PERNAMBUCO

“Acampamento” de sem-teto em calçada do Parnamirim expõe ferida social

A cena, infelizmente, não chega a ser incomum. Ocupando um trecho de calçada em uma das esquinas da Rua Estrela, no Parnamirim, Zona Norte do Recife, um grupo de sete dependentes químicos destoa da frágil tranquilidade do lugar. Espalhados num colchão velho e compartilhando água, comida e tubos de cola, eles se revezam em turnos, aguardando o amanhecer e o consequente acesso à sede do Atitude (Atenção Integral aos Usuários de Drogas e Familiares) na capital. Voltado para usuários de drogas, o programa do estado é celebrado pelo público-alvo, porém, o número de vagas está longe do ideal. Como os leitos para pernoitar no lugar são ainda mais disputados, alguns preferem dormir do outro lado da rua à perambular pela cidade noite adentro. A situação, entretanto, vem incomodando os moradores da localidade.

No Recife de hoje, o impacto inicial do cenário não poderia ser outro. Pouco movimentada, a rua Estrela – como incontáveis outras – tem testemunhado assaltos a pedestres e motoristas e muitos ficam intimidados pela presença daquele grupo de usuários, como destaca o estudante Renato Klaus. “Passo sempre por aqui e a verdade é que toda vez fico com medo. Já fui assaltado duas vezes e prefiro atravessar para o outro lado da rua”, admite. Não há, porém, qualquer registro de assalto relacionado ao grupo, como testemunha o funcionário público Diego Wanderley, que também mora na região. “Sempre faço esse caminho e nunca os vi abordarem ninguém. Na verdade, costumam desejar bom dia, boa tarde.”

A permanência do grupo ali nem sempre é harmoniosa. Zelador de um dos prédios da rua, João Gomes conta que alguns costumes têm incomodado os moradores. “Algumas vezes, a esculhambação fica grande demais. Além de usarem drogas, é normal eles fazerem sexo no meio da rua, por exemplo”, conta. “E isso acontece muitas vezes na hora em que o pessoal está saindo para levar os filhos na escola. Aí, a situação é sempre muito desconfortável, né?”, acrescenta a doméstica Alexandra Cristina.

Um dos integrantes do grupo, Iranilson dos Santos explica que a escolha pelo ponto é natural e acredita que a insatisfação com a presença deles ali pode estar relacionada ao preconceito. “A população quer tirar o morador de rua da rua, mas a rua é a nossa casa. A gente não tem pra onde ir. Se a gente sair de uma calçada, vai para a outra”, reflete Ratão – como prefere ser identificado. “Mas foi até bom ter rolado essa repercussão, porque assim o povo fica sabendo que o Atitude está ajudando muita gente, mas que precisa de muito mais vaga”, acrescenta.

Vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do Governo do Estado, o programa Atitude já tem sua ampliação prevista. De acordo com a psicóloga Malu Freire, coordenadora da secretaria executiva de Política sobre Drogas, a meta faz parte do plano de gestão do governador Paulo Câmara. “Uma das metas para este ano é a implementação de abrigos para adolescentes, já que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não permite que eles sejam assistidos junto com os adultos”. Além disso, Malu ressalta que todos os integrantes do grupo já estão inseridos no Atitude. “Apesar de, no momento, eles não fazerem parte do pernoite, todos eles têm os dias certos para frequentar a sede. Alguns, dois dias na semana. Outros, três dias. Depende muito de cada caso”, ponta. “Por isso, não há muito o que possamos fazer sobre o lugar onde eles escolhem dormir quando não estão conosco. A gente até acompanha, orienta, mas eles são livres para ir e vir. Afinal de contas, esta é a prerrogativa do programa”.

Diario de Pernambuco


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