BRASIL

Uma crítica à política: Revista NORDESTE traz entrevista com José de Abreu

Por Paulo Dantas

O ator José de Abreu completou 70 anos no dia 24 de maio. Praticamente um mês antes, no dia 23 de abril, havia vivenciado uma cena que foi notícia nacional. O ator cuspiu num casal, que segundo Abreu, tinha ofendido sua esposa e o vinha provocando por conta de sua defesa do PT. O ator é conhecido por suas posições fortes na política e por uma defesa intransigente do amigo José Dirceu, atualmente preso em Curitiba devido a acusações da Lava Jato. Na entrevista concedida com exclusividade à Revista NORDESTE, após uma badalada passagem na Nau dos Insensatos, pela Flip, Abreu não fala sobre a cusparada real, mas uma imaginária: na polítca brasileira. Conta também sobre o passado, o Congresso da UNE de 1968, quando foi preso, sua entrada na política naquela época e como conheceu e se tornou amigo de José Dirceu, além da tristeza em relação aos dias atuais.

Revista NORDESTE: Como você vê hoje a situação política do Brasil?
Zé de Abreu:
O mar não está para peixe. Pelo que a gente pode observar é uma tentativa de desmonte de todos os organismos e projetos que visavam diminuir a desigualdade social. Um exemplo é a demissão de funcionários da secretaria do MEC que cuida de índios, quilombolas, e outras minorias. Uma secretaria que consumia um dinheiro irrisório, mas que tem uma importância muito grande porque cuidava de minorias, desfavorecidos que sempre estiveram ao léu. (Funcionários, assistentes, técnicos e coordenadores da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação foram exonerados. Faziam parte da EJA (Educação Inclusiva e de Jovens e Adultos). Equipe responsável, por exemplo, entre 2007 a 2012, por elevar o número de alunos com deficiência nas escolas regulares de 306 mil para mais de 620 mil, um aumento de 102,78%). Você percebe umas coisas muito pontuais: colocar um general para cuidar da Funai, um absurdo! O filho do Paulinho da Força para cuidar da Reforma Agrária, não tem nenhuma noção de agricultura, de nada. Nunca esteve envolvido. Diz o currículo dele que ele plantou tomate na terra do pai. Parece que estamos vivendo uma coisa kafkiana. Não dá para ser otimista. O outro ministro, da Indústria e Comércio (Marcos Pereira, do PRB, era cotado para Ciência e Tecnologia e Michel Temer voltou atrás) diz que cuidou da contabilidade da família, não entende nada nem de indústria, nem de comércio. Outro ministro que foi tirado da Câmara Federal para dar lugar ao irmão do Augusto Nardes, o ministro do Tribunal de Contas da União que julgou as pedaladas da Dilma. (A ida do deputado Ronaldo Nogueira (PTB) ao Ministério do Trabalho abre vaga para que Cajar Nardes (PR) assuma vaga no Congresso Federal). Então, há uma quadrilha bem organizada que tomou conta do Brasil. Não dá para a gente ficar otimista.


NORDESTE: O que a gente pode esperar para 2018?
Zé de Abreu
: Eu não vejo nenhuma luz próxima. Não vejo mesmo. Porque as possibilidades de melhoras são muito remotas. Não há uma liderança política. Quem pode ser candidato em 2018? Alckmin, Lula? Vai voltar essa disputa PSDB, PT e PMDB?! Não sei, não vislumbro. Também não vejo nada de positivo nisso, de volta a essa disputa PSDB, Lula… Ou pior, Bolsonaro! Horror! Joaquim Barbosa…

NORDESTE: Você já tinha falado que o PT deveria sair de cena e dar vez a outros partidos?
Zé de Abreu:
Eu achava que a Dilma não devia ser candidata a reeleição. Eu achava que estava na hora… ou ela não saísse ou voltasse o Lula. Acho que o grande erro foi continuar a Dilma. Não sei se ela não tinha muita disposição. Não vejo alternativa para o Brasil. Acho que vamos ficar cozinhando até 2018, com esse Temer fazendo esses absurdos. Não sei se vai haver uma guinada para a direita, no sentido de entregar o pré-sal às petrolíferas americanas, europeias. Parece que sim. O Brasil estava se tornando uma potência mundial e isso não interessa. Agora veio a Marilena Chauí acusando o Moro de estar a serviço do governo americano, fez curso na CIA (A filósofa fez a afirmação em entrevista a Folha de São Paulo, se baseando em documentos publicados pelo WikiLeaks). E essas teorias do pré-sal há muitos anos que ouvimos isso que seria impossível resistir às pressões internacionais. Há uma desconfiança em relação ao Brasil. O país não pode virar uma grande potência. Eu estou muito pessimista. Uma coisa que eu falei na Flip é que a vantagem é que poço de elevador tem mola, quando a gente bate em baixo sobe um pouco.

