BRASIL

Entenda porque o Nordeste se mantém atrasado e confira principais avanços

O CRESCIMENTO E ATRASO

Por Paulo Dantas

Como já dizia Tom Jobim, “o Brasil não é um país para principiantes”. O mesmo pode ser dito do Nordeste, por isso não é uma tarefa simples encontrar as razões para essa espécie de desenvolvimento tardio da região, nem para a ampliação das desigualdades do Nordeste em relação a outras regiões, como o Sul e o Sudeste. Mas o que se sabe está documentado em dados oficiais e apontam para uma tendência da União, após o fim do ciclo do café, em privilegiar o Sul e Sudeste, em detrimento do Nordeste.


O argumento que diz ter sido o ciclo do café e o advento da mão de obra assalariada que propiciou o desenvolvimento do sul e sudeste (veja matéria nesta edição) talvez explique em parte porque a renda per capita do Nordeste era 47% da média da renda per capita brasileira de meados do século XIX. Mas não justifica porque o percentual continua praticamente inalterado ainda hoje (48%), quase 100 anos depois do fim do ciclo do café (historicamente o ciclo vai de 1800 a 1930).


Conforme estimativas elaboradas pelo professor Roberto Cavalcanti de Albuquerque, com longa carreira acadêmica e autor, dentre inúmeras obras do livro “O Desenvolvimento Social do Brasil”, que faz um balanço do quadro econômico e social do Brasil de 1900 a 2010, o PIB do Nordeste cresceu aproximadamente 2.396% de 1940 a 2010, em termos reais. Algo assombroso, sem dúvida. O PIB per capita, por sua vez, incrementou-se 581% nesse mesmo período. Apesar dessa expansão, o PIB do Nordeste tem oscilado entre 12% a 16% do PIB brasileiro no mesmo período. Por sua vez, o PIB per capita (a divisão das riquezas pelo número de habitantes) do Nordeste tem variado entre 38% a 48% do PIB per capita do Brasil no mesmo período. A média continua a mesma de 100 anos atrás.
Isso significa dizer que o PIB e o PIB per capita da região têm crescido, na verdade até cresceu bastante. Mas acontece que como o PIB do Brasil também cresceu, foram mantidas as disparidades. Isso fez com que desde a metade do século 20 até hoje, os números (e parte da realidade) permaneçam praticamente a mesma coisa. “A economia não estagnou, cresceu. Em alguns períodos cresceu em ritmo acelerado até. É verdade que o PIB gira em torno de 38% a 48% do PIB do Brasil? É verdade! Mas também é verdade que o PIB cresceu. A economia não ficou estagnada”, ameniza Airton Saboya, consultor do Escritório Técnico do Nordeste (ETENE), vinculado ao Banco do Nordeste.


Apesar de se constatar o crescimento do PIB, vale ressaltar que a região tem 28% da população do país e concentrava, em dezembro de 2014, 12,8% do saldo das operações de crédito no Brasil. Os números podem confundir o leitor, mas dados levantados pela Associação dos Funcionários do Banco do Nordeste do Brasil (AFBNB), apontam que a relação Crédito/PIB é extremamente desvantajosa para o Nordeste. Esse montante (12,8% das operações de crédito) corresponde a R$ 385 bilhões e representa 6,98% do PIB do Brasil (que em 2014 era de R$ 5,5 trilhões). Esses números não chegam nem na metade do que corresponde para o país a economia da região, que é 14% do PIB. Além disso, apesar desses números, de acordo com o IBGE, o Nordeste tem 9 milhões de pessoas na linha de pobreza. Isso significa 53,80% dos pobres do Brasil (dados de 2013).


Ainda, tomando por base apenas os bancos públicos, a distribuição dos recursos para a região por meio do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) acaba sendo cinco vezes inferior ao que o Nordeste transfere de sua poupança para o financiamento do crescimento do Centro-Sul brasileiro, especialmente do Sudeste. Lembrando que o FNE tem como finalidade contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Nordeste, mediante a execução de programas de financiamento aos setores produtivos (confira dados nas próximas páginas).


A relação com os bancos privados pode ser pior ainda, revela Saboya. “Historicamente, os bancos, especialmente os privados, captam recursos no Nordeste e transferem especialmente para o Sudeste. Isso tem ocorrido de forma sistemática e histórica”, pontua. Segundo o superintendente do ETENE, Fran Bezerra, a legislação do Brasil não obriga ao banco investir o que capta na mesma região. “O que pode reverter esse mecanismo, é fortalecer os bancos públicos de forma que apliquem em regiões menos desenvolvidas, a exemplo do Nordeste. A medida que os bancos, aumentarem os investimentos no Nordeste é possível reverter esse processo de transferência. Mas sabemos que para isso ocorrer a região também precisa apresentar dinamismo”, frisa.


