BRASIL

Economistas defendem “Coalizão Progressista” a partir da sociedade civil para pressionar Congresso Nacional

O economista Adroaldo Quintela, diretor executivo do IDENE, e o jornalista e economista J. Carlos de Assis desenvolveram e estão publicando, em especial no site da Revista NORDESTE texto no qual defendem publicamente a existência em construção de “Coalizão Progressista” puxada pela sociedade civil visando pressionar a parte oposicionista progressista do Congresso Nacional no sentido de compatibilizar a política fiscal com o PAC.

No texto, eles expõem minuciosamente os argumentos para a mobilização imediata.

Eis, a seguir, a íntegra do documento:

 

POR UMA “COALIZÃO” PROGRESSISTA

Adroaldo Quintela*  e  J. Carlos de Assis**

Num artigo recente propusemos uma mobilização de massas e a formação de uma “coalizão” no nível da Sociedade Civil para pressionar a parte oposicionista progressista do Congresso Nacional a compatibilizar a política fiscal com o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento do presidente Lula. O ponto principal que foi considerado é que o Presidente da República só viabilizará sua proposta social e de desenvolvimento sustentável, inclusive de combate permanente à fome, se tiver amplo respaldo do povo.

Não se trata de economistas ingênuos. Mudar a política fiscal é um objetivo quase impossível. A mobilização pública que requer está além do que normalmente se exige de movimentos de massa que não tenham uma agenda ambiciosa capaz de levantar o espírito de luta da maioria da cidadania. No momento, temos uma cidadania sem iniciativa e amorfa. É preciso, portanto,antes de mais nada, acordá-la, inclusive quanto à verdadeira natureza da política fiscal, que é imprescindível denunciar como o grande fetiche do ultraliberalismo.

A democracia no Brasil só será consolidada se houver desenvolvimento sustentável. Do contrário, acabará em frustração, desilusão e crise social e política. Já o desenvolvimento sustentável, que depende da realização do PAC, está condicionado à aplicação de uma nova política fiscal, que se encontra essencialmente nas mãos do Congresso. Em última instância, portanto, só a Sociedade Civil mobilizada, pressionando o Congresso, garantirá o desenvolvimento sustentável, a democracia e um dos seus estabilizadores, o combate à fome.

O longo período de Temer e Bolsonaro restringiu os espaços de afirmação dos interesses específicos da Sociedade Civil, cujas lideranças tiveram de se voltar para a busca do interesse geral, ou seja, essencialmente, da própria democracia. Uma vez reconquistada a democracia,seu primeiro movimento foi no sentido de afirmar os interesses próprios diante do Estado democratizado. O  8 de janeiro apontou um risco de instabilidade, mas, diante da firmeza de Lula em defendê-la, não foi suficiente para tornar de novo a democracia como o objetivo central.

Com isso, as lideranças sociais voltam ao padrão antigo da defesa dos próprios interesses, sociais ou identitários, na ilusão de que a democracia está garantida. Contudo, conforme observado acima, ela não está. Depende do desenvolvimento sustentável, pois, sem ele, a médio e longo prazos, as melhorias sociais de agora, como o combate à fome, não se sustentarão estruturalmente. Para ter uma infraestrutura econômica e social sólida, é preciso ter desenvolvimento sustentável. E, para ter desenvolvimento sustentável, é essencial mudar a política fiscal, conforme estamos insistindo.

O desafio colocado às lideranças das entidades da Sociedade Civil é que suspendam, temporariamente, suas demandas específicas, para se concentrar de novo no interesse geral – no caso, agora, pela mudança da política fiscal. Se quem tem o comando da política fiscal é o Congresso, a pressão para mudá-la terá de ser exercida diretamente sobre os parlamentares, mediante um grande movimento de massas. O melhor exemplo histórico foram as grandes mobilizações de rua pela democracia antes das eleições. No presente, o foco terá de ser a política econômica.

