BRASIL

Especialistas constatam melhora nas consultas e cobertura do “Mais Médicos”

Por Paulo Dantas

O Programa “Mais Médicos” está dando certo. A afirmação não vem só do Governo Federal, mas de pesquisadores que se debruçam sobre números que mostram melhora na cobertura à atenção básica, apontado pelo maior número de médicos e consultas. A melhora também é sentida pelos usuários do sistema que garantem: estão sendo bem atendidos.

Entre os estudiosos que têm pesquisado a viabilidade e os resultados do Programa, está a professora Leonor Pacheco, que coordenou equipe da Universidade Federal de Brasília (UnB) em visitas “in loco” a 32 cidades, a maioria nas regiões Nordeste e Norte (28 cidades, das 32), mas também no Centro Oeste, Sudeste e Sul. As cidades visitadas pelos pesquisadores foram escolhidas entre as que ainda têm populações vivendo em situação de pobreza extrema. “Nós fomos verificar as mudanças no acesso e na oferta de serviços, como aumento de consultas, procedimentos, encaminhamentos. Nossa pesquisa vai estudar três anos, para ver a diminuição das internações e da mortalidade”, pontuou a professora. Parte da pesquisa já foi divulgada – a NORDESTE teve acesso a parte que trata do impacto do Programa em comunidades Quilombolas – duas cidades no Rio Grande do Norte e uma no Pará. Além disso, Leonor adiantou que a pesquisa já constatou a redução da mortalidade infantil para zero em alguns municípios do Nordeste nesse ano e meio do Mais Médicos.

“A sensação da população é mais do que boa, é excelente!”, informa a pesquisadora ao explicar que muitas das populações assistidas pelo Programa nunca tiveram acesso à ação integral da atenção básica, não tinham médicos ou tinham de forma esporádica, apenas alguns dias no mês. A permanência dos médicos nos municípios estudados possibilitou a realização de ações de prevenção, a promoção da saúde e o estabelecimento de vínculo com os usuários. Dos 14.462 médicos contratados pelo Projeto Mais Médicos (PMM) nas cinco primeiras etapas, 3.390 foram alocados em 801 municípios com presença de comunidades quilombolas, ou seja, aproximadamente 23% das contratações.

No documento da pesquisa, uma das entrevistadas contou como era antes do programa: “Às vezes a gente saia daqui para o posto andando, e não tinha uma ficha pra gente se consultar, ai tinha que ficar de manhã até a tarde e as vezes o médico não ia. Isso sem falar quando o médico ia embora do município e a gente ficava 9, 10 meses, quase um ano, sem médico. Era um sofrimento. Agora não, a gente tem certeza que a médica vai tá lá para atender, então isso mudou né?”.
Entre as vantagens do programa estão a possibilidade de um maior planejamento na saúde, a visitação nas residências com a participação do médico, além do aumento no número de consultas. “As pessoas se consideram bem atendidas, inclusive afirmam que o exame físico é mais rigoroso, demorado, e a explicação sobre a doença é mais detalhada”, conta a pesquisadora. 

 

Língua estrangeira não é obstáculo

Em relação à propalada preocupação na dificuldade de entendimento, devido a diferenças de idiomas, Leonor Pacheco explica que essa dificuldade não tem sido registrada no levantamento da pesquisa. Segundo a professora, no início as abordagens com os médicos estrangeiros eram feitas junto com os agentes comunitários de saúde, mas com o tempo, foi sendo percebido que os pacientes não viam a língua como uma barreira.
O Ministério da Saúde lembra que outra pesquisa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que embora aproximadamente 10% das pessoas relatem que no início tiveram alguma dificuldade de comunicação, só 3% dos usuários relataram que esse problema gerou algum prejuízo na consulta. O MS adiciona um dado mais impressionante do mesmo levantamento: pesquisa com médicos brasileiros sinalizou que o mesmo percentual de problemas comunicacionais existe entre médicos nativos e os usuários. Não por conta da língua, mas pela linguagem do profissional.

 

Real cobertura
 

Em levantamento recente feito pelo Ministério da Saúde (MS) sobre o impacto do programa até agora, foi registrado maior cobertura e mais consultas. A informação é do médico Hêider Pinto, sanitarista que esteve à frente do Departamento de Atenção Básica do Ministério e hoje comanda a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. O Ministério revela que a atenção básica no Brasil crescia minimamente há seis anos. “Estávamos tendo uma expansão de aproximadamente 1,5% de população sendo coberta. O Mais Médicos conseguiu melhorar a atenção básica mais do que nos seis anos anteriores”, frisa Pinto.

Em relação à ampliação de consultas, pesquisa realizada pela Rede de Pesquisa Observatório do programa Mais Médicos, que envolve mais de 14 instituições (sendo 11 universidades públicas), identificaram que nos 4 mil municípios que fazem parte do programa, a maioria teve aumento de 33% na oferta de consultas, comparando janeiro de 2015 com janeiro de 2013. Enquanto isso, nos municípios que não têm nenhum médico do programa, o aumento foi de apenas 15%.