Apesar dessa tendência dos bancos públicos, de baixo investimento na região, esse quadro foi alterado em 2013 e 2014. A título de exemplo, o saldo de crédito das agências oficiais de fomento no Nordeste saltou de R$ 51,4 bilhões em 2005 para R$ 278,8 bilhões em 2014. Segundo Saboya, o ETENE vem acompanhado há bastante tempo essa transferência de crédito e isso nunca tinha acontecido antes. “Nos últimos 20 anos tinha se mantido a evasão”.
Antes disso a evasão era a norma.


Os economistas ressaltam que esses investimentos são importantes para que seja mantido o crescimento do PIB do Nordeste diminuindo as desigualdades. Segundo estudo do IPEA, o Nordeste precisaria crescer a uma taxa de 3% acima da média nacional por 16 anos para alcançar 75% do PIB per capita nacional, um indicador aceitável pela União Europeia para a distância entre suas regiões. “Isso somente será factível com a realização de elevados investimentos produtivos no Nordeste”, defendeu Fran Bezerra.


Outro dado importante tem a ver com os insumos comprados pelo Nordeste de outras regiões. Números de 2009 apontam que o Nordeste adquiriu R$ 90 bilhões de insumos principalmente do Centro-Sul e vendeu R$ 82 bilhões para outras regiões, de forma que registrou um déficit de R$ 8 bilhões no comércio interestadual. Dados específicos da Paraíba, mais recentes, apontam uma forte dependência de importação de insumos. O estado registrou um déficit em 2013 de R$ 11,451 bilhões ao comparar as compras e as vendas.


Desta forma, parte importante da demanda gerada no Nordeste continua abastecida pela economia do Centro/Sul, em um processo de “vazamento” de renda que restringe a capacidade de geração de empregos na quantidade e qualidade necessárias. Os economistas acreditam que à medida que o setor produtivo do Nordeste se fortaleça, os chamados “vazamentos” econômicos e financeiros serão gradativamente reduzidos, mas o cálculo, onde os mais pobres financiam os mais ricos, parece soar realmente algo perverso.

DADOS melhoraram a partir de 2001 

A ascensão de uma nova classe média no Brasil é uma das explicações econômicas do avanço e de uma atenção levemente melhorada para a região Nordeste. A transformação aconteceu principalmente durante o final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e os anos de Luís Inácio Lula da Silva (PT) no Governo.


O Atlas Brasil 2013, que reúne mais de 5 mil municípios do país e fotografa a evolução dessas cidades entre 1991 a 2010, aponta diversos exemplos de melhoras em todo país. É possível acompanhar a evolução de São Paulo no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), mas também de cidades como Recife, Fortaleza e João Pessoa, apenas para ficar em alguns exemplos.


Para o economista e professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ladislau Dowbor, esses avanços na verdade começaram com a Constituição de 1988, que estabeleceu regras claras do jogo econômico e jurídico do país. “Em 91 tínhamos 85% dos municípios classificados com IDHM muito baixo. Em 2010 foram 0,6%. Isto é, 32 municípios. Todos evoluíram para nível de IDHM médio, alto e muito alto. O nível muito baixo, abaixo de 0,5%, quase desapareceu”, ressalta. Outro ponto que corrobora a tese de Dowbor aponta justamente para o aumento da expectativa de vida. De 91 a 2010 o brasileiro saltou de 65 para 74 anos de vida. Incluindo aí dados de 2012, chega-se a um número redondo: em 2012 vivia-se 10 anos a mais que em 1991. “Incluir dez anos a mais na vida do brasileiro significa um resultado gigantesco. Isso revela um conjunto de tragédias reduzidas”.


No entanto, ao se voltar os olhos para a região Nordeste ainda se verifica desigualdades profundas. Questionado sobre o por quê da manutenção da desigualdade entre a região Sudeste e o Nordeste, Dowbor argumenta: “Não é em 20 anos que se resolve isso. Estamos entre os 10 países mais desiguais do planeta. Os avanços são muito grandes nessas últimas décadas, mas o buraco continua imenso. O Brasil passou de um universo de 13% dos jovens de 18 a 20 anos que tinham o secundário completo em 91, para 41% em 2010. O número é bom, só que 41% ainda é um desastre, teria que ser 80%.”, explica.


