PERNAMBUCO

Defesa da família dos pilotos do avião de Campos critica relatório da FAB

A defesa dos familiares do piloto e do copiloto do avião que caiu, em 2014, com o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e outras seis pessoas afirmou ao G1 que seus clientes ficaram "inconformados" com o relatório apresentado na tarde desta terça-feira (19) pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) da Força Aérea Brasileira (FAB).

 

Em uma entrevista coletiva em Brasília, os oficiais do Cenipa listaram quatro fatores que contribuíram para o acidente aéreo e outros que podem ter influenciado na tragédia:

Indisciplina de voo: o Cenipa aponta que, sem motivo conhecido, houve um desvio da aeronave no momento da descida.

Atitude dos pilotos: no momento de aproximação do solo, o fato de os pilotos terem feito um trajeto diferente do programado mostra que eles não aderiram aos procedimentos previstos, o que terminou gerando a necessidade de arremeter.

Condições meteorológicas adversas: segundo o Cenipa, as condições do tempo "estavam próximas dos mínimos de segurança", mas isso, por si só, não implicava riscos à operação. De acordo com o órgão, os pilotos deveriam ter consultado o boletim meteorológico mais recente, pouco antes da decolagem.

Desorientação: de acordo com o Cenipa, estavam presentes no momento da colisão diversas condições que eram favoráveis a uma desorientação espacial, como redução da visibilidade em função das condições meteorológicas, estresse e aumento da carga de trabalho em função da realização da arremetida, falta de treinamento adequado e uma possível perda da consciência situacional, entre outros.

O comandante do avião, Marcos Martins, tinha 130 horas prévias de voo na categoria da aeronave que caiu em Santos. Já o copiloto, Geraldo Magela, tinha pouco mais de 95 horas de voo.

Um ponto diferencial do relatório seria realizar um simulador de voo nas mesmas condições daquele dia, pegando a perspectiva das aeronaves. A resposta que o Cenipa nos deu é que tentaram [simular], mas a empresa contratada pelo fabricante não permitiu em razão da investigação em curso da Polícia Federal"
Josmeyr Oliveira, advogado dos familiares dos pilotos

Ao contrário do comandante, o copiloto não tinha registros de operação na área de Santos e nem em aeronaves similares ao Cessna C560 XLS+ em período anterior a junho de 2014.

O Cenipa afirma que Martins era visto como "piloto experiente e que sabia gerenciar condições adversas", com "experiência em voos nacionais e internacionais". Alguns dias antes da queda do avião, ele teria comentado com colegas que a "operacionalidade do copiloto não estava adequada e que isso elevava sua carga de trabalho".

Magela também era visto entre colegas, segundo o Cenipa, como um piloto experiente. No currículo, entretanto, apresentou notas baixas em processos seletivos para pilotar aeronaves de grande porte, como o Airbus 319/320.

Ao G1, o advogado Josmeyr Oliveira, responsável pela defesa dos familiares dos pilotos, reclamou que, na opinião dele, o documento "deposita toda a culpa pela tragédia" sobre a tripulação e não avança sobre possíveis falhas da própria aeronave.

"Um ponto diferencial do relatório seria realizar um simulador de voo nas mesmas condições daquele dia, pegando a perspectiva das aeronaves. A resposta que o Cenipa nos deu é que tentaram [simular], mas a empresa contratada pelo fabricante não permitiu em razão da investigação em curso da Polícia Federal", ressaltou Oliveira.

Além da perícia elaborada pelo Cenipa, o Ministério Público Federal, em conjunto com a Polícia Federal (PF), também investiga o acidente. Os fatores que foram relacionados pelo Cenipa – inclusive aqueles que tiveram influência indeterminada – podem ser alvo de investigação por outros órgãos, como a PF.

O defensor da família dos pilotos informou que está elaborando um "contrarrelatório" para contestar pontos do relatório do Cenipa. Segundo ele, a perícia particular ainda não está pronta porque a defesa dos pilotos ainda não teve acesso a parte das informações do voo, mantida sob sigilo durante as investigações do Cenipa. Não há data para divulgação do relatório produzido pelos advogados. 

Aos jornalistas,o investigador responsável pelo relatório do Cenipa, tenente-coronel Raul de Souza, disse que não é possível medir qual foi o grau de responsabilidade dos tripulantes.

"Não foi 100% falha humana. A gente não consegue mensurar qual é a participação de cada fator, qual é mais importante. Alguns contribuíram, outros ficaram como indeterminado", ponderou o militar da FAB.

 

Simulação de voo
Na entrevista coletiva desta terça, o tenente-coronel responsável pelas investigações confirmou que o Cenipa chegou a solicitar a simulação de voo, mas, conforme ele, o pedido foi negado pela única empresa no mundo com essa tecnologia.

"A resposta foi negativa. A empresa americana disse que já tinha recebido uma soliticação de uma investigação criminal do Brasil e, por isso, não atenderia", enfatizou.

