BRASIL

CNI diz que processo de impeachment atrasa saída da crise brasileira

O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga, revelou em entrevista coletiva quais as expectativas da indústria sobre o processo de impeachment vivido pela presidente Dilma Rousseff (PT) no Congresso Nacional. No entender do presidente o processo impede a implementação de medidas eficazes para a saída do Brasil da atual crise financeira. No entanto, uma possível absolvição da presidente lhe daria forças para restabelecer o equilíbrio no país. Confira a entrevista na íntegra. 

Revista NORDESTE: Qual a posição do CNI em relação ao Impeachment, após a Fiesp afirmar que apoia formalmente o processo?
Robson Braga
: O processo de impeachment é democrático, está previsto na nossa constituição, na nossa legislação. Agora é está para se definir um rito nesse processo e nós somos a favor que esse rito seja seguido o mais rapidamente possível. Agora não temos um posicionamento político de sermos a favor ou contra o impeachment. Isso aí eu acho que os órgãos brasileiros, o Congresso Nacional é que tem a responsabilidade de fazer essa análise e o julgamento. Tenha ele, hoje, a legitimidade ou não. Mas eu acho que ele é que tem que fazer isso, ele é que tem todos os dados e informações. A gente tem algumas informações, algumas que a gente citou, ativamente como por exemplo na apresentação do TCU nas analises das contas e outras informações que são de mídia. Acho que nós temos instituições no Brasil, as nossas instituições que têm mostrado que estão fortalecidas e preparadas e que tem passado por situações diversas que nós temos enfrentado. Então essa é a posição nossa, que inclusive foi discutido ontem na nossa reunião de diretoria. Claro que pessoalmente cada um tem a sua posição a favor ou contra, mas institucionalmente nós somos a favor que esse processo seja julgado rápido, de acordo com o rito estabelecido pelo STF, e com as decisões que o Congresso Nacional for capaz de tomar.


NORDESTE: Um possível afastamento da presidente poderia ser uma âncora para restabelecer a confiança, já que vive esse clima de desconfiança há alguns anos?
Braga:
 Eu posso falar com você de expectativas. Não posso… é difícil falar de hipóteses dessa natureza quando a gente vê a politica brasileira tão dilacerada. Porque os principais partidos, os partidos mais fortes do Brasil, também não tem hegemonia, uma coesão dentro dos próprios partidos. Eu acredito que se a presidenta Dilma for absorvida, que ela vai ter mais força para tomar decisões. Pelo menos eu acredito nisso, que ela deveria ter ali um aval para tomar as decisões que o país precisa para sair dessa situação. E se por acaso tiver o impeachment e o vice-presidente Michel Temer assumir eu tenho certeza também que ele vai ter um período de graça, de benevolência da sociedade brasileira que vai dar a ele um prazo acreditando que ele vai fazer as reformas e mudanças necessárias. Mas eu acho também que esse período não vai ser longo, porque o povo brasileiro não está com muita paciência mais não, a gente está vendo que, felizmente, eu acho, nós estamos sendo mais impacientes, porque não dá para a gente ficar esperando muito tempo. Eu acho que nós temos que trabalhar com a decisão que o Congresso Nacional tomar. E essa decisão de um lado ou de outro, nós vamos ter que trabalhar junto, discutir, apoiar. Nós vimos que o PMDB lançou um programa, Pontes para o Futuro, analisamos o programa do PMDB, lá tem 60%, 70% de propostas que vão na mesma direção daquelas que a gente tem discutido e tem falado que são necessárias. Agora eles vão ter realmente condição… eles acabaram de lançar o programa… então…não acredito que a pessoa lance um programa agora e daqui a três meses…


