BRASIL

De Pernambuco para o bioma Amazônia : Uma jornada de aprendizagem em busca do equilíbrio entre produzir e preservar a floresta

Por Luciana Leão

 

O pernambucano Carlos Eduardo Souto fez de sua primeira formação em Ciências da Computação uma oportunidade para usar a tecnologia na criação de gado e na cultura da soja e milho safrinha, ao Norte de Mato Grosso, no bioma Amazônia.

 

Os desafios foram muitos, quando chegou ainda jovem, em 1989, para administrar a fazenda Sete Ranchos, adquirida pelo seu pai, Massilon P. Souto Júnior em um terreno desconhecido, até então para ele, o Agronegócio.

 

Hoje, administra uma fazenda com 1.500 hectares de lavoura, com plantação de soja e milho safrinha e mais 1.500 ha de área de pasto para pecuária. A propriedade está localizada no município de São José do Xingu, distante 40 km da reserva indígena do Xingu.

 

Carlos Eduardo Souto usou sua expertise em tecnologia para administrar a produção na lavoura de soja e milho safrinha e organizar o rebanho. Foto: Arquivo Pessoal

 

Com expertise em Desenvolvimento de Sistemas na área de Tecnologia e Inovação, Carlos Eduardo Souto criou um projeto próprio para organizar todos os pastos da fazenda, numerando e medindo cada um deles, além de todo o rebanho de gado da raça Nelore, com 2.000 matrizes, com uma produção de 1.000 bezerros ao ano. 

 

Com o rebanho organizado e controlado e os pastos numerados e medidos, o olhar do pernambucano passou a ser o de corrigir os passivos ambientais, já  que as terras adquiridas pelo pai nos anos 60, início do programa de colonização da Amazônia, no programa sob o slogan “Integrar para não Entregar” incluía a preservação de 50% da vegetação nativa. 

 

Em entrevista exclusiva à NORDESTE,  edição 206, Souto revela desafios em investir em um projeto no segmento agropecuário no Brasil, numa região dentro da Amazônia, mas como produtor, lidar com a terra, estar em contato com animais supera qualquer obstáculo à frente. 

 

Tais dificuldades já podem ser sentidas em nível nacional por conta das crises climáticas, como o fenômeno El Niño que provocou uma redução na produção agrícola da soja e do milho em nível nacional. 

 

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em fevereiro, a redução estimada da produção de soja para o ano é de 1,8% e a do milho de 10,8%. O IBGE estima ainda que a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas em 2024 seja de 300,7 milhões de toneladas — 4,7% a menos do que em 2023, quando o país produziu 315,4 milhões de toneladas dos produtos.

 

O resultado apresentado pelo IBGE vem alinhado com a última pesquisa da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, que também apresentou redução da safra de grãos com relação a 2023, com queda de 7,6%.  

 

A quebra da safra brasileira será maior do que a CONAB está anunciando. O Agronegócio está vivendo um momento crítico, com frigoríficos monopolizando a pecuária. Existem muitos pecuaristas deixando a atividade e migrando para a agricultura”, revela.

 

Confira a entrevista abaixo ou se preferir clique aqui:

 

REVISTA NORDESTE – O que o inspirou a deixar sua terra natal Pernambuco para explorar os campos da Amazônia, ao norte de Mato Grosso?

 

Carlos Eduardo Souto – Sempre ia passar minhas férias de julho na fazenda com minha família. Adorava montar a cavalo e manejar o gado. Em 1989, quando me separei da minha primeira esposa, e meu pai, já tendo se separado da sociedade que mantinha, precisou de minha ajuda, então coincidiu o momento da minha vida particular com o prazer de lidar com o campo, uma paixão que foi crescendo aos poucos e hoje faz parte integral de minha vida, aqui em Goiânia, onde moro com minha esposa Tereza e minha filha. Me divido em passar 20 a 30 dias na fazenda e 20 a 30 dias em Goiânia, por conta da distância.

 

NORDESTE –  Como foi o processo de decisão de se envolver no programa de colonização da Amazônia e comprar terras no norte do Mato Grosso? 

 

Carlos Eduardo Souto – Meu pai adquiriu a propriedade em 1969 e mesmo sendo empresário em Pernambuco,  viajava sempre para acompanhar a implantação do projeto agropecuário. Estamos no bioma amazônico e uma das regras ao comprar a área era que só poderíamos explorar 50% da área, deixando os 50% restantes com a vegetação nativa.

 

DESAFIOS E SUPERAÇÕES

 

NORDESTE –  Quais foram os maiores desafios enfrentados durante os primeiros anos de desenvolvimento do negócio, e desbravar um ambiente ainda desconhecido?