Souza afirmou que, mesmo após o fabricante se negar a fornecer o simulador de voo, a FAB reformulou o pedido e reenviou à empresa, mas, novamente, a solicitação foi rejeitada. De acordo com o oficial da Aeronáutica, o simulador de voo poderia ajudar a descartar ou criar novas hipóteses.

Ele, entretanto, rechaçou a hipótese de uma falha no estabilizador horizontal que, segundo a família, poderia ser revelada com o teste. "A gente não pode inventar um dado para criar uma hipótese. Eu não tenho evidência nenhuma de falha mecânica", destacou o investigador.

Já o chefe do Cenipa, brigadeiro Dilton José Schuck, afirmou que o procedimento de simulação de voo seria de pouca ajuda na identificação de problemas mecânicos.

"Seria mais importante para a gente tentar reproduzir as ações dos pilotos dentro da cabine. O simulador não é projetado para identificar essas falhas, e eu diria que a gente conseguiu suplantar essa falta por cálculos manuais. O que ele faria seria facilitar, diminuir a carga de trabalho manual", explicou o brigadeiro.

Imagem mostra o trajeto feito pelo piloto antes da queda (linha vermelha) e a trajetória recomendada (linha preta) (Foto: Reprodução/Cenipa)
Imagem mostra o trajeto feito pelo piloto antes da queda (linha vermelha) e a trajetória recomendada (linha preta) (Foto: Reprodução/Cenipa)

Cansaço
No relatório, os técnicos apontam que tanto o piloto quando o copiloto “extrapolaram” a jornada de trabalho e não tiverem descanso suficiente entre jornadas entre os dias 1º e 5 de agosto de 2014 – o acidente ocorreu em 13 de agosto.

Segundo os técnicos, nos sete dias que antecederam a queda do avião, a jornada de trabalho foi cumprida de acordo com a lei. Apesar disso, eles apontam no relatório que o resultado de um exame pericial apontaram “compatibilidade com fadiga e sonolência” na voz e na linguagem do copiloto.

Eles dizem ainda que não foi possível determinar se a tripulação teve o repouso adequado na noite anterior ao acidente.

O PSB informou, por meio da assessoria de imprensa, que não comentará o resultado da investigação divulgada pelo Cenipa.

Saúde mental
A investigação do Cenipa mostrou, de acordo com Souza, que o copiloto, Geraldo Magela, passou por uma inspeção de saúde em 2003 que destacou "inclinação para um desempenho esforçado, porém rígido e indeciso".

Em outra avaliação, em 2004, o copiloto "alcançou desempenho satisfatório nas competências de atenção concentrada e apresentou traços de impulsividade em avaliação própria de personalidade". Além disso, de acordo com o Cenipa, o desempenho de raciocínio lógico foi "insuficiente, revelando possível dificuldade com dados novos e com as lógicas internas dos problemas".

Em 2012, depois de um incidente aeronáutico, Magela apresentou um rendimento classificado como "ruim" nos testes de mensuração das habilidades de atenção concentrada. No teste de inteligência, obteve resultado classificado como insuficiente e no teste de atenção difusa, resultado mediano. 

Em todas essas inspeções de saúde, de acordo com o Cenipa, o copiloto foi considerado apto para a atividade aérea, mesmo com os resultados negativos nos testes.

O comandante, Marcos Martins, passou por avaliação de saúde mental em 1993, quando iniciou as atividades na área, e o resultado não apontou discrepâncias, de acordo com o Cenipa. Em novo exame, em 1994, teve um resultado classificado como "médio" nas competências de atenção concentrada, inteligência e percepção espacial.

Em 1998, o comandante fez outra avaliação de saúde mental e teve resultado classificado como satisfatório na capacidade de raciocínio e resolução de problemas satisfatória. A capacidade de executar tarefas simples foi acima da média, de acordo com o Cenipa, e a capacidade para perceber relações espaciais, em tarefas complexas, foi considerada insatisfatória. 

"Entretanto, essa caraterística não foi julgada pela avaliação como um impedimento para prosseguir como piloto de linha aérea, tendo em vista as características demonstradas", explicou Souza.

Familiares das vítimas
Nesta terça, oficiais do Cenipa se reuniram com familiares dos passageiros e dos tripulantes da aeronave, mortos no acidente. A reunião foi fechada e o acesso da imprensa aos familiares foi vetado pelo órgão. Participaram da apresentação preliminar 12 familiares das vítimas, de acordo com o Cenipa. Não havia representantes do assessor Pedro Valadares Neto e do copiloto Geraldo Magela.

O advogado da família dos pilotos afirmou ao G1, por telefone, que aguardava a leitura do relatório completo para se posicionar sobre as conclusões do Cenipa.

Em áudio obtido pelo Jornal Nacional no dia do acidente, em 13 de agosto de 2014, o piloto Marcos Martins conversava com controladores de voo e anunciava que faria o procedimento de pouso. O tom de voz não demonstrava alarme e o conteúdo da mensagem não informava qualquer imprevisto, segundo a reportagem da TV Globo.

Fatores acidente eduardo campos  (Foto: Arte G1)

 

 

 

G1


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