ALAGOAS

Turismo ecológico promove o desenvolvimento

Uma comunidade essencialmente agrícola viu nas águas barrentas do rio Tatuamunha, entre os municípios de Porto de Pedras e São Miguel dos Milagres, no Litoral Norte de Alagoas, a oportunidade de unir desenvolvimento e preservação ambiental. Com o conceito de "turismo ecológico", os moradores superaram práticas predatórias e criaram uma associação sustentável, que beneficia direta ou indiretamente mais de 250 famílias.

São ex-pescadores, ex-donas de casa e ex-desempregados que viram no turismo de observação o meio para superar dificuldades econômicas e que passaram a propagar práticas de uso consciente do meio ambiente. São pessoas que tiveram que aprender a conviver em harmonia com a natureza, para tirar o sustento diário sem comprometer o futuro do habitat em que vivem.

A criação da "Associação Peixe-Boi", em 2009, é apontada como um divisor de águas. Quem não atua diretamente com o grupo – que beneficia 48 famílias -, dá o suporte necessário para o desenvolvimento do turismo na região: produz artesanato, fornece alimentação para os turistas, disponibiliza acomodação ou transporte. Uma grande rede se formou em torno de um único propósito: a sustentabilidade.

No entanto, nem sempre foi assim. Os moradores da comunidade Tatuamunha começaram a explorar o turismo de observação do peixe-boi em 2006, de forma desorganizada. As práticas danosas ao meio ambiente logo chamaram a atenção de órgãos de fiscalização, que, em parceria com o Ministério Público, buscaram regulamentar a atividade e capacitar os agentes sociais diretamente envolvidos.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi, então, firmado, entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual, as prefeituras de Porto de Pedras e de São Miguel dos Milagres, o Centro Mamíferos Aquáticos e a comunidade local, para o ordenamento do turismo na região, que integra a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais.

Crescimento econômico e preservação ambiental caminham de mãos dadas

Graças ao TAC foi possível não só conscientizar os moradores, mas capacitá-los, para que eles pudessem transmitir aos turistas os conceitos de sustentabilidade. Já na entrada da "Associação Peixe-Boi", os visitantes são orientados sobre as restrições durante o passeio pelo rio Tatuamunha, um dos santuários naturais do mamífero no Brasil.

São orientações para não oferecer alimentação para os bichos, não jogar lixo durante o trajeto e evitar barulho no contato com o peixe-boi. O trabalho de conscientização inclui o relato das consequências da exploração desordenada, a limpeza de praias e margens de rios e palestras apresentadas em escolas públicas da região.

"O crescimento e a preservação têm que caminhar de mãos dadas. Isso é benéfico para o meio ambiente e para a comunidade, que não sofre as consequências da degradação. Por isso, a importância de informar moradores e turistas sobre a preservação", explica Flávia Rêgo, bióloga e presidente da "Associação Peixe-Boi".

Uma das medidas adotadas para preservar o local é a limitação da quantidade de passeios e do número de turistas que visitam o rio Tatuamunha. Atualmente, a associação faz, por dia, dez passeios com grupos de, em média, sete pessoas. Um número dez vezes menor do que o recebido pelas galés de Maragogi, que são visitadas por até 700 pessoas por dia.

"As restrições quanto ao número de passeios se deve à sensibilidade dos animais. Não podemos estressá-los, nem incomodá-los de alguma forma. Isso poderia fazer com que eles buscassem um ambiente mais tranquilo e deixassem o rio Tatuamunha. Talvez eles nem resistissem à mudança", acrescenta, lembrando que, hoje, há 13 animais no Litoral Norte.

O dinheiro dos passeios é aplicado para a manutenção da associação, que também depende de projetos de financiamento. "Sempre ficamos atentos aos editais publicados por órgãos ambientais, para que a gente possa inscrever um projeto e obter recursos para manter a associação viva", explica a presidente da associação.

Entenda como funciona o turismo de observação do peixe-boi:

Quando passou a integrar a "Associação Peixe-Boi", o guia José Ismar Lima de Carvalho não imaginava que teria sua vida transformada. Como faz questão de destacar, antes de fazer parte do grupo, ele trabalhava como "faz tudo". Foi coletor de cocos, agricultor, pescador e até ajudante de pedreiro. Trabalhava duro para ganhar, em média, R$ 120 por semana.

"Trabalhava muito e ganhava pouco. Não tinha condições sequer de tirar minha habilitação. Hoje, ganho um salário mínimo fixo e consegui realizar o sonho de ser habilitado, de comprar minha moto e de ter uma casa digna para mim e para minha família", explica o guia turístico, que se capacitou e hoje é vice-presidente da associação.

Para retribuir um pouco do que recebeu, ele explica que atua como voluntário em ações promovidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), como coleta de lixos na praia, monitoramento de peixes-boi e palestras.