NORDESTE: Refazendo a pergunta, a gente está numa situação que não tem expectativa e não sabe para onde está indo. A presidente deu sinal claro de que não vai conter tanto o gasto, para manter o programa Bolsa Família e outros investimentos, a gente corre o risco de ter um retrocesso na agenda fiscal e qual seria a solução?
Braga:
Para nós o setor na área privada é inacreditável o que está acontecendo. Nós temos um ano que estamos discutindo a questão do ajuste fiscal. Esse ajuste fiscal, nesse um ano, passou por acabar com a redução da desoneração de folha, aumentar a CPMF, aumentar a CIDE e retirar o recurso do Sistema S. A única coisa que conseguimos disso foi reduzir com a desoneração da folha, o resto o Congresso não votou, não apreciou e não teve consenso dentro do próprio governo. Quer dizer um proposta apresentada pelo ministro Levy o próprio governo não validou essa proposta. O orçamento da União se não me engano é em torno de R$ 3,3 trilhões de reais, aí você fala que tem que precisamos economizar R$ 30 bilhões de reais para fazer um superávit de 0,5%, que foi a proposta para 2016. É inacreditável que a gente com um orçamento desse tamanho ficar discutindo R$ 30 bilhões, R$ 10 bilhões. É o Bolsa Família que é o problema. R$ 1,4 bilhões da Lei do Banq, que as empresas, eles acabaram, a única coisa que as empresas tinham para fazer inovação, eles acabaram… Qualquer bom administrador, qualquer empresa, vai entrar lá e dizer que se é R$ 3,3 trilhões, eu vou economizar R$ 130 bilhões. Quer dizer, nós estamos discutindo muito pouco e a margem de segurança é tão pequena. Nós estamos discutindo agora entre 0 e 0,5%, claro que isso vai evaporar no meio do caminho. Se nós estivéssemos falando de 10%, você poderia dizer: não vai terminar com 10%, vai terminar com 9%, com 8%. Mas nós estamos discutindo meio por cento, meio por cento alguma coisa vai acontecer e esse dinheiro vai embora. Então nós corremos o risco, eu acho, de ter um déficit fiscal no ano que vem de novo. Porque nós não estamos fazendo as reformas que o Brasil precisa. Nós não estamos mexendo na previdência, nós não estamos trabalhando no seguro desemprego, nas despesas automáticas, quer dizer, despesa de Saúde, Educação, Segurança, tudo despesas vinculadas. Fica difícil. Então tinha que trabalhar em cima dessas coisas, mas para trabalhar nisso é preciso de três coisas, primeiro, acreditar; segundo ter vontade e terceiro ter apoio no Congresso para fazer essas mudanças. E essas três coisas estão faltando no Brasil. Eu espero que no ano que vem, de uma forma ou de outra, a gente tenha condições de um governo tomar essas medidas, porque se não, não vamos conseguir. Hoje a aposentadoria média do brasileiro é de 54 anos. Tudo bem, eu gostaria de me aposentar com 54 anos, mas qual país que aguenta sustentar uma aposentadoria com as pessoas se aposentado com 54 anos. Quantas pessoas vão precisar trabalhar para pagar aposentadoria daqueles que estão saindo. 54 é média da aposentadoria brasileira. Tem alguns com 48 anos. Nós precisaremos ter coragem de enfrentar isso, porque o corporativismo que quer manter essa aposentadoria do jeito que está hoje, talvez vá chegar daqui a 10, 15 anos, e o Brasil não vai ter condições de pagar essas aposentadorias e nós vamos estar na condição que a Grécia está. Só que a Grécia está na União Europeia que tem a Alemanha, a França e outros que acabam arrumando recursos porque não querem acabar com o bloco. E nós , só que formos pedir dinheiro para a Venezuela, para a Bolívia, Paraguai.


NORDESTE: Como o senhor avalia o trabalho do ministro Levy a frente do Ministério da Fazenda?
Braga:
Eu vou dizer o seguinte, no Brasil o Ministério da Fazenda ele acaba sendo muito mais do que o Ministério da Fazenda, acaba sendo quase um Ministério da Economia e as políticas públicas de desenvolvimento, de crescimento, mesmo sendo gestadas e imaginadas em outros ministérios, como Desenvolvimento, Agricultura e Planejamento, acaba tendo uma conclusão e implantação pelo Ministério da Fazenda. E isso nós não vimos. Nós não vimos a Fazenda dialogando, discutindo e preparando propostas, com exceção daqueles que foram apresentados ao Congresso Nacional. Reforma do ICMS, não teve uma… continuamos do jeito que nós estávamos antes, PIS, COFINS, também continuamos do mesmo jeito. Então, a gente tem discutido muita coisa. A gente tem discutido, discutido, discutido, fazemos DR todo dia. DR é discutir relação.


NORDESTE: Mas o senhor não foi muito explícito nessa sua avaliação se o Levy fez uma boa ou má gestão, pelo visto os resultados esperados ficaram aquém do programado?
Braga
: Eu vou dizer o seguinte, não tem resultado. Qual resultado? A proposta de ter um déficit menor esse ano não aconteceu. A proposta de fazer um superávit o ano que vem, não vai acontecer. Então nós não fizemos nada. Foi um ano completamente perdido. Agora não estou dizendo que seja culpa dele, porque ali se tem o envolvimento da presidência da república, da Casa Civil, do ministro do Planejamento, mas também do Congresso Nacional, da Câmara e do Senado. E, cá entre nós, trabalhar com a Câmara e o Senado esse ano está muito difícil, não está fácil. A gente não consegue… são poucas coisas que a gente conseguiu esse ano trabalhar com eles.


