BRASIL

A trajetória de João Lobo e os pilares da criação, por Aldo Lopes de Araújo

Em novo texto, o escritor e intelectual Aldo Lopes de Araújo avalia a performance do fotógrafo João Lobo, natural da Paraiba mas ultimamente residindo em Portugal diante da conjuntura focando ainda entrevista concedida pelo artista ao programa “Vanguarda” ancorado por Abelardo Jurema Filho na TV MASTER.

 

Eis a síntese a seguir:

 

“O tempo do movimento” é um projeto concebido pelo artista visual paraibano João Lobo. Desenvolvido ao longo de três anos de dedicação ininterrupta, o trabalho resultou num pacote surpresa que será desembrulhado em momento oportuno. No combo vem um filme, uma exposição fotográfica e uma intervenção pública. Para concretizar isso, o paraibano — que há sete anos mora em Lisboa — mobilizou uma equipe para coadjuvá-lo, furou a burocracia lusitana, a ponto de chegar a acoplar uma câmera de alta resolução na locomotiva de um comboio, e por vários meses monitorou e armazenou as imagens que deram lastro e forneceram matéria-prima para a formatação desse empreendimento artístico de grande porte.  

 

Para se ter uma ideia da grande sacada desse paraibano que coleciona prêmios nacionais e internacionais, a câmera de alta resolução foi colocada na frente da locomotiva “com o obturador aberto, e em todo o percurso ela faz uma só foto, um filme congelado numa única imagem”. A revelação de João Lobo queimou meu HD de imediato, porque não entendo nada desse negócio de jogar pedra na lua, e acertar. Arrastando os vagões de sua imaginação irrequieta e criadora, Lobo promete para breve a concretização da segunda etapa da obra, aquilo que ele chama de intervenção pública. Trata-se de um painel de 50 metros de comprimento por 5 de altura, ao longo de um viaduto de Lisboa. “Nesse painel eu inverto o processo cinematográfico”, explica João. Em outras palavras, ele quis dizer que a imagem é quem contempla o espectador. O cidadão vem no seu carro em movimento e, à medida em que avança, a imagem estática se reveste de ânimo, se movimenta. 

                  

No cinema, são necessários 24 quadros por segundo para se criar a ilusão do movimento. No caso do painel, o espectador a bordo do seu automóvel em velocidade é que faz o papel dos fotogramas. Enquanto o observador se desloca para a frente, as fotografias do conjunto do painel provocam neste a ilusão do movimento. A impressão que se tem a seguir é de que há uma pessoa andando ao pé de um muro. Pois bem, essas fotos têm as digitais da pata do Lobo. A originalidade de tal criação desponta como nitroglicerina pura e cria uma expectativa nos meios artísticos, sobretudo dos patrocinadores. Isso naturalmente fritaria os neurônios dos irmãos Lumière, pioneiros do cinema, que conceberam a primeira projeção comercial da história, em Paris, com o célebre filme mostrando a chegada de um trem à estação. 

                      

Em entrevista concedida recentemente a Abelardo Jurema Filho, da TV Master, João Lobo detalhou alguns aspectos de sua vida como artista visual em Lisboa e a receptividade por parte do público daquele país à sua produção, como ocorreu em relação à recente exposição “Do outro lado”, reunindo fotógrafos de várias nacionalidades. João demonstra uma inquietude típica dos grandes criadores, de caras que desenvolvem ideias mirabolantes e vez em quando convence algum produtor igualmente maluco que o financia e faz a maluquice se tornar realidade. Isso aconteceu em 2019, em Brejo do Cruz, com uma mostra de fotografias do seu acervo projetadas diretamente na pedra da Turmalina, uma formação granítica de 300 metros de altura e a mais de um quilômetro e meio de distância da cidade. 

               

Nessa noite teve de tudo na terra do saudoso advogado Avany Maia, pai do artista, que não chegou a ver o filho João dinamitando a cidade. A primeira atração do performático João Lobo foi uma explosão mecânica seguida da aparição de Nossa Senhora, a padroeira da cidade projetada no paredão de pedra, cartão postal da cidade. Na torre da matriz os sinos tocavam e as fotografias uma a uma iam se refletindo em tamanho gigantesco na superfície do rochedo, enquanto a população levitava ouvindo os solos dilacerantes da guitarra de Alex Madureira. Depois veio o tsunami musical da Orquestra Sinfônica da Paraíba sob a varinha de bruxo que os deuses colocaram na mão do maestro Luiz Carlos Durier.  Uma verdadeira apoteose. Há quem afirme ter escutado tiros de canhões, como na Oração 1812, de Tchaikovsky, mas foi o efeito de um baseado. Nessa noite só faltou chover. O senhor Barão, prefeito da cidade à época, ia pedir mais esse favorzinho a João Lobo, e acabou esquecendo. 

               

“Os fotógrafos dizem que não sou fotógrafo, os cineastas dizem que eu não sou cineasta, e os artistas plásticos dizem que eu não sou artista plástico. O meu trabalho não tem uma personalidade e isso me agrada de certo modo, porque eu não estou preso a nenhuma escola, a nenhum tipo de segmento artístico. A minha produção é livre, espontânea, e diante disso eu procuro renovar e inovar a linguagem tanto da fotografia, como do cinema e das artes visuais como um todo”. A afirmação de João Lobo é para ser escrita no bronze, no granito, pois ela demonstra a dignificação da arte em todos os seus aspectos, sobretudo no tocante aos estatutos da originalidade, da independência e da sua capacidade de transgredir, de renovar, de ser universal. Cometer arte, na lente objetiva do filho de dona Jandira, é não ser candidato a nada, nem a vereador, não ficar refém de nenhum cânone estético, seja na forma, seja no fundo. Assim deve se portar o artista, livre dessas amarras, para poder subverter a ordem e renovar, desafinar o coro dos contentes e ser gauche na vida, como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade. 

               

Naquela manhã de setembro de 2018, nos gloriosos dias pré-covid 19, verão em Lisboa, a cidade abarrotada de turistas, encontrei João Lobo flanando pelo calçadão às margens do Tejo. Ele pisava sobre as enormes letras dos versos de Fernando Pessoa. “O Tejo não é maior que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. Dali entramos no convento dos Jerônimos, e eu levei uma facada e um tiro de doze quando me deparei com o túmulo de Luiz Vaz de Camões. Fiquei emocionado. E ali, entre as colunatas e os arcos daquele belíssimo exemplar da arquitetura manuelina, aos pés do mausoléu seiscentista, João se meteu a declamar um soneto do autor de Os Lusíadas. Quando já ia no segundo quarteto, uma senhora se aproximou, pedindo silêncio. Camões não deve ter gostado da interrupção. Nem eu. Rapariga.

     

                           

 


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