CEARÁ

Acesso à moradia é desafio do próximo prefeito de Fortaleza

A dona de casa Adriana Maria da Silva, 43 anos, mora no bairro Demócrito Rocha, em Fortaleza, com os cinco filhos e o marido em uma casa cedida pelo sogro. Ela está inscrita no programa Minha Casa,Minha Vida há 4 anos e aguarda ser uma das próximas sorteadas pela Prefeitura de Fortaleza para ter a casa própria.

“Essa casa não é minha. Meu sogro tem outros filhos e alguém pode querer a casa de volta. Aqui é pequeno para a gente. Tenho uma filha que sonha em ter um quarto para ela. No meu bairro, uma moça foi sorteada e fico com a esperança de que tudo dê certo. Quero uma coisa minha. ”

Adriana faz parte de um contingente de 120 mil pessoas que vivem em Fortaleza, mas não têm casa própria (a maioria mora de aluguel ou em áreas de risco). Além desse grupo, um terço da população da cidade vive em casas precárias e 68% das moradias da cidade não têm escritura. Os dados são da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor).

Por outro lado, segundo informações do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab), vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC), existem cerca de 70 mil unidades habitacionais sem uso na capital cearense e terrenos vazios à espera da implantação de projetos de moradia de interesse social.

Os paradoxos da habitação numa cidade com 2,6 milhões de habitantes são um desafio para o próximo prefeito, que será escolhido nas eleições deste ano e assumirá a prefeitura em 1º de janeiro de 2017. Em Fortaleza, oito candidatos disputam o comando do Palácio do Bispo, sede da administração municipal.

“O desafio que ele vai ter é histórico, porque os problemas não foram criados ontem. Todos os problemas habitacionais são resultado de um processo de desenvolvimento desigual, das concentrações de renda e fundiária, da especulação imobiliária histórica. Se o próximo prefeito quiser fazer uma coisa decente em Fortaleza, será enfrentar os latifundiários que existem na cidade. Se conseguir fazer isso, será um salto de qualidade enorme”, indica o arquiteto e urbanista Renato Pequeno, coordenador do Lehab.

De acordo com a Habitafor, a política habitacional atual tem como ações a construção de unidades, a regularização fundiária e melhorias habitacionais. O acesso da população que tem entre zero e três salários mínimos à moradia de interesse social hoje é feito por meio do Minha Casa, Minha Vida (MCMV): os interessados se inscrevem e aguardam sorteio para receber uma unidade em um dos três empreendimentos construídos nesta modalidade na capital. Essa forma de acesso obedece à resolução do Ministério das Cidades.

Olinda Marques, secretária-executiva do órgão, afirma que as unidades construídas em Fortaleza pelo MCMV somam 13,5 mil nos últimos quatro anos. Ao todo, foram contratadas 30 mil unidades. Os dois sorteios realizados este ano beneficiaram 7,5 mil famílias. Segundo a Habitafor, famílias sem renda fixa pagam R$ 25 por dez anos. Já as que têm até três salários mínimos contribuem com 5% da renda também durante o mesmo período.

Desafios

A secretária considera que a política de habitação será um grande desafio das capitais e microrregiões metropolitanas pelos próximos 40 anos. “A pressão contra famílias sem unidade habitacional e no aluguel está se proliferando porque o mercado é caro, a terra corresponde a 40% do valor da moradia, não existe muito financiamento disponível para famílias até 3 salários mínimos. Estamos buscando alternativas pós-Minha Casa,Minha Vida. Renato Pequeno acrescenta que há na cidade também um processo de empobrecimento das famílias, com a queda do poder aquisitivo.

Para começar a enfrentar essa realidade nos próximos quatro anos, o arquiteto considera que o gestor eleito para comandar a capital precisa considerar a aliança entre as políticas habitacional e urbana. Um dos principais reflexos dessa associação está na regulamentação das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), destinadas à habitação para as famílias mais pobres da cidade, prevista no Plano Diretor de Fortaleza desde a aprovação da sua última revisão, em 2009.

Um dos tipos dessas zonas é chamada Zeis de vazio, onde não há nada edificado. Segundo o arquiteto e urbanista, elas poderiam servir à construção de unidades, mas, segundo ele, nenhuma das cerca de 50 que constam no Plano Diretor foram usadas para este fim. Um exemplo dado pelo professor é a da remoção de famílias da Comunidade do Trilho, no bairro Papicu, para a implantação de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), projeto que fazia parte das intervenções para a Copa do Mundo de 2014.