NORDESTE: O ideal seria uma mudança política, uma reforma profunda, com novas caras?
Zé de Abreu:
Mas como, isso? Só com Constituinte eleita para isso, porque com esse Congresso que está aí se tentarmos uma reforma política vai ser uma loucura. A primeira coisa que vai voltar é o financiamento de campanha. Uma empresa poder eleger deputados! Isso é uma praga na política dos governos federais. Não faz sentido. Empresa não vota, compram mandatos. Todo mundo sabe que um deputado federal para se eleger no Rio de Janeiro custa R$ 5 milhões, daí para cima. Se ele tiver esse dinheiro para gastar, se elege. Porque custava para fazer tantos santinhos, para fazer programa bom de televisão. Agora isso não vai mais ser possível, só se o cara for rico. E se ele for rico não vai querer gastar dinheiro do bolso para se eleger. Não sei, acho que vai ter uma adaptação na próxima eleição. Mas não dá para fazer Constituinte, nem reforma com esse Congresso. Com esse Congresso que fala sim, sim, pelo meu pai, no dia seguinte o pai do cara vai preso. Sim, sim, pelo meu marido, no dia seguinte o marido da mulher vai preso. Essa coisa da bancada da Bala, Ruralista, Evangélica… o mesmo discurso racista, homofóbico, misógino, machista, contra as minorias todas. Tudo que é diferente tem que ser eliminado. Todo mundo tem que ser igual. O que é isso?! Isso é nazismo, fascismo. Todo mundo tem que ter nariz adunco… estou muito pessimista.

NORDESTE: Vamos voltar um pouco no passado. Queria que você me contasse um pouco do seu início. Você foi preso no Congresso da UNE?
Zé de Abreu
: Era uma coisa muito comum na época. Quem não militava politicamente, eu faço uma piada: “não comia ninguém”. Era algo muito comum na época… Na faculdade 90% era de esquerda, 5% alienado e 5% de direita, talvez. Não era nenhum ponto fora da curva. No Centro Acadêmico sempre tinha discussões sobre o Brasil, sobre a realidade brasileira. Como o Brasil sempre tinha sido explorado, primeiro pela Europa e depois pelos EUA, buscávamos entender o funcionamento do imperialismo americano. Tinha aquele livrinho “Um dia na vida do Brasilino”, do Paulo Guilherme Martins, muito interessante. O livro fala de um brasileiro que acorda depois de dormir num colchão Foamex, da Firestone, ele pisava com um sapato cuja sola era Good Year, escovava dente com escova TEK, com pasta de dente Kolynos, fabricada pela Anakol. O dia inteiro o brasileiro usava coisas que eram fabricadas no Brasil por empresas estrangeiras. O brasileiro dava royalties de tudo que fazia. Eu acho que a nossa geração era mais culta. A gente via muito cinema francês, italiano, bossa nova, cinema novo, festivais da Record. Havia uma ebulição cultural muito maior. Teve o TUCA (Teatro da Universidade Católica), depois teve o teatro Tusp (Teatro da USP), depois Tesi (Teatro do Sesi) e Sapientia. Aí começaram a explodir grupos de teatros universitário no país inteiro. No Tuca, em São Paulo, saiu eu e Ana Lúcia Torres. No Tuca Rio, saiu Renata Sorrah e o Roberto Bonfim. Eram grupos de teatro político. A minha entrada na política foi coisa natural, fui meio que levado pela massa. Eu não era uma exceção. Eu era a regra. O Congresso da UNE foi feito em São Paulo. A UNE estava proibida, e a gente não reconhecia a proibição da nossa entidade. Resolvemos fazer um Congresso escondido. Impossível. Em plena ditadura fazer um Congresso escondido com 700 pessoas era um absurdo.

