PARAÍBA

É necessário que as mulheres ocupem mais cargos políticos e de destaque l Por Pollyanna Dutra *

NOVA EDIÇÃO DA NORDESTE

 

DE OLHO NA POLÍTICA

 

*Por Pollyanna Dutra

 

 

Terra de Anayde Beiriz e Margarida Maria Alves, a Paraíba traz o legado de carregar em sua história exemplos de mulheres que se destacaram em diferentes áreas e que deixaram um impacto profundo na sociedade paraibana. As duas figuras ilustres às quais me referencio carregaram em seus ombros a leveza e a força de fazer a diferença por onde passaram, essa contradição de lutar e resistir, encantar e inspirar, fazendo da Paraíba um estado notoriamente reconhecido por ser o berço de mulheres fortes, talentosas, resilientes.

 

Esse legado feminino que também carrego, contudo, se apresenta repleto de desafios quando o assunto é representatividade social e política. No Brasil como um todo, quando tomamos, por exemplo, a instituição do voto feminino, que passou a dar protagonismo à participação das mulheres na política, remontamos a um passado recente de apenas 92 anos. Na época dessa significativa conquista, porém, as mulheres se viam face a face com enormes desigualdades.

 

Uma delas, por exemplo, eram os obstáculos impostos às mulheres, desde a necessidade de ser casada para ter acesso a alguns direitos até a impossibilidade de ter alguma autonomia sem antes ter o aval de algum homem. A mulher necessitava de uma autorização masculina para exercer algum espaço de protagonismo no país.

 

Quando analisamos, ao longo da história do nosso estado e do nosso país, não apenas observamos pouca presença feminina nos espaços de protagonismo, mas encontramos, também, uma presença que, sobretudo quando interiorizada, representa o reflexo de uma subordinação à presença masculina de um marido ou alguma outra figura paternalista.

 

Um claro exemplo disso são os cargos eletivos ocupados por mulheres apenas devido a algum obstáculo existente para que o seu marido concorra a algum pleito, seja por impossibilidade de reeleição, seja por algum impedimento na justiça.

 

Continuamos sendo usadas, subordinadas, “laranjas” para completar cotas partidárias.

 

O protagonismo e os espaços de representatividade alcançados por nós nunca foram naturalmente nossos, sempre foram resultado de muita luta e resistência.

 

Trago em minha história também exemplos nos quais precisei ser resistente, acreditar além das minhas forças na certeza de que não só temos o direito, mas precisamos representar e nos sentir representadas em cargos políticos e sociais no nosso estado. Apenas quando alcançamos esses espaços podemos inspirar outras a acreditarem que também é possível chegar lá.

 

Ainda em um contexto histórico, apenas em 1965 foi oficializada a igualdade política entre os sexos, 59 anos atrás, quando uma mudança no Código Eleitoral por meio da lei 4.737 tornou o alistamento eleitoral obrigatório às mulheres. Ocorrido em meio à ditadura, esse fato histórico aconteceu em meio a um período sem pleitos. A mulher, de fato, demorou ainda mais para poder exercer esse protagonismo, que denota que o caminho para as mulheres efetivamente ocuparem um espaço de protagonismo na vida pública do nosso país ainda é bastante longo.

 

Conforme o TSE, somos quase 53% do eleitorado brasileiro – uma diferença em relação aos homens de 8,1 milhões de potenciais votos –, contudo apenas 33% das candidaturas ao redor do país, algo muito próximo da cota mínima estabelecida em lei, 30%. Mas quando se trata de eleitas, diminuímos esse percentual ao número de apenas 15%.

 

Mas e o que isso representa? Representa que a maioria da população segue sem representatividade. Tivemos avanços? Sim, mas a passos muito lentos. Conseguimos nos qualificar e, de fato, nos cargos de ampla concorrência já nos aproximamos da paridade, contudo, nos locais de decisão, nos locais de poder, ainda somos o mínimo.

 

Quero aqui refletir um pouco nas causas para sermos ainda tão poucas. Historicamente vivenciamos um protagonismo recente, contudo há obstáculos que maculam ainda mais os desejos de sermos mais representadas nesses espaços.

 

Pollyanna Dutra, em campanha. Foto : Arquivo Pessoal

 

Comigo, por exemplo, trago marcas de machismo, violência psicológica e até mesmo física, ataques sempre protagonizados por homens que não só não aceitam que mulheres alcancem esses espaços, mas que fazem questão de minimizar os nossos processos de lutas, que deveriam ter o mesmo espaço de crescimento que cada um deles têm.

 

Nas últimas eleições no estado da Paraiba, no ano de 2022, por exemplo, pleiteei um cargo de Senado no estado, período durante o qual precisei reafirmar a importância de rememorar essa história de conquistas das mulheres ao longo dos anos para encontrar forças de me submeter a um pleito de uma chapa majoritária no estado da Paraíba. Quanto vale resistir? Para mim, foi muito caro. Eu me lembro de quando fui a uma cidade do Cariri paraibano e um prefeito afirmou que não me deixaria subir no palanque.