As dificuldades são imensas. A política fiscal, para a esmagadora maioria da população, é um conceito abstrato. Objetivamente, poucos sabem do que se trata, e parte dos que sabem – o “mercado” -, utilizam-no sentido de manipular as massas. Com isso, o primeiro passo para levantar o povo no sentido de “ganhar” pelo menos parte dos conservadores do Congresso, a fim de fazermos uma grande “coalizão” em favor de uma nova política fiscal, é uma campanha pedagógica para explicá-la.

Nossa proposta é que as principais entidades de representação social – Centrais Sindicais, Movimentos de Mulheres, Movimentos de Negros, Movimentos de Estudantes, Movimento de Engenheiros pela Democracia,MST, MPA, Contag, OAB, Cofecon, entre outras – organizem-se para fazer essa campanha. Em termos práticos, o Movimento de Engenheiros pela Democracia, já com experiência nesse campo, poderia, junto com o Cofecon, formar uma comissão de voluntários, para, através dela, estabelecer uma agenda de videoconferênciaspara uma discussão ampla da política fiscal numa forma que possa ser bem compreendida pela população.

Seria fundamental a participação de entidades de representação empresarial no movimento, como CNI, CNC, CNA e outras. Mesmo que não seja da natureza delas uma articulação com movimentos de massa, podem dar importante contribuição à discussão fiscal no plano das ideias, tendo em vista sua vinculação com o PAC, e sendo o PAC o eixo básico do desenvolvimento sustentável. Exemplo da combinação dos interesses de massa com os interesses empresariais é a questão da desoneração da folha de pagamentos, cujo veto de Lula ao projeto respectivo estará em breve na pauta do Congresso. Outro exemplo é a discussão da anistia para quem não fez crimes graves nos tumultos de 8 de janeiro.

Os integrantes da comissão devem identificar voluntários que sejam especialistas em políticas fiscais para estabelecer contatos preliminares com suas bases a fim de realizar debates internos ou públicos sobre o tema, também através de videoconferências, mas,eventualmente, de forma presencial.

Na medida em que avancem as discussões através das videoconferências ou presenciais, no âmbito da Sociedade Civil, deve-se buscar, junto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ao presidente da Câmara, Artur Lira, a marcação de um grande debate sobre política fiscal no plenário do Congresso. Como, obviamente, há visões diferentes sobre o tema, o lado progressista indicaria trêsparticipantes no debate, e o lado liberal, outros três, indicados independentemente por suas lideranças.

Até esse ponto,  os líderes políticos no Congresso deveriam limitar sua atuação a recomendar às lideranças da Sociedade Civil mobilizar suas bases para participarem do movimento. Isso, estrategicamente, evitaria confrontos ideológicos no Parlamento, perfeitamente dispensáveis,neste momento, entre situação e oposição, quando algo muito mais importante está em jogo, ou seja, a política fiscal. No momento seguinte, sim, caberia aos parlamentares governistas buscar estruturar a “coalizão” com parte dos oposicionistas com base em propostas objetivas de política fiscal, articuladas com os objetivos do desenvolvimento sustentável e de políticas sociaispropostos por Lula.

Contudo, tudo isso será inútil, e confinado às “elites” dos movimentos sociais, se não houver efetiva articulação com as massas refletida nas ruas. Esse será o trabalho essencial dos dirigentes das organizações acima mencionadas, principalmente as Centrais Sindicais e os movimentos profissionais, que tem estruturas próprias de mobilização e formas de contato com as demais entidades.Movimentos integrados de mulheres, negros, estudantes e religiosos – vamos tentar atraí-los -, que têm grandes contingentes de participantes, representam as massas que constituirão as bases do movimento global, que deverá empurrar os congressistas para uma “coalizão”verdadeiramente progressista no Congresso.

*Economista, diretor-executivo do IDENE.

** Jornalista, economista e professor

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