BAHIA

Decepção é regra em peneiras de clubes

O relógio crava 12h. Diogo parte 'a mil' da escola. O teste promovido pelo Bahia a garotos nascidos entre 2000 e 2004 ocorreria em seu 'domínio': o Centro Social Urbano (CSU), em Pernambués. É lá, num campo de barro, onde Diogo treina toda terça e quinta na escolinha do professor Paulo Tite.

O caminho teve uma parada em casa, onde o almoço o esperava. Porém, apressado, pegou o par de chuteiras dois números a menos do que seu pé tamanho 40, presente de um amigo, e seguiu sua jornada de barriga vazia.

O CSU já estava apinhado. Ao ver os centenas de concorrentes, Diogo se benzeu, pedindo para que os anos de treino no Atlético de Pernambués se transformassem em oportunidade no futebol. Diogo jogava no time do bairro graças à isenção da mensalidade de R$ 30 mensais que ganhou do dono. "Mas sai do Atlético em maio. Ia ter um torneio e eu não tinha R$ 10 para pagar a inscrição. Aí, fui para a escolinha de Paulo Tite".

Bastaram 15 minutos para Diogo marcar quatro gols e ser aprovado pelo observador do Bahia, Adílio Gomes. "Demonstrou habilidade e técnica acima da média. Tem boa visão de jogo, bom passe… O aguardo no Fazendão".

Diogo voltou para casa feliz da vida. Desta vez, ele conta com a ajuda do tio, Arlindo Filho, que pagou os exames médicos. Resta aguardar a 2ª etapa do teste, que começará em meados deste mês.

Diogo e outros dois garotos foram aprovados num universo de 340. Isso significou que 337 deixaram a peneira com a tristeza estampada no rosto.

Luiz Gustavo, 12 anos, foi um deles. Logo ao deixar o CSU, a revolta aumentou: "Tchau, gordinho! Hoje não deu pra você", ria um franzino garoto, que ouviu a tempestuosa resposta: "Vou lhe dizer quem é gordinho aqui… Ei, você sabe que isso é bullying?!", bradava Luiz, que, impõe respeito com 1,72 m e 83 kg.

Luiz Gustavo nasceu com 4,64 kg e 55 cm. As bochechas rechonchudas ratificavam a alcunha de 'Godinho', que ele recebeu da mãe, Silvaneide, nas primeiras semanas de vida. Aos 9 anos, começou a jogar bola no 'Beco da Caçamba', onde, até hoje, um morador insiste em estacionar o veículo dificultando o baba da criançada. "Ele chegava sem as unhas do pé, todo suado, sangrando, mas feliz. Só que foi crescendo e se chateando por besteira", revelou Silvaneide.

Ano passado, Luiz teve acompanhamento nutricional por dois meses. "Mas fui demitido e perdi o plano de saúde que era extensivo à família", relembra o pai, Gustavo, que relata sofrer pelo filho. "Ele tem esse sonho de ser jogador, mas precisa perder peso e eu não tenho condições de bancar um tratamento e colocá-lo numa escolinha de futebol".

Destacar-se em escolinhas é um bom meio de chegar aos clubes

É o caso do volante Mateus, 16 anos, que conquistou uma vaga no Vitória em janeiro deste ano ao se destacar no time sub-15 do MAF, campeão da Copa Rubro-Negra, promovida pelo Leão com a finalidade de descobrir novos talentos.

O garoto é capixaba e, em busca de um futuro no futebol, está em Salvador há um ano. "Às vezes, choro pela falta da família, dos amigos, do carinho e da comida da minha mãe…", comenta o jovem.

A força para superar a saudade veio de um teórico arquirrival. Mateus foi residir na casa de Robson, zagueiro titular do profissional do Bahia. Eles se conhecem desde a infância na cidade natal dos dois, Itaguaçu (ES), de população de 14,5 mil, duzentas vezes menor do que a capital baiana.

"Assim que soube que Mateus vinha para Salvador, ofereci minha casa para ele ter onde morar. É um menino bom, não dá trabalho. Independentemente da rivalidade, torço muito para o sucesso dele", diz o zagueiro tricolor.

"Robson é meu ídolo e conselheiro. Até o começo do ano, era segundo reserva no Bahia e eu o via treinar cada vez mais. Robson ainda ficou três anos sem ver a família. Hoje, passou por tudo e é titular do Bahia. Me espelho nele", declara a promessa do Vitória. Robson e Mateus iniciaram na mesma escolinha, de propriedade de Wanderson Vasconcelos, conhecido como Índio e empresário dos dois.

Agora no MAF, Humberto quer ter trajetória igual à de Mateus

Sem intermediários, George Lira vem empresariando diretamente o garoto. No começo deste ano, conseguiu um teste para Humberto no Vitória.

"Passei no teste e comecei um período de avaliação no Vitória, só que meu empresário queria que eu fosse logo integrado em definitivo. Como isso não ocorreu, ele me tirou de lá", conta o jovem. Em contato com o dono do MAF, o ex-dirigente Newton Mota, Lira obteve uma equipe para Humberto seguir seus treinos. Como forma de apoio, a mãe de criação se mudou para Salvador no começo de setembro. "Logo estarei num grande clube", finalizou, confiante.

 

Avaliadores sofrem assédio de pais e empresários

O futebol nas divisões de base ainda é um tema cercado de tabus. Entre eles, eventuais subornos nos processos de avaliação dos jogadores.
Newton Mota, ex-dirigente de Bahia e Vitória, comenta: "Em todo clube acontece. Às vezes, pais e empresários oferecem dinheiro para que seus jogadores sejam aprovados. Tem pai que pelo filho é capaz de propostas indecentes. Só que o futebol está tão transparente que jogos de infantil e juvenil já são televisionados. Aí, vão ver um jogador ruim e dizer: 'Esse é protegido'. Então, não deixo nenhum jogador ser aprovado sem o meu crivo".

Em um fato relatado ao A TARDE por um ex-funcionário do Bahia que não quis ser identificado, Mota teria sido agredido dentro do Fazendão por um pai de um atleta ao não aceitar proposta de suborno.

Mota comenta: "Era um atleta mineiro e que estava em nível abaixo daquela equipe, formada por atletas que depois iriam para o profissional do Bahia, como Vitor (lateral esquerdo), Gustavo Blanco (meia), Jeam (atacante). Então, o pai veio zangado porque haveria a competição em Minas Gerais e seria bom para o filho jogar na terra natal. Mas eu disse: 'Olhe, não é a naturalidade que vai definir nada. Ele não tem condição de fazer parte do grupo'. Aí, o pai tentou oferecer dinheiro, essas coisas…".

Diego Adans e Ricardo Palmeira
A Tarde


 


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