 

Carlos Eduardo Souto – As dificuldades foram muitas, pois as estradas eram sem pavimentação e os recursos das cidades muito longe.  Para fazer o plantio, o desmatamento à época era de machado, só depois vieram as motosserras. 

 

Até 1975, as casas eram barracos, sem energia elétrica e apenas com um pequeno grupo gerador que funcionava pouco tempo à noite para ligar um rádio amador e ter comunicação com a cidade. Em 1975, foi construída uma sede para a fazenda,  toda em madeira, continuando com um grupo gerador. Rede de energia elétrica só foi implantada na região por volta de 1997. Saindo de Goiânia-GO, onde resido, são 1.100km. No início, para chegar à fazenda eram 900 km de estrada sem asfalto, e hoje ainda são 200 km sem asfalto.

 

NORDESTE – Como foi a transição de sua participação inicial na fazenda para assumir um papel mais ativo na administração, especialmente em relação aos aspectos ambientais? Explique melhor essa implementação do sistema de controle computadorizado para gerenciar os pastos e o gado, e como isso impactou a eficiência operacional da fazenda?

 

Carlos Eduardo Souto – A transição foi aos poucos. Fui aprendendo as coisas e implantando uma tecnologia totalmente desconhecida pelo meu pai e principalmente pelos funcionários,  que foi informatizar a fazenda.  Em 1 ano todos os funcionários foram mudados, pois não se adaptaram às novas regras de fornecer informações de manejo do gado, e pediram demissão.  

 

Os novos já entraram com a rotina implantada e tudo foi se ajustando. Agradeço muito ao então administrador que entrou na época, o João 5 horas, assim era seu apelido, que me ensinou muito sobre manejo do gado e aceitou todo o controle, ajustando assim o sistema de informática à realidade da fazenda. 

 

DIVERSIFICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA

 

NORDESTE – Poderia compartilhar mais sobre a diversificação das atividades da fazenda, incluindo o cultivo de soja e milho safrinha, além da pecuária, e como essa diversificação foi planejada e implementada?

 

Carlos Eduardo Souto– Inicialmente, a fazenda viveu da pecuária e foi assim até 2020. Já havíamos recuperado todos os pastos da fazenda,  limpando eles dos tocos e restos do que havia sido uma floresta original. Então, nos deparamos com a necessidade de replantar os pastos que se degradaram com o tempo, porém o custo ficou muito alto e a pecuária não conseguia cobrir as despesas com calagem, gradeação e adubação.  

 

 

Por isso resolvemos implantar a agricultura da soja. A soja é a cultura principal e após a colheita, conseguimos ter uma segunda safra curta. Nessa interface, plantamos o milho safrinha e já plantamos feijão também.

 

Após projetos de conservação da floresta e introdução de outras atividades na lavoura, animais silvestres, como onças, reapareceram no entorno da propriedade. Foto: Arquivo Pessoal

 

Hoje a agricultura vai financiar a recuperação dos pastos que ainda estão na pecuária. Sem falar em outros aspectos positivos, como o reaparecimento de animais silvestres, originários da Floresta, como onça, javalis e aves como tucanos, entre outros. A diversificação da propriedade também para a lavoura trouxe ganhos para o ecossistema na fauna e flora.

 

PRODUÇÃO CERTIFICADA E AUDITADA

 

NORDESTE – Como foi o processo de obtenção de certificações como o SISBOV e a aprovação do CAR junto ao Ministério do Meio Ambiente, e qual o impacto dessas certificações na operação da fazenda?

 

Carlos Eduardo Souto – O SISBOV foi um sistema implantado pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para atender a exigências da União Europeia (UE), para que o Brasil pudesse exportar carne para lá.

 

Como todo meu gado já estava controlado, facilmente implantamos o sistema, que consiste em colocar um brinco, espécie de placa em cada animal com um número que o identifica no MAPA. 

 

 

Fomos a primeira fazenda da região a ser credenciada pelo SISBOV, e somos monitorados por qualquer comercialização de nossa produção, já que possuímos a certificação do SISBOV. Além disso, a propriedade é auditada a cada cinco anos.

 

 

O CAR é uma exigência criada pelo governo, que consiste em relatar toda situação ambiental da propriedade. Meu pai sempre respeitou bem os 50% de preservação, mas não teve o mesmo cuidado com as margens dos córregos, que precisam ter 30 m de floresta nativa de cada lado. 