Assim como o amigo Ismar, o guia turístico Fabiano Francisco da Silva comemora o fato de ter saído do aluguel e adquirido a casa própria após ter ingressado na associação. Segundo ele, a "Associação Peixe-Boi" é a grande responsável pela mudança de vida da comunidade.

"Trabalhei como jangadeiro, como pescador e como ajudante de pedreiro. Não tinha uma renda fixa e dependia do que aparecesse. Quando me associei, passei a receber um valor certo por mês e isso me deu condições de sair do aluguel e comprar a minha casa. Comprei também uma moto. Muita coisa mudou aqui na comunidade", ressalta o guia.

Mas, a "Associação Peixe-Boi" proporcionou aos moradores de Tatuamunha algo que vai muito além de bens: proporcionou conhecimento. A presidente da associação, Flávia Rêgo, conta que conseguiu realizar o sonho de se formar em Biologia e que, graças ao projeto, conheceu estruturas semelhantes espalhadas pelo Brasil e fez diversos cursos sobre sustentabilidade.

"Sempre me interessei pela área e, quando surgiu a oportunidade, não pensei duas vezes. Fiz o curso de Biologia pelo Ifal [Instituto Federal de Alagoas] e hoje tenho o conhecimento prático e técnico sobre a conservação do meio ambiente", observa.

Toda a comunidade está envolvida, afirma Associação Rota Ecológica

Representante do trade turístico dos municípios de Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres e Passo de Camaragibe, Corine Vard faz questão de destacar o orgulho em ver a população dos três municípios envolvida em ações de desenvolvimento sustentável. Segundo ela, sem o engajamento da comunidade seria impossível preservar o meio ambiente e gerar renda.

"Todo mundo sai ganhando. A comunidade ganha em termos econômicos e o meio ambiente ganha vida, preservação. Por isso, a importância de engajamento. Hoje, nós vemos que as famílias estão se conscientizando do seu papel na preservação da fauna e da flora e que enxergaram no turismo uma oportunidade de negócio", ressalta.

Para apoiar ações de sustentabilidade, a francesa, que vive no Brasil há 16 anos, decidiu criar a Associação Rota Ecológica. O grupo é formado por representantes de 12 hotéis e pousadas da região e promove mutirões de limpeza de praias, conscientização de pescadores sobre a necessidade de preservação e apoia iniciativas de negócios moradores.

"Nós acreditamos que o desenvolvimento só se dá se for de forma sustentável e inclusiva. Por isso, nós apoiamos as iniciativas dos moradores e já percebemos que eles estão cada vez mais envolvidos no turismo ecológico. Há quem invista em hotel e pousada, em bicicletário, no ramo da alimentação. Quem antes dependia do poder público ou não tinha emprego fixo, agora consegue gerar sua própria renda", conclui.

Cuidado com o meio ambiente chama a atenção, dizem turistas

Para o turista brasiliense Vinicius Balbino, o cuidado com o meio ambiente entre os envolvidos no turismo de observação do peixe-boi chama a atenção de quem visita o local. De acordo com ele, o modelo desenvolvido em Alagoas é um exemplo que deve ser seguido por outros estados do Brasil.

"É impressionante o cuidado em preservar o habitat do peixe-boi, a forma como os envolvidos no projeto respeitam o animal. O passeio é feito em uma jangada, sem motor, para não oferecer riscos aos bichos e os jangadeiros usam técnicas para não assustá-los. Sem dúvidas, é um modelo a ser seguido, é uma tendência", avaliou.

A servidora pública Janaina Alves destaca o preparo dos envolvidos no projeto e o engajamento da comunidade local. "Achei essa modalidade de turismo uma das mais interessantes que já vi. Primeiro, porque o fato de não termos interação com o ambiente, apenas observá-lo, torna-o ainda mais singular. Segundo, porque de fato a gente consegue ver que a comunidade está toda integrada, cada um com o que pode ou sabe oferecer, seja fazendo o artesanato, seja no atendimento ao turista", observa.

"Cada vez mais fica claro que essa é uma das melhores alternativas para aliarmos lazer e cultura sem abrir mão da sustentabilidade. Me chamou muito a atenção o fato de uma das guias do passeio ter uma formação na área de Biologia, o que, na minha opinião, deixou a visita ainda mais interessante, porque além da sua vivência como moradora, tivemos uma verdadeira aula experimental, com bastante conhecimento", completa a servidora.

Sobre o "Projeto Peixe-Boi"

A "Associação Peixe-Boi" faz parte do "Projeto Peixe-Boi", que é executado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA), uma unidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O projeto é anterior a criação da associação e surgiu na década de 1980.

Confira informações sobre o passeio:

Aberto todos os dias, sendo necessário o agendamento por telefone ou e-mail;

Os passeios de jangada no rio Tatuamunha são restritos ao horário das 10h às 17h;

A duração do passeio é de 1h30m;

Não é permitida alimentação nem qualquer forma de interação do público com o animal, apenas a observação;

São 10 passeios por dia, totalizando 70 visitantes/dia;

Há 20 condutores credenciados.


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