NORDESTE: Com essa mudança da meta, há uma sinalização para o mercado de que um novo rebaixamento e a perda do grau de investimento de uma segunda agência de classificação de risco possa vir. Na sua avaliação para a indústria, para a economia brasileira, para o brasileiro que não entende nada de agência de rating, o que pode refletir no bolso dessas pessoas?
Braga:
Na realidade para o brasileiro que está preocupado com o seu salário e trabalho, o que importa é se ele vai ter emprego, ou se ele não vai ter emprego. Realmente essa questão das classificações das agências de risco é uma coisa que atinge um determinado nível de investimento, de propensão de investimento, de investidores e tudo. Com relação a perder o grau de investimento nós vamos perder mesmo, alguém tem dúvida disso. Ninguém duvida mais, todos já damos como certo, que já perdemos e vamos perder. Eu acho que vamos perder. Mas nós temos que ver como vamos recuperar o grau de investimento. É isso que temos que ver. E nós só vamos recuperar o grau de investimento se fizemos mudanças que sinalize mudanças na economia brasileira, se não fizer não vamos. Porque que alguém iria mudar. Você aplicar nos EUA é muito mais seguro. Os EUA deve aumentar a taxa de juros, elevar um pouco. Agora você vê, eles ficaram dez anos com a taxa de juros estabilizada, você imagina que coisa, a gente aqui ficou dois meses. Mas a inflação do Brasil também está difícil de ceder, não é uma coisa muito simples. Aí eles põem a culpa no câmbio, agora esquecem de falar nas tarifas públicas, de energia, de ônibus.


NORDESTE: Só uma dúvida, vocês decidiram na reunião de diretoria não tomar publicamente uma posição pró ou contra o impeachment da presidente e deixar isso na mão do Congresso. Mas existe no CNI um cenário com a presidente e sem a presidente. Existe um número?
Braga:
Francamente, a gente realmente espera que essa decisão seja equilibrada. Uma decisão baseada na legislação, que as nossas instituições saiam mais fortes. As pesquisas que nós temos os empresários estão divididos com relação a qual situação seria melhor ou pior. Tem empresários que acham que seria melhor o impeachment, outros acham que não. Nós fizemos uma pesquisa onde alguns responderam um pouco antes da aceitação do impeachment pelo presidente Cunha e outros responderam logo depois e as posições são diferentes. Você vê que aquilo teve um impacto na confiança do empresário. Quer dizer, essas coisas políticas o impacto é imediato e certamente os empresários, e as empresas estão trabalhando com perspectivas de ter cenários melhores para 2016, qualquer que seja o governante. Porque se for o Michel Temer realmente ele terá um período de graça, se for a presidente Dilma espero que ela saia um pouco fortalecida desse processo. Os partidos estão muito divididos, estão. Agora tem que ver também quais serão as pessoas que vão trabalhar com ela no futuro. Então as coisas estão muito indefinidas, é muito difícil da gente fazer uma… a única coisa que podemos fazer são projeções de números pelas nossas pesquisas. A indústria o ano que vem detecta um decréscimo, a indústria de transformação ainda vai cair mais um pouco. O desemprego ainda vai aumentar na indústria. Quer dizer essas pesquisas são muito concretas em função do que os empresários estão vendo do mercado no ano que vem. E nosso mercado interno não reage, está cada dia pior. Ninguém tem confiança de fazer compras, as pessoas estão deixando para o mais tarde possível. Conversando com o presidente da CNC, a pesquisa que eles têm é que o comércio está acreditando na última semana do natal. Isso mostra a situação que as pessoas estão mesmo tentando deixar para o último momento.

Talvez a gente esteja tendo aí uma janela de oportunidade como nunca tivemos no país, porque a gente sempre teve crises econômicas e as crises políticas talvez menores do que as econômicas. Então você tinha soluções políticas que, de uma certa forma, minimizava a crise econômica, diminuía o impacto, criava alguns mecanismos que os economistas chamam de anticíclico, que dava algum resultado. Paliativo. Só que hoje nós temos uma crise politica que a gente não sabe dizer o que é pior, a crise econômica ou política. Uma crise de confiança tão grande, se eu perguntar para vocês qual líder político hoje que é de confinaça agora da sociedade brasileira. Vocês têm contato com o público, com as entidades, os empresários, os organismos. Em quem o brasileiro acredita hoje como grande liderança no Brasil? Sempre tem algum senão, tem alguma coisa. Isso acho que é o nó nosso, nós estamos chegando numa situação de caos e o caos tem que surgir uma luz, uma solução.