 

Em um outro momento, o mesmo prefeito chegou perto de mim, apertou o meu braço e disse: “Eu não disse que você não subisse aqui!” Quando cheguei em casa, que tirei a roupa para tomar banho, os dedos do prefeito estavam marcados no meu braço. Isso é violência. Nesse corpo aqui, tem marcas de violência.

 

Na política e no ciclo social, sofremos apenas por ser mulher. Duvido muito que outro homem tivesse sido alvo de violência dessa forma. Isso tudo sem falar nos acordos para impedir minha entrada em algumas cidades ou mesmo para silenciar minha voz, diminuir meu discurso, esvaziar o espaço para o qual eu estava me dirigindo.

 

Em outra cidade, chegaram a usar motos para fazer barulho durante meu discurso, por simples medo de ver ecoar a voz de uma mulher forte que poderia sensibilizar corações e se mostrar ameaçadora para o futuro político que eles esperavam para seus currais eleitorais.

 

A difícil tarefa de ascender

 

Carrego a responsabilidade de ser uma das poucas mulheres na Paraíba que conseguiram ocupar um cargo político. Fui prefeita por dois mandatos em um ato de resistência de uma cidade histórica em nosso estado, que quis mudar seu destino, em pleno Sertão, dando a uma mulher um espaço de protagonismo.

 

Foto: Arqivo Pessoal

 

Fui deputada estadual, representando essa mesma região, e tive o reconhecimento de ser a terceira deputada mais atuante da Assembleia Legislativa, levando o protagonismo de pautas femininas para o cenário nacional, a exemplo da Lei do DIU, no 2.364/2022, que deu às mulheres a autonomia de escolher colocar um DIU sem precisar da “autorização” dos seus parceiros. Por mais chocante que possa parecer, era necessário que ele concordasse para haver essa “liberdade” junto às operadoras de planos de saúde no estado.

 

É necessário que as mulheres ocupem espaços no poder para que as políticas públicas e inclusivas cheguem àquelas que mais precisam, para que pautas efetivamente femininas sejam colocadas no centro das discussões. Estamos cansadas de ouvir propostas que se distanciam de nós. Precisamos opinar sobre as políticas públicas porque vivemos no dia a dia essa exclusão da ausência de propostas para mulheres e isso é muito sério. A participação feminina nos partidos e na disputa precisa ser vista como natural, essencial, pois isso legitima a democracia e é um indicador de qualidade na corrida eleitoral.

 

Essa conquista do direito feminino ao voto, 92 anos atrás, cumpriu o objetivo de fazer uma reparação de uma dívida histórica e permitiu que pudéssemos fortalecer ainda mais a nossa democracia ao longo dos anos. Após conquistar o direito ao voto, avançamos muitas outras casas, ocupando novos espaços que nos foram negados muitas vezes ao longo do tempo. Se hoje ocupo espaço de protagonismo é porque mulheres corajosas abriram caminho para que eu e tantas outras possamos estar aqui defendendo bandeiras em benefício do nosso povo. A estrada que ainda temos a percorrer, contudo, não é apenas longa, mas sinuosa.

 

Venho de Pombal, no Sertão da Paraíba, onde possuímos mulheres fortes exercendo espaços de protagonismo por meio de projetos sociais, a exemplo do grupo de mulheres que conduz a Padaria Solar das Oliveiras, uma comunidade com 20 mulheres, da zona rural que se juntaram para gerar renda e criaram uma padaria comunitária sustentável com a utilização da energia solar, biodigestor e reuso da água.

 

 

Outra ação importante é o artesanato da comunidade quilombola “Os Rufinos”, que possui mulheres negras à frente do projeto, sendo referência na produção de cerâmica no estado, inclusive exportando seus produtos para fora do país. Trago em mim histórias de inúmeras outras mulheres que resistiram e que também nos inspiram porque acredito que é assim que devemos seguir, inspirando umas às outras, para, assim, chegarmos cada vez mais longe.

 

A sororidade feminina é praticada dessa forma. Todas importam. Quando uma mulher consegue chegar lá, todas as outras também chegam.

 

Que possamos nos inspirar na força da mulher sertaneja e na coragem de todas as paraibanas simples, donas de casa, domésticas, advogadas, professoras e tantas outras mulheres, para não desistir de trabalhar pela construção de um futuro digno, educando nossos filhos com honestidade e dignidade, e para buscar um mundo mais justo e igualitário para todas nós.

 

 

*Pollyanna Dutra, secretária de estado do desenvolvimento humano do estado da Paraíba. Ex-deputada e ex-prefeita com destacado reconhecimento nacional e internacional. Médica Veterinária (UFPB) e Gestora Pública (UEPB).

 

 


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