 

 

Alguns tinham e outros não. Então eu fiz uma parceria com uma ONG chamada ISA (Instituto Sócio Ambiental) e começamos a replantar as árvores e cercar as margens dos córregos. Tem um córrego que foi feita sua recuperação desde a nascente com ajuda da empresa Natura Cosméticos. Ainda estamos recuperando algumas áreas, pois demanda certo tempo para a total recuperação.

 

INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA 

 

NORDESTE – Poderia explicar mais sobre o projeto de recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) em colaboração com a SEMA, incluindo os desafios enfrentados e os resultados alcançados até o momento?

 

Carlos Eduardo Souto- Recentemente, assinamos um PRA ( Projeto de Recuperação Ambiental) com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso (SEMA), que estipula um prazo para toda a recuperação das áreas ainda degradadas. Na parte onde implantamos a lavoura é mais fácil, mas na área da pecuária, precisamos fazer cercas e dar manutenção constante, pois o gado quebra a cerca e entra na área que não devia. Para recuperar as APPs, compramos sementes de plantas nativas da região,  além de prepararmos o solo, semeamos as sementes das diversas plantas. Essa mistura de sementes, na região, chamam de muvuca.

 

NORDESTE –  Como avalia o papel da tecnologia e da sustentabilidade na gestão e no futuro da fazenda?

 

Carlos Eduardo Souto – A tecnologia é fundamental para a saúde de uma fazenda,  sem ela você não sabe quais as vacas que dão bezerros fracos ou que passam 1 ano sem parir ou que já está com idade avançada, gerando custos desnecessários, pois você não identifica o animal a ser descartado. 

 

Na agricultura a tecnologia reduz os custos e faz a produção brasileira ser competitiva mundialmente, tanto pelo preço quanto pela produtividade.

 

A tecnologia só tende a aumentar na agropecuária, com tudo ligado via Internet e o produtor acompanhando tudo em tempo real.

 

DESMATAMENTO

 

NORDESTE – Na atualidade e em tempos outrora, os biomas brasileiros sofrem com  desmatamento ilegal para fins comerciais ilícitos.  Como lidar com esses desafios diariamente? 

 

Carlos Eduardo Souto – O produtor rural tem sido acusado injustamente pelo desmatamento ilegal. Não que isto não aconteça,  pois em todas as profissões sempre há aqueles que tentam tirar vantagens, mas a grande maioria segue as regras, pois nem as tradings e nem os frigoríficos, compram produtos de propriedades com problemas ambientais. 

 

Somos fiscalizados pela SEMA via satélite diariamente, então qualquer área desmatada ilegalmente é prontamente identificada. 

 

Tivemos muitos problemas quando a propriedade vizinha à nossa foi invadida pelo MST. Nesta época eles entravam nas matas desta fazenda, derrubavam e depois tocavam fogo. Isto nos causou muitos problemas com incêndios. Tivemos dois grandes incêndios na fazenda, um em 1997 que queimou toda a propriedade e outro em 2020 onde tivemos 70% da fazenda atingida. Nunca houve queimada lá e sim um incêndio proveniente de uma propriedade vizinha, conforme demonstrei a uma repórter na época com fotos de vacas mortas pelo fogo.

 

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E FUTURO

 

NORDESTE – Teria alguma opinião sobre o futuro dessas terras e da região do Cerrado e Amazônia frente às necessidades urgentes de preservação ambiental, combate à desertificação e a crise climática?

 

Carlos Eduardo Souto – O Brasil é um país que tem uma aptidão agrícola muito grande. A nossa região é uma das últimas fronteiras para a agricultura, sem desmatar mais nada. São terras planas, com chuvas regulares, e tem muitas áreas de pasto degradadas e precisando de reforma. 

 

A agricultura é a solução. Com a agricultura, chega muita gente para trabalhar, inclusive atualmente, temos muitos maranhenses que vem procurar serviços aqui,  e com isto a infraestrutura é melhorada, tanto com estradas asfaltadas, como hospitais e educação.

 

Em relação às mudanças climáticas, este ano, tivemos um forte impacto com o fenômeno El Niño. Nossa produção de soja caiu de 65 sacas/hectare para 40 sacas/ha, numa área cultivada de 1.400 hectares. Agora, a expectativa é que iremos conviver com a La Nina, que deve provocar muita chuva na região, entre outubro/24 e abril/25.

 

A quebra da safra brasileira para os grãos será maior do que a CONAB está anunciando. O Agronegócio está vivendo um momento crítico, com um frigorífico monopolizando a pecuária, existem muitos pecuaristas deixando a atividade e migrando para a agricultura.

 


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