De acordo com ele, havia uma Zeis de vazio no mesmo bairro, onde essas famílias poderiam ser realocadas. Em vez disso, famílias foram transferidas para o residencial Cidade Jardim, do MCMV, distante 16 quilômetros de onde viviam. Já no local da Zeis de vazio, segundo o pesquisador, foi construída uma loja. O bairro Papicu é uma das áreas mais valorizadas de Fortaleza.

“Os projetos habitacionais feitos em Fortaleza tendem a ser bastante periféricos, o que reflete uma segregação involuntária dessas famílias. Na hora de se conduzir projetos desses, a prefeitura poderia usar Zeis de vazios, com vários pequenos conjuntos atendendo às demandas localizadas. Só que ela se submete ao que o setor da construção civil quer, que é construir muito e em um lugar distante, porque ele ganha mais e não interfere no mercado imobiliário. A localização de um conjunto habitacional num bairro valorizado incide diretamente no valor da terra e dos imóveis.”

Veja as propostas dos candidatos

Francisco Gonzaga

O candidato Francisco Gonzaga (PSTU) rechaça a lógica de construção utilizada pelo MCMV, que se atrela a grandes construtoras e mantém a população beneficiária nas periferias distantes da cidade. Sua proposta é utilizar a mão de obra do público-alvo das unidades habitacionais, construindo casas em regime de mutirão e com recursos da prefeitura. Segundo Gonzaga, há estudos que indicam que essa forma de trabalho faz com que as residências construídas tenham melhor qualidade.

Heitor Férrer

Heitor Férrer (PSB) também quer apostar no orçamento municipal para construir habitações para a população de baixa renda. O programa pretende usar sobras da construção civil recicladas e transformadas em bloquetes, tipo de pré-moldado que servirá à construção em larga escala e a baixo custo. A pretensão de Férrer com o programa é construir 15 mil casas.

João Alfredo

João Alfredo (PSOL) defende a regulamentação das Zeis. Ele propõe um amplo processo de regularização fundiária das casas localizadas nessas zonas – também visando à identificação de áreas que possam ser desapropriadas. Outra proposta do candidato é o uso do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) progressivo, que visa a identificar imóveis que servem à especulação imobiliária e que seria, segundo ele, um instrumento de arrecadação de recursos para a habitação.

Luizianne Lins

Luizianne Lins (PT) diz não considerar justo o sorteio para selecionar famílias para habitações de interesse social, conforme determina a resolução do Ministério das Cidades que trata do MCMV. Ela quer retomar programas de habitação criados nos seus dois mandatos como prefeita (2005 a 2012), como o Casa Bela, que investia em melhorias habitacionais, além de apostar nos mutirões para construção de casas, com terreno, material e assistência técnica cedidos pela prefeitura. A ideia da candidata é construir 10 mil novas casas.

Roberto Cláudio

Roberto Cláudio (PDT), candidato à reeleição, que dar continuidade ao modelo vigente. Ele informa que já está autorizada a construção de 13 mil novas unidades e que pretende viabilizar a regularização fundiária de mais 20 mil residências. Segundo ele, já está em andamento em dois grandes bairros da capital (Pirambu e Jangurussu) um projeto de melhorias residenciais voltadas para a construção de banheiros. Caso seja reeleito, ele pretende levar esse projeto a outras áreas da cidade.

Ronaldo Martins

Ronaldo Martins (PRB) baseia sua proposta para habitação na melhoria de residências de pessoas que vivem em condições precárias. Segundo ele, existem 44 mil famílias que precisam reformar suas casas e construir banheiros e pisos. Ele chama a proposta de Cimento Social. Na construção de novas unidades, ele propõe erguer 10 mil casas com recursos municipais.

Tin Gomes

Tin Gomes (PHS) defende um cadastro único entre município, estado e União para controlar a concessão de habitações e o desenvolvimento de novos projetos para retirar pessoas de áreas de risco. Segundo o candidato, as novas unidades serão construídas com recursos dos três entes e deverão incluir, obrigatoriamente, equipamentos como escolas, creches e posto de saúde.

Capitão Wagner

Capitão Wagner (PR) também quer que haja investimento dos cofres municipais na habitação. Ele estima que haja 85 áreas de risco em Fortaleza e um déficit de habitações de 80 mil. Sua proposta envolve a criação de sete usinas de reciclagem de sobras da construção civil para construir casas populares e o uso do regime de mutirão. O objetivo dele é reduzir o déficit habitacional pela metade e diminuir o número de áreas de risco.

Agência Brasil


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