NORDESTE: E a Ação Popular?
Zé de Abreu:
A Ação Popular (AP) era do TUCA, um grupo de teatro que pertencia a uma entidade política chamada Ação Popular. Uma entidade de esquerda católica, bem cristã. Foi fundada na França com o nome de Action Libérale Populaire, e era baseada nos católicos mais de esquerda Jacques Maritain, até Teilhard de Chardin. (AP decidiu-se pelo “socialismo humanista”, buscando inspiração ideológica em Emmanuel Mounier, nos jesuítas Teilhard de Chardin e Henrique Cláudio de Lima Vaz, Jacques Maritain e no dominicano Louis-Joseph Lebret). Era uma visão mais humanística da igreja e da religião, da sua obrigação de diminuir a desigualdade entre os homens, porque, afinal de contas, Cristo veio a terra para pregar isso: todos somos iguais, todos somos filhos de Deus, todos temos os mesmos direitos. Então a minha entrada na política através da AP foi como um compromisso quase que social da igreja. Eu fui seminarista, estudava na universidade católica. Tinha o Sérgio Motta que era o trator de Fernando Henrique, quando ele foi presidente (Sérgio Roberto Vieira da Motta foi ministro das Comunicações do governo FHC). Sérgio Motta foi quem criou o TUCA, o grupo de teatro. Ele gostava muito de teatro. Ele tinha um amigo, Joaquim Roberto Freire, psiquiatra e escritor, que foi o diretor artístico do grupo de teatro. Foi ele quem criou a história de montar o “Morte e Vida Severina”, um poema de João Cabral, um auto de natal pernambucano, que o Chico Buarque musicou. Naquela época, o João Cabral ficou meio cabreiro, porque a ditadura não gostava muito disso… um nordestino que migrava e ia atrás da água, do mar, e quanto mais ele chegava perto do mar, ao invés de ver verde, via mais morte. Não havia solução. Foi um sucesso estrondoso, inclusive ganhou um prêmio na França, no Festival Internacional de Nice. O sucesso foi tanto que o governo Português convidou para apresentar em Lisboa. Foi a maior saia justa, porque o João Cabral era o embaixador lá e era o auge da ditadura. Nesse contexto, voltando para a UNE, fazer o Congresso em Ibiúna (SP) foi natural. Éramos da liderança, José Dirceu o presidente da UEE de São Paulo. Então a responsabilidade de fazer o Congresso da UNE veio para UEE-SP (União Estadual dos Estudantes).

José Dirceu em foto durante Congresso da UNE

NORDESTE: Foi aí que você conheceu José Dirceu?
Zé de Abreu
: Conheci o José Dirceu no primeiro dia de aula, quando eu entrei na faculdade ele já estava lá há um ano. Eu conheci José Dirceu com a turma do Centro Acadêmico que ia de aula em aula conversar com os calouros, dar boas vindas. Já naquela época já estavam substituindo os trotes. Cortavam os cabelos, mas não tinha aquela coisa de humilhação. Tinha uma briga do excedente, que era gente que tinha tirado cinco, mas não tinha lugar na faculdade. Todo ano tinha essas pessoas, depois eles passaram a não publicar as notas. Só tinha 30 vagas, entravam 30 pessoas. Mas antigamente nas universidades particulares as notas de corte eram superiores a cinco. As vezes quem tirava cinco, não conseguia entrar, só entrava quem tirava até sete. Então chamavam excedente. Esse pessoal pressionava muito a universidade para dar lugar a eles.

NORDESTE: Você se tornou amigo de José Dirceu?
Zé de Abreu:
Havia muita solidariedade na época. Eu fiquei amigo, como fiquei amigo de várias pessoas. Tinha uma turminha de amigos, uns dez, onde tinha gente do TUCA e do Centro Acadêmico, ele fazia parte. Mais tarde, lá pelos anos 80 é que ficamos amigos mais próximos.

NORDESTE: O que foi que motivou a aproximação?
Zé de Abreu
: Ah, não sei, esses coisas não se explica. Ele foi casado com uma prima da minha ex-mulher, a Nara, uma gaúcha. Mas essas coisas não se explicam. A coisa da turminha que era amigo e se encontrava, até o pessoal que tinha entrado na faculdade antes… não tinha assim uma coisa específica. Eu era mais amigo de uns outros amigos dele, mas a gente estava sempre nos mesmos lugares. Depois ele foi para a política e eu fui trabalhar com teatro e a gente a acaba se encontrado em festas e foi criando uma amizade maior.