NORDSTE: Dentro da linha caos, a agência Fith rebaixou o Brasil, gostaria que o senhor comentasse.
Braga:
Acho que já era esperado. Nós fomos rebaixados e agora temos que pensar o que vamos fazer para corrigir isso e ser elevado de novo a um grau de investimento adequado. Há pouco tempo atrás estávamos discutindo no brasil que tínhamos grandes oportunidades , na construção de arenas, dos jogos olímpicos do rio de Janeiro, aeroportos, metros para os jogos da copa do mundo, mobilidade urbana. Alguma coisa foi feita e muita coisa não saiu do papel e muita se gastou e está lá parado. Eu estive em Cuiabá recentemente. Em Cuiabá construíram a arena do Pantanal e projetaram um VLT entre o aeroporto e a cidade. Você vai lá e tem trilho jogado no chão, não está nem implantado, tem parafuso, tijolo, quer dizer, quanto de dinheiro que foi jogado fora. Então essas coisas a gente precisa mudar. Eu acho que a agência de risco é isso. A agência de risco não vai matar a gente. Quando você conversa com um investidor ele faz assim. Mas se eu quero investir em rodovia no Brasil. Com agência de risco ou sem agência de risco ele vai investir, afinal ele está no Brasil. Agora o cara que tem aplicação financeira, fundos e essa coisa toda, ele se pergunta se será que é adequado, será que eles vão pagar, será que eles vão dar calote? Essa é a questão. Eu acho que não é difícil da gente mudar isso e dar uma sinalização para o mundo de uma mudança efetiva no Brasil. Nós temos todas as condições de fazer isso, temos todos os diagnósticos, não precisa de mais diagnóstico, temos todas as propostas. Se você considera a proposta do PMDB, com a do PSB e outra do PSDB que deve lançar agora. Não tem muitas divergências, são coisas mais ou menos parecidas. Então a gente sabe o que fazer, o problema é que precisa ter alguém que tenha coragem para fazer. Eu hoje falei com uma amiga minha da imprensa que eu gosto muito e disse que eu estou seguindo um frei franciscano que foi meu professor, falava muito comigo, acabou ficando muito amigo e depois faleceu. Ele falava assim, Robson você tem que fazer duas coisas. Primeiro você tem que trabalhar, trabalhar, trabalhar, como se tudo no mundo dependesse do seu trabalho. Depois você tem que rezar, rezar, rezar, como se tudo dependesse de Deus. Eu estou fazendo as duas coisas, mas não está dando certo. Então eu acho que… mas tem caminhos para fazer essas coisas acontecerem.


NORDESTE: Quando se tem um segundo rebaixamento, vários fundos são obrigados a sair do Brasil porque eles precisavam de dois investiment graet para aplicar. Então tem fundos de aposentados do Japão, um bando de gente já deve estar saindo agora. No momento que tem o mercado de crédito privado secando, tem queda de debentures, queda de tudo. Para o investimento qual o impacto disso?
Braga:
Eu até acredito que os bancos privados nunca estiveram propensos para dar recursos para investimentos no Brasil. Os investimentos sempre vieram através do BNDES. O BNDES ainda têm recursos para investimentos. O problema é que não tem demanda. Porque ninguém hoje tem coragem de buscar recursos para investir. O problema que eu vejo isso é a restrição aos recursos para crédito, que já estão escassos, bem difíceis. A população está endividada, as empresas estão individuadas. Nós até fizemos uma proposta ao ministro Nelson Barbosa, de liberar recursos do compulsório, para que as empresas e as pessoas físicas pudessem fazer com esses recursos, uma renegociação das dívidas. Isso já foi feito no passado, não é uma ideia nova, já foi feito com sucesso e poderia ser feito de novo, quer dizer, só no caso de renegociação de dívida você teria liberação dos compulsórios. As empresas hoje é muito difícil tomar crédito em banco, e aí não estou falando só de banco privado, também estou falando de banco público, como banco do Brasil e CEF, porque primeiro o cidadão está endividado, não tem limite de crédito e as empresas não têm nem garantias para dar para poder tirar crédito, porque primeiro não tem contratos para poder dar contratos recebíveis em garantia e segundo os bens que têm já estão dados em garantia também. Como os bancos só trabalham com garantia real, normalmente de 130% do valor emprestado. O mercado de crédito está paralisado no brasil. Os bancos estão fazendo o que? Estão pegando os seus recursos e emprestando para o próprio governo que é a alternativa que eles têm, é mais seguro, ganham mais e não correm risco.
 

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