BRASIL

Análise de José Natal: Brasília, estrela do nosso chão

A porta dos barracos, dos antigos acampamentos que abrigavam os operários que construíram Brasília, era sem trinco. Talvez escoradas apenas pelas conhecidas tramelas de madeira. Não era preciso trinco, reinava paz e harmonia naquele ambiente de pura humildade, esperança de dias melhores e sonhos de que um dia a vida seria melhor.

 

Afinal, estavam ali construindo uma cidade, erguendo prédios para o poder e moradias para abrigar famílias que chegavam de outros campos, de todo lugar. Não era preciso se trancar, todos dormiam a noite, o dia seguinte era de poeira e suor.

 

 

Ao contrário da poesia cantada de Orestes Barbosa, a vida não era um palco iluminado, ninguém se vestia de dourado, e não haviam palhaços em perdidas ilusões, tampouco guizos falsos de alegria. Havia sim uma efusiva salva de palmas febris, uma esperança em imensos corações, de que um dia, quem sabe, tudo aquilo se tornaria um novo lugar para se viver, quem sabe como o cantar alegre de um viveiro.

 

Roupas comuns penduradas em varais, trapos coloridos agitavam bandeiras e a vida tinha que ser vivida, como se fosse um eterno festival. Muitos viviam fantasias, entre palmas de ricas emoções. Baianos, goianos, gente do Sul e do Norte, muitos de todo lugar, era uma caravana de eterno chegar, para uma cidade edificar. O chão de poeira, cimento e ferro se dilatava no planalto central. Era um esboço, um projeto, onde muitos sopraram ventos e fizeram uma Nova Capital. Por aqui, sessenta e quatro anos atrás, os astros não eram distraídos e aqueles quase sempre mal vestidos sequer se davam ao luxo de comemorar um feriado nacional.

Não há como não se emocionar, e não sentir o coração, ao relembrar essa epopéia que passou. Uma aventura vivida, dose alta de emoção. A obra se fez cidade, cresceu a população, e hoje quando clara a realidade muitos ainda buscam no passado algum abrigo que acalenta o coração. Hoje nossa cidade, adulta, madura, pronta com outro chão, transpira o ar do progresso. Se apresenta ao mundo com imponência e garbo, muito mais para ser vista como grande Metrópole do que um palco saudosista de um luar do sertão.

 

 

A luta que se trava hoje é para que haja menos tetos de zinco, que a lua ilumine barracos com mais estruturas, e mantenha o mesmo amor no coração. E tudo seria bom, e tudo seria melhor, se meia dúzia de poderosos olhassem com ar de ternura e com vontade de fartura para centenas de moradores de ruas, que perambulam pela cidade, sem onde dormir e comer.

 

 

Sem onde viver. E tudo seria bom, e muito mais saudável e sadio, se meia dúzia de governantes olhassem com mais cuidado e carinho as filas intermináveis da população que dorme nas filas dos postos de saúde, onde a saúde é capenga. Aos 64 anos, nossa cidade tão bela, amada e curtida nos quatro cantos do mundo, não pode ser manchete de jornal estampando foto de criança visitando
cestas de lixo na periferia.

 

Há que se ter um basta nessa parafernália gerada por um trânsito desgovernado e
mal sinalizado, que aplica um castigo sem piedade, sem a menor consideração. Nossa cidade é uma catedral da natureza, onde o verde prevalece, o ambiente favorece a vida e o cidadão busca o que precisa, e merece.

 

Em memória daqueles que aqui plantaram, e fizeram gerar esse monumento da humanidade, o mínimo que se pode pedir é que cuidem melhor do nosso chão, e que se espalhe por aqui com a mesma intensidade – o sentido da preservação, do bem viver e da boa gestão.

 

Há quem diga, que depois dos sessenta, aos erros cometidos dificulta-se o perdão. Nossa boa estampa figura mundo afora, somos até citados como exemplo de modernismo e de melhor viver. Nada mais justo e correto, mas para que isso se perpetue, população e governo devem atuar juntos. A população, da forma possível e com empenho e prazer, tem se dedicado, na teoria e na prática. Como estrela do nosso chão Brasília. Que assim seja.

José Natal
Jornalista


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