NORDESTE: Você considera que houve uma injustiça no julgamento de Dirceu?
Zé de Abreu
: Considero. Tem uma frase da ministra (Rosa Weber): ‘não tenho provas, mas a literatura jurídica me permite condenar’. Isso não existe, domínio do fato… o José Dirceu é um cara que mais entende do Brasil, tinham que acabar com ele. Politicamente vivo era uma ameaça, ele sabe tudo do Brasil. Qual a produção de algodão em 1930, do café em 1948. O cara é uma enciclopédia brasileira. Mas, infelizmente para o Brasil, ele é de esquerda. De esquerda não consegue sobreviver. Vide Getúlio Vargas, João Goulart, a própria Dilma Rousseff. Daqui a pouco vão prender o Lula, o cara mais investigado da história do Brasil. O Jorge Bastos Moreno (articulista de O Globo) há uns quatro anos publicou um twitter dizendo: se o Lula cometeu algum crime a imprensa brasileira é a mais incompetente do mundo, porque faz mais de 35 anos que investiga a vida do cara e nunca descobriu nada. O Zé (Dirceu) agora vai apodrecer na prisão, não param de processar ele. Se você ler a última peça dos advogados dele é uma coisa absurda… O depoimento do Moro é um absurdo. O Moro não sabe o que perguntar, ele não entende nada, nem enxerga o que está falando. Agora querem incriminar o Lula por ter ajudado as empresas brasileiras a entrar na África. Isso é uma coisa louca, todo presidente americano faz isso em troca de muito dinheiro. O Clinton faz isso, vender o país fora. Mas não adianta, é foda! O Lula não fez as reformas que precisava fazer. Não conseguiu, não quis, não sei o que. Agora a gente volta para a estaca zero.

José de Abreu durante a Flip deste ano, na Nau dos Insensatos

NORDESTE: Por que você acha que ele não fez essas reformas e nem denunciou o que aconteceu com o Dirceu?
Zé de Abreu:
Acho que o Lula é sindicalista. Foi criado como um grande negociador. Acho que foi suficiente para ele conseguir o que ele mais queria na vida: acabar com a fome no Brasil. Conseguiu! Conseguiu muito mais do que isso. Um monte de universitários, um monte de escolas técnicas, um monte de sistema de apoio, principalmente para as famílias da pequena agricultura. A agricultura familiar está super sólida. Fez um monte de coisas boas. Agora não fez tudo … não sei porque… problema de Congresso. Eu não sei o que aconteceu, mas o fato é que não mudamos. A gente evoluiu e agora estamos involuindo tudo, voltando atrás. Vamos ver.

NORDESTE: Resgatando essa história da saída do Lula. Eu li que você participou de uma vaquinha na saída do Lula do Planalto. Ele estava sem grana?
Zé de Abreu
: Um dia me ligaram e falaram que o Lula não tinha um puto e precisava ir embora levar uns negócios para o hotel, alugar caminhão. Mas ele nem soube disso. Uns amigos se reuniram e se cotizaram. Foi um cara de Brasília, muito amigo do Lula, que até já morreu. Esqueci o nome dele, poeta, lançou um livro de poesia, dava entrevista para caramba. Mas foi uma coisa sem importância. Não precisa falar disso.

NORDESTE: Mas hoje essa história do Moro querendo pegar Lula, é importante resgatar que ele sai do Planalto sem dinheiro…
Zé de Abreu:
Pois é. Outro dia estava lendo uma matéria, há uns quatro ou cinco dias. Um telefonema que o Moro fez escuta. Era o dono do sítio (de Atibaia) discutindo com a Odebrechet a reforma do sítio, como dono. Ninguém quer usar isso, porque está provando lá que o dono do sítio é o Fernando Bittar. O Bittar discutindo com a Odebrecht as coisas da reforma do sítio. Agora o Bittar é rico para caralho. O pai dele era amicíssimo do Lula. Acho que o Bittar tem uma empresa aqui no Rio que faz aquela Bíblia do Cid Moreira, que vendeu que nem água. Ele tem um monte de coisas que vende em banca. Acho que chama GOL a empresa dele (Na verdade o Grupo Gol de Editoras é de Jonas Suassuna, outro sócio de Bittar, dono do sítio de Atibaia). É um negócio grande para caramba. Ele é muito bem sucedido aqui no Rio, ele e o sócio dele que também é muito rico. Eles podem comprar um sítio e emprestar para o Lula para o resto da vida, não tem problema nenhum. É negócio de louco. Uma doideira. Enquanto isso, eles falam de pedalinho, de um barquinho do Lula que é de alumínio. É kafkiano. Investigar os presentes que o Lula ganhou… não têm o que falar e ficam falando picuinha. Vão investigar o Instituto Fernando Henrique Cardoso! Está foda, não vejo solução.

NORDESTE: Para fechar, sobre o movimento hippie que você também participou, tudo estava junto com a esquerda?
Zé de Abreu:
Não, primeiro foi uma tentativa de uma mudança social. Como a mudança social não vingou, porque você era morto, preso ou torturado, acho que naturalmente veio uma saída esotérica. Mas acho que no mundo inteiro a saída esotérica foi por uma descrença no establishment, no estado, no mundo inteiro. O estado não era mais capaz de promover a felicidade. Fomos nos dando conta que a felicidade estava em outra parte.

 

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