Reafirmando estudos feitos pelo ETENE, o economista afirma que os bancos têm uma máquina de drenagem do dinheiro do Nordeste para Sul. “O crescimento estancou, mas o lucro dos bancos entre 2013 para 2014 aumentou entre 20% e 30%. Eles drenam esse dinheiro e aplicam em títulos do governo ou em paraísos fiscais no exterior”. Dowbor explica o processo de transferência de poupança. “O crediário cobra, por exemplo, 104% para ‘artigos do lar’ comprados a prazo. Acrescente os 238% do rotativo no cartão, os mais de 160% no cheque especial. Você tem mais da metade da capacidade de compra dos novos consumidores drenada, esterilizando grande parte da economia pelo lado da demanda”, acusa.


No entender do economista, a relação desigual entre Sudeste e Nordeste continua, porque se há iniciativas dos estados do Nordeste tentando financiar atividades interessantes de microcrédito, os bancos visam sempre metas para extrair mais dinheiro do cliente.  

ÍNDICES MELHORADOS

Apesar de concentrar substancial parcela dos pobres brasileiros, o Nordeste tem reduzido números. Em 2001, 14,0% da população brasileira dispunha de renda domiciliar per capita de até US$ 1,25/dia. Em 2012, a extrema pobreza havia se reduzido para 3,5% da população. No Nordeste, a redução foi de 43,0% em 2001 para 11,1% em 2012.

IDH em alta
O IDH do Nordeste evoluiu de 0,405 para 0,666 de 1991 a 2010 (melhor quanto mais próximo de 1,0). O índice de Gini, que mede a concentração de renda, reduziu-se no Nordeste, de 0,626 para 0,537 (melhor quanto mais próximo de zero) de 2001 a 2012.

Recife (PE)
IDHM saiu de 0,576 em 91 para 0,776 em 2010. A dimensão que mais contribuiu para o IDHM do município foi longevidade, com índice de 0,825, seguida de renda, com índice de 0,798, e educação, com índice de 0,698.

João Pessoa (PB)
IDHM saiu de 0,551 em 1991 para 0,763 em 2010. A dimensão que mais contribui para o IDHM do município foi longevidade, com índice de 0,832, seguida de renda, com índice de 0,770, e de educação, com índice de 0,693.

Fortaleza (CE)
IDHM saiu de 0,546 em 1991 para 0,754 em 2010. A dimensão que mais contribuiu para o IDHM do município foi longevidade, com índice de 0,824, seguida de renda, com índice de 0,749, e educação, com índice de 0,695.

Renda Domiciliar
A renda domiciliar per capita no Nordeste, por sua vez, passou de R$ 431 para R$ 679 entre 2001 e 2012.

NÚMEROS DESIGUAIS

PIB do Nordeste em comparação com o do Brasil caiu de 16,9% em 1939 para 13,56% em 2012

O PIB nominal (dados de 2012)
Nordeste 13,56%
Sul 16,18%
Sudeste 55,9%
Centro-Oeste 9,8%
Norte 5,27%

Enquanto o PIB per capita (dados de 2012)
Nordeste R$ 11 mil
Sul R$ 25,6 mil
Sudeste R$ 29,7 mil
Centro-Oeste R$ 29,8 mil
Norte R$ 14,1 mil

Repasse do FPE
O TCU identificou R$ 190 bilhões não distribuídos aos fundos em decorrência da desoneração entre 2008 e 2012. Destes 35,7% do FPM e 52,5% do FPE

Investimentos dos bancos oficiais no NE (ESTIMATIVA para 2015)
BB + BNDES + CEF:
Nordeste 16,61%
Sudeste 45,83%
Sul 22,01%
Centro-Oeste 10,32%
Norte 11,94%

Dívida dos Estados
Nordeste
União R$ 19 bilhões – 4,64%
Instituições Financeiras Públicas R$ 21,8 bilhões – 20,49%
Instituições Financeiras Privadas R$ 26,7 milhões – 0,95%
Total: R$ 41,8 bilhões – 7,75%

Sul
União R$ 65, 9 bilhões – 15,33%
Instituições Financeiras Públicas R$ 11,9 bilhões – 11,20%
Instituições Financeiras Privadas R$ 133 milhões – 4,73%
Total: R$ 77,9 bilhões – 14,46%

Sudeste
União R$ 325,6 bilhões – 75,72%
Instituições Financeiras Públicas R$ 42,2 bilhões – 39,69%
Instituições Financeiras Privadas R$ 1,4 bilhão – 51,30%
Total: R$ 369,3 – 68,48%

Fonte: ETENE

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