NORDESTE

Cooperativismo financeiro transforma vidas no semiárido nordestino

O Sicoob Pernambuco é exemplo em cidades sertanejas, como Itapetim, em Pernambuco, e Prata, no Cariri paraibano, com fomento ao comércio, indústria, agropecuária e agricultura familiar.

 

Por Luciana Leão

 

Em tempos de juros e inflação altos, além de crédito escasso nas instituições financeiras tradicionais, eis que o cooperativismo financeiro transforma vidas de pessoas sem acesso às linhas de financiamento, em regiões quase desbancarizadas. 

 

O Sicoob, Sistema de Cooperativas Financeiras, formado por 14 cooperativas centrais, 343 cooperativas singulares e pelo Centro Cooperativo Sicoob (CCS), vem ganhando espaço nos últimos anos. Pelo menos é o que mostra o balanço divulgado em março deste ano, relativo ao ano de 2022.

 

A cooperativa financeira ultrapassou a marca dos 7 milhões de cooperados, um recorde para o cooperativismo financeiro no país. Com isso, ingressou no Top-3 brasileiro do ranking “Melhores Bancos do Mundo 2023”, lista elaborada pela Forbes em parceria com a empresa de pesquisas de mercado Statista. Ao todo, foram avaliadas 415 instituições em 32 países.

 

Nesse contexto de ampliar o raio de atuação e estar presente e próximo às pequenas e médias cidades do interior, o Sicoob Pernambuco tem contribuído para levar recursos a lugares distantes e para pessoas sem acesso às linhas de crédito tradicionais. O Sicoob Pernambuco tem 28 agências, distribuídas em 26 municípios e mais seis agências na Paraíba localizadas em 6 cidades.

 

Em 2022, o Sicoob Pernambuco apresentou resultado bruto de R$ 9,4 milhões, disse , em entrevista ao portal de notícias da Revista NORDESTE, Almir Miranda de Andrade Lima, gerente Regional do Agreste, Recife e Metropolitana.

 

Ainda, segundo o gerente regional, está previsto para o segundo semestre deste ano, a inauguração de mais duas agências em Pernambuco: Araripina e Ouricuri, no Sertão do Araripe.  Além da Regional do Agreste, Recife e Metropolitana, a Cooperativa possui a Regional do Sertão Pernambucano e Cariri Paraibano, sob a gerência de Carlos Henrique de Souza Oliveira.

 

Almir Miranda de Andrade Lima, gerente Regional do Sicoob Pernambuco no Agreste, Recife e Metropolitana. Foto: Divulgação

 

Operamos com todos os produtos e serviços de uma instituição financeira tradicional. Nosso diferencial ainda se soma à distribuição das nossas sobras com todos os associados, ou seja, é recurso injetado na economia local, diferentemente das instituições tradicionais”, avalia o gerente Regional do Sicoob Pernambuco para a Região do Agreste, Recife e Metropolitana, Almir Miranda de Andrade Lima.

 

Itapetim faz história

 

No sertão do Pajeú, em Pernambuco, na cidade de Itapetim, a população em sua maioria trabalha no campo, na agricultura familiar e na pecuária de bovinos e suínos. Mas, algumas histórias são diferenciais para a economia local, como a do empresário Júnior Montenegro que há 17 anos, tornou-se um dos maiores fornecedores de escapamento esportivo do Brasil produzido à base de titânio para grandes marcas mundiais de motocicletas como Honda, Yamaha, Kawasaki, Triumph, Harley Davidson e KTM.

 

 

Empresário Júnior Montenegro, da Logan-RS, criou um escapamento para motocicletas esportivas na cor verde, à base de titânio, único modelo e tecnologia no mundo/ Foto: Arquivo Pessoal

 

Era um sonho pessoal meu. Sempre gostei de motos e toda vida fui criativo para criar peças, foi quando resolvi fazer meu próprio escapamento. A partir disso, surgiu a ideia de comercializar a primeira peça e começaram a surgir encomendas. Deus mostrou as portas e conseguimos evoluir”, relata.

 

Mas, a necessidade de recursos para fazer acontecer o sonho de montar sua própria fábrica  foi paralisado por alguns anos, quando foi trabalhar na Petrobras, em 2008, com soldas para construção de navios. “Meu sonho era investir em tecnologia para fundar a fábrica. Retornei em 2015. No início foi um desafio, mas conseguimos desenvolver”.

 

A Logan-RS foi a primeira no Brasil a produzir escapamentos esportivos à base de titânio, um dos metais mais resistentes e utilizados em diversos segmentos, inclusive, na aviação aeroespacial, medicina, próteses, entre outros. “Tive a ousadia de importar a matéria prima e fazer as primeiras peças aqui em Itapetim”. 

