profunda entre lobby e financiamento de campanha”, esclarece, apontando para o cerne da questão e ao que leva ao tráfico de influência nos bastidores da política.

Andrea entende que a democracia brasileira só vai ficar mais madura quando houver mecanismos eficazes de transparência e accountability e nesse sentido regulamentar o lobby ajudaria muito. “Justamente porque ele é capaz de garantir ao cidadão médio uma informação sobre os meandros do processo de decisão, porque essas informações não estão a disposição hoje”, argumenta. A estudiosa admite que o assunto é complicado de ser discutido, porque o país ainda tem uma raiz muito patrimonialista – quando não há limites claros entre o que é público e o que é privado.

Conheça mais sobre Lobby

O que é lobby
Lobby é uma palavra procedente do idioma inglês, que originalmente designa o salão de entrada de um edifício. Com o tempo, a palavra adquiriu um significado adicional naquele idioma, passando a designar também a ação de indivíduos que aguardavam a passagem de tomadores de decisões políticas pelos salões de entrada dos edifícios em que estes se hospedavam ou trabalhavam, para tentar abordá-los e apresentar-lhes seus pleitos.

Quem faz lobby
Diversos agentes e organizações fazem lobby durante o processo de produção de políticas públicas no Brasil. Tais agentes e organizações estão situados na esfera do estado, do mercado e da sociedade civil.

Os alvos do lobby
Podem se tornar alvos de lobbies todos os membros do poder público que tomam decisões capazes de afetar os interesses dos agentes e organizações, sejam dentro ou fora do país. No plano interno, há alvos nos três poderes – legislativo, executivo e judiciário –, tanto em âmbito nacional, quanto nos estados e municípios.

Iniciativas pelo mundo
As iniciativas de regulamentação do lobby pelo mundo se desenvolveram principalmente na tentativa de equilibrar o jogo entre os diversos atores. Entre grupos de interesse mais poderosos que acabavam levando alguma vantagem no processo político em relação àqueles que não têm recursos para profissionalizar suas atividades. Também foi uma forma de colocar limites às condutas antiéticas e a influência desproporcional de representantes de interesses privados sobre os agentes públicos quando em interação. Para enfrentar o problema, os países basearam suas legislações no sentido de apostar na exposição pública (transparência) e no monitoramento (accountability) da atividade de lobby como forma de minimizar esses problemas.


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