*Por Luciana Leão
Em tempos de crise climática, a agricultura praticada nos centros urbanos precisa sair da invisibilidade e se posicionar como uma das estratégias de promoção da segurança alimentar nas cidades.
Esse é o alerta feito pelo novo estudo do Instituto Escolhas, Como o Governo Federal pode apoiar os municípios no fomento à produção local de alimentos? que traz recomendações para a gestão pública nacional – considerando a implementação do Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (lançado em setembro) – além de dados inéditos sobre o potencial de produção de alimentos e seus benefícios em três capitais brasileiras – Curitiba, Recife e Rio de Janeiro.
Produção de alimentos
A Revista NORDESTE entrevistou a gerente de Projetos do Instituto Escolhas, Juliana Luiz, que avalia ser o modelo de agricultura urbana uma oportunidade para apoiar a escassez de alimentos e tornar os ambientes das cidades mais verdes.
NORDESTE– Como a senhora evidencia tal realidade nas capitais nordestinas no sentido de ampliar a demanda de acesso a recursos e uso de áreas por parte das famílias?
JULIANA LUIZ – Para a região Nordeste, diversos estudos meteorológicos já vêm apontando aumento das mudanças na frequência, intensidade e duração a eventos relacionados a extremos climáticos como é o caso das ondas de calor, secas e inundações. Esses eventos geram impactos negativos no dia a dia, mas também impactam muito na produção de alimentos, e, consequentemente, geram impactos no abastecimento e disponibilidade para a população.
Então, quando falamos em fomentar a produção de alimentos perto dos grandes polos consumidores, com destaque para as capitais e regiões metropolitanas, nós estamos lançando desafios de construir ambientes urbanos mais verdes, sustentáveis, resilientes e também a possibilidade de uma alimentação mais saudável, com frutas, legumes e frutas para as famílias nordestinas.
Experiências que geram riquezas
NORDESTE– No caso do Recife,quais experiências exitosas elencaria como modelos? Houve apoio por parte dos gestores públicos ou ainda podemos considerar incipientes tais demandas?
JULIANA LUIZ – Além do Recife, o estudo conduzido também teve como parceiras as cidades de Curitiba, Rio de Janeiro e Recife. E, um dos fatores dessa seleção foi o fato das três cidades já terem incorporado o tema da agricultura urbana de maneira institucional. No Recife, eu me refiro à Secretaria Executiva de Agricultura Urbana, criada em 2021. E, para essa institucionalidade recente no Recife tende a ser uma virada de chave para o tema avançar nos municípios. Especialmente, porque a agenda da agricultura urbana ainda é muito inviabilizada nas cidades, mesmo sendo o município a unidade administrativa mais próxima onde ocorre a agricultura urbana.
A responsabilidade dos municípios
O município também é um ente responsável pelo uso do espaço urbano. Então, trazer o tema da agricultura urbana para dentro das prefeituras e das políticas públicas municipais é um importante passo como já realizado pelo Recife. Cabe para os próximos passos seguir mapeando as especificidades da agricultura urbana existente no território, reconhecê-la como prática socioeconômica relevante, incorporar tal atividade na lógica para organizar a cidade e também atrelar à agricultura urbana a outras políticas e iniciativas municipais, sobretudo àquelas voltadas para segurança alimentar nutricional e geração de renda.
NORDESTE– Em outros países, há uma cultura de se ter suas próprias plantações, hortas, quintais produtivos. Como o Brasil e o Nordeste se insere nessa prática?
JULIANA LUIZ – Assim como diferentes experiências internacionais, o Brasil tem inúmeras famílias e comunidades produzindo alimentos nas cidades, seja em seus quintais, ou em áreas coletivas. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, Recife tem mais de 800 hectares de estabelecimentos agropecuários e são 100 o número de estabelecimentos que produzem hortaliças e esses 100 têm geração de receita de R$ 1 milhão ao ano, com a venda desses legumes e verduras produzidos.
Soluções sustentáveis
O estudo mapeou outras áreas com potenciais para produção de alimentos na cidade. E com o uso de apenas 5% dessas áreas em potencial, ociosas, a probabilidade de receita com a venda chegaria, segundo nossos cálculos, a R$ 8 milhões ao ano. Trata-se portanto de uma estratégia socialmente relevante, mas sobretudo economicamente viável e os caminhos para esse avanço incluem desde a produção local, consumo de alimentos, até a promoção da segurança alimentar, educação alimentar e conexão com políticas de geração de renda.
NORDESTE – Quais foram as áreas mapeadas pelo estudo na capital pernambucana e se há a intenção de se ampliar para outras capitais do Nordeste?
JULIANA LUIZ – Por imagens de satélite, o estudo do Instituto Escolhas mapeou áreas ociosas e subutilizadas. Essas áreas que podem ser tanto públicas como privadas representam 404 hectares e estão localizadas em 71 dos 94 bairros da cidade. Se só 5% desses espaços fossem dedicados à produção de alimentos, estamos falando de mais de mil toneladas de legumes e verduras disponíveis por ano.
Essa quantidade tem o potencial de abastecimento de mais de 60 mil recifenses, o que representa 18% das pessoas inscritas em situação de pobreza no CadÚnico, cadastro federal para apoio a programas e políticas sociais.Se a gente olhar pelo viés da geração de renda, esses mesmo 5% têm potencial de geração de renda para mais de 400 pessoas. A incorporação da agenda pelos municípios, portanto, deve sim ser comentada por mais municípios, sempre atrelando um desenvolvimento mais sustentável e saudável ao desenvolvimento urbano.
Curitiba e Rio de Janeiro
Na capital paranaense, 96% das pessoas em situação de pobreza no município (de um total de 143.835 pessoas) poderiam ser abastecidas por ano com 4.859 toneladas de alimentos produzidos em apenas 5% das áreas potenciais mapeadas pelo estudo.
Já o Rio de Janeiro enfrenta desafio maior, por ter mais de 1 milhão de pessoas inscritas no CadÚnico em situação de pobreza. Para atendimento integral desse contingente, seria necessária a ocupação de 74% das áreas ociosas mapeadas.
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