 

 

Fábrica produz para todo o Brasil e mais de 20 países entre Europa, Ásia e América do Sul/ Foto: Divulgação

 

A empresa sertaneja hoje é líder no Brasil e referência mundial na produção de escapamentos para motocicletas esportivas. “Temos processos de produção de escapamento de titânio que só existe a Logan-RS, no mundo, escapamento na cor verde. Tudo isso é fruto de muita pesquisa e desenvolvimento de tecnologia”, acrescenta o empresário.

 

Desafios na pandemia

 

Assim como outros diversos segmentos da economia mundial, a Logan-RS foi pega de surpresa durante a pandemia da Covid-19, mas a produção não poderia parar. Foi quando a parceria com o Sicoob Pernambuco, na unidade de Itapetim, teve um papel importante para fazer a fábrica cumprir a demanda de pedidos.

 

“Quando a gente mais precisou do apoio do Sicoob Pernambuco foi na época da pandemia, porque a gente precisava fazer importação de matéria prima. Estávamos com uma demanda muito alta. Além da importação de matéria prima, era preciso investir em tecnologia. O titânio tem um valor de mercado elevado. O Sicoob nos ajudou na compra da matéria prima e das máquinas para aumentar a produção”, revela o empresário e desenvolvedor da tecnologia Logan-RS.

 

“Temos orgulho de ter contribuído para a continuidade do sucesso da Logan, que precisou de capital de giro, durante a pandemia, e possibilitou à época de crédito financeiro, com taxas menores, e garantiu o reordenamento de seu estoque e matéria prima, equipamentos industriais para apoiar sua expansão”, disse o gerente da unidade na cidade sertaneja, Roberto Brito. 

 

O empresário sertanejo revela ainda que quando a marca se tornou referência nacional além das fronteiras do Sertão, muitos estados e também países fizeram o convite para que a fábrica saísse de Itapetim.

 

“Recebemos convites do mundo inteiro, de São Paulo, Santa Catarina e outros estados. Mas, entendemos que precisamos valorizar quem nos ajudou e a nossa terra, mesmo que o desafio seja grande aqui no Nordeste, em especial, para fazer a importação de matéria prima”, pontua Montenegro.

 

Fomento à suinocultura em Itapetim

 

 

O pecuarista Jailton Lopes (de boné verde) ao lado da equipe do Sicoob Pernambuco, em sua Fábrica de Ração Animal, em Itapetim (PE)/Foto: Arquivo Pessoal

 

No Crédito Rural, o Sicoob Pernambuco mudou a vida do agricultor e pecuarista Jailton Lopes, 48 anos. Desde que começou a criação de suínos de raça, há 18 anos, tornou-se cooperado e pôde injetar recursos para investimentos em pesquisa no laboratório e, posteriormente, em sua fábrica de ração animal, a INA – Itapetim Nutrição Animal, para suínos, bovinos, caprinos, ovinos, equinos e frango de corte e postura.

 

Tão logo comecei na suinocultura, após uns quatro anos, sentimos a necessidade de ampliar o plantel, de fazer laboratório, de fazer inseminação artificial. Foi quando iniciamos a parceria com o Sicoob, em busca de capital para fazer as melhorias na suinocultura. São 15 anos de parceria com o Sicoob”, disse Lopes.

 

Além da fábrica de ração, Jailton Lopes mantém mais duas empresas na agropecuária: criação de suínos e gado de corte, que geram hoje 30 empregos diretos na cidade de Itapetim.

 

 

Jailton Lopes, suinocultor, viu seu negócio prosperar na criação de suínos, quando conseguiu investir em pesquisas e inseminação artificial/ Foto: Divulgação

 

E os planos não param, segundo revelou o agropecuarista. Sendo o milho, o principal insumo na fábrica de ração, o próximo passo para a expansão dos negócios será o financiamento do cultivo de milho irrigado. Essa parceria vai evitar, por exemplo, o que ocorreu com o senhor Jailton, que precisou gastar R $1 milhão para compra de milho vindo da Bahia.

 

“Se o Sicoob financiar os cultivos, vamos entrar com a garantia de compra desse milho, que gira em torno de dez mil sacos de milho por mês ou 40 toneladas/dia. Então, o que for produzido, a gente consegue comprar. Atuamos em 40 cidades num raio de 150 km”, reforça Jailton Lopes.

 

Carlos Henrique de Souza Oliveira, Gerente Regional do Sicoob Pernambuco no Sertão Pernambucano e Cariri Paraibano. Foto: Arquivo Pessoal.

 

É preciso que esses recursos fiquem na cidade e possam beneficiar a economia local. Damos um tratamento mais rápido e humano. Estamos próximos e crescendo na contramão dos bancos tradicionais do interior para a capital”, pontua Carlos Henrique de Souza Oliveira, gerente Regional do Sicoob Pernambuco no Sertão Pernambucano e Cariri Paraibano.

 

Segundo dados  do Banco Central, o Sicoob é a maior rede de atendimento físico do país, com mais de 4,3 mil pontos de atendimento, ultrapassando players bancários relevantes. Em mais de 360 cidades brasileiras, o Sicoob é a única instituição financeira presente fisicamente.

 

No Cariri paraibano

 

Na cidade de Prata, no Cariri paraibano,  município com pouco mais de 2.500 habitantes, o Sicoob Pernambuco é a única instituição financeira da cidade. Antes da chegada da agência do Sicoob, em 2005,  quem precisasse fazer qualquer transação financeira tinha que se deslocar para a cidade de Monteiro, a 40 quilômetros de lá. 

 

“O dinheiro não retornava para a cidade de Prata. A economia, o comércio não funcionava. O pouco que as pessoas recebiam gastavam na cidade vizinha”, comenta o gerente Regional do Sicoob Pernambuco no Sertão Pernambucano e Cariri Paraibano.

 

Agora, a situação é outra. Sendo a única instituição presente, em um município em pleno semiárido nordestino, a agência movimenta a economia local e proporciona melhorias para capital de giro e custeio para produtores de leite de cabra e pecuaristas de gado de corte, além de servidores públicos municipais e comerciantes.

 

Caprinocultor Paulo Fernandes de Deus (E), um dos 1ºs cooperados do Sicoob Pernambuco, na cidade do Prata, na Paraíba. Foto: Divulgação

 

“Hoje temos o benefício de fazer o financiamento rural tanto para o produtor ou pecuarista de bovino de corte como para o produtor de leite de cabra, um dos melhores da região e do Brasil. Conseguimos por meio do Crédito Rural fazer melhorias nas propriedades e também operações como adiantamento da comercialização do leite de cabra. Então, isso ficou muito bom para eles trabalharem a questão da cobertura das despesas mensais. Antes, eles não tinham uma data certa de receber e hoje, os cooperados recebem em dia a produção do mês anterior”, afirma Carlos Henrique. 

 

Para o pecuarista e também empresário no segmento de comunicação, Paulo Fernandes de Deus, a chegada do Sicoob Pernambuco não somente possibilitou o aumento da produção de leite de cabra como o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva. 

 

Lembro-me muito bem quando procuramos o presidente Evaldo e nos reunimos debaixo de uma árvore. Na época, a produção era de 25 litros de leite de cabra e cinco produtores reunidos. O Sicoob Pernambuco estendeu a mão e acreditou em nosso potencial por meio do Crédito Rural Pajeú. Como produtores de leite éramos carentes de linhas de financiamento. Sinto orgulho de ter sido um dos primeiros cooperados em nosso município”, relata o caprinocultor Paulo Fernandes de Deus.

 

Atualmente, o pecuarista também se dedica a um canal de streaming, a TV do Bode, para divulgar a caprinocultura da região do Cariri paraibano pelo país afora.

 

“Sem dúvida, a chegada do Sicoob evitou o colapso da produção leiteira aqui em Prata. Se não houvesse esse olhar diferenciado do Sicoob, com certeza teríamos o fechamento da indústria de laticínio também em nosso município. Hoje, passamos de uma produção de 25 litros para quase 2,5 mil litros mensais”, diz Fernandes.

 

Ele acrescenta que atualmente a produção atende a vários municípios da região, além de mais de 200 famílias envolvidas na cadeia produtiva.

 

Oportunidades na hora do “aperto”

 

José Damião Vieira de Souza saiu do “aperto” financeiro ao conseguir o crédito de custeio por meio do Sicoob Pernambuco, para seu sítio, em Prata (PB)/ Foto: Arquivo Pessoal

 

Quando ficou sem emprego como terceirizado do Estado, no município de Prata (PB), o produtor rural José Damião Vieira de Souza se viu numa encruzilhada, pois não tinha como investir em sua criação de gado de corte, em seu sítio herdado pela família. Sem poder de compra, procurou o Sicoob e tornou-se um cooperado no programa de Crédito de Custeio para criar e engordar os animais.

 

“Estava morrendo afogado no açude, como dizemos aqui no sertão. E vi uma “bóia” e essa bóia foi lançada pelo Sicoob. A cooperativa me ajudou na hora do “aperto”. Pude refazer o cultivo do capim irrigado para alimentar os animais e assim consegui me erguer e seguir a vida, após ficar desempregado. Agora, cumpro meus compromissos e ainda alimento toda a minha família, com apoio e ajuda de outras pessoas”, diz, em tom de gratidão, José Damião.


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