O Ministério considera que houve também a ampliação do número de procedimentos como sutura de pontos, retirada das unhas, aplicação de soro, entre outros. “A pessoa sofria um corte e muitas vezes tinha que ir para urgência, agora as Unidades básicas passaram a fazer a sutura de pontos”, lembra. “Muitas vezes, a unidade encaminha o usuário com dengue para o hospital só para ele fazer hidratação. Se você tiver um soro, um leito, e a sala de observação, o médico pode atender essa pessoa”, garante. O secretário argumenta que essas ações estão possibilitando diminuir as filas para atendimentos nos hospitais.

A pesquisa do Observatório da Rede Mais Médicos constatou uma redução nas internações nos municípios que fazem parte do programa. O número caiu mais de 4% comparado com cidades que não fazem parte do programa. “Parece pouco, mas é muita coisa. São dois impactos positivos: o humano e o econômico. A família não precisa se deslocar para cuidar do usuário e, segundo, esse leito que seria ocupado com essa pessoa (no hospital) agora fica disponível para atender outras pessoas que precisam de atendimento. A tendência do Mais Médicos é reduzir ainda mais a internação. Mantendo-se o comportamento observado em 2014, cerca de 100 mil pessoas deixarão de ser internadas nos hospitais”.


Críticas

É impossível falar do Mais Médicos sem se referir as críticas sofridas pelo programa quando da sua criação, em grande parte muitas delas vindas dos Conselhos de Medicina, da Imprensa, da oposição e de médicos pelo país. Muitos recorreram ao Supremo (e perderam) alegando a inconstitucionalidade do programa. Virou manchete nacional uma médica em Fortaleza chamando um cubano negro de ‘escravo’. Leonor Pacheco, que é chefe de saúde coletiva na UnB, garante que nem todos os médicos tiveram uma posição negativa quando o programa foi lançado. “Houve uma reação, mas não se pode dizer que foi uma unanimidade”, pontua a cientista. Hêider Pinto lembra que o Ministério teve alguns embates. “Mas acredito que muitas dessas críticas estão superadas”, ressalta.

Entre as críticas ao programa se falava que não faltavam médicos no Brasil. No entanto, levantamentos feitos pelo MS mostraram que o Brasil tem 1,8 médicos por mil habitantes. Países como Uruguai e Argentina têm o dobro. Portugal e Espanha têm 4 médicos por mil habitantes. Hêider afirma ainda que os médicos são muito mal distribuídos no país. Segundo o secretário, apenas cinco unidades da federação (Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espirito Santo) têm números acima da média nacional.

Com a evolução do programa para ampliação do número de faculdades de medicina, as críticas também evoluíram e parte da classe médica passou a dizer que não era preciso mais faculdades, que o Brasil era um dos países do mundo com o maior número de escolas. “Está certo esse argumento? Está certo, mas isso não quer dizer nada. Eu posso ter uma escola com mil vagas, como tem nos EUA, ou posso ter uma escola com 50 vagas, como têm muitas no Brasil. O problema no Brasil é que as escolas têm poucas vagas. O melhor cálculo não é comparar o número de escolas do EUA com o do Brasil, mas o número de vagas por 10 mil habitantes. E aí quando você compara o número de vagas, descobre que o Brasil é que tem o menor número de vagas do mundo. O argumento mais recentemente é que as escolas de medicina não vão ter qualidade. Eu garanto que nós nunca tivemos tantas condições de acompanhar a qualidade das faculdades como agora”, destacou Hêider.
 
Contudo, já é visível uma mudança de postura dos médicos brasileiros. Na primeira etapa, apenas 20% dos médicos do programa eram brasileiros ou tinham diplomas validados no Brasil. Os médicos cubanos cobriam os restantes 80%. Agora, com a maior adesão dos brasileiros, os cubanos representam 63% do total de inscritos.

Novas faculdades, vagas e rigidez na formação

A crise exposta quando milhares de brasileiros foram às ruas nas manifestações de 2013, obrigou ao governo e ao sistema a rever sua política de atenção básica. Primeiro com a contratação de mais médicos, depois a mudança chegou aos currículos das faculdades de medicina, foi estabelecida a obrigatoriedade da interiorização do ensino e um rigor maior na avaliação da qualidade do profissional que está sendo formado. Novas diretrizes tornaram obrigatório ao médico, antes de estudar para uma especialidade, ter que fazer uma residência no Sistema Único de Saúde (SUS). “O brasileiro está se especializando muito rápido sem ter prática na clínica geral”, reclama Leonor Pacheco

“O jeito de você aumentar a quantidade de médicos no Brasil é expandindo as vagas de medicina e residências médicas. A meta é ampliar em 11,5 mil vagas de medicina por ano até 2017. Significa que a cada ano vamos formar 11,5 mil médicos a mais”, pontua o sanitarista Hêider Pinto. Segundo o secretário, o Ministério já conseguiu colocar em prática aproximadamente 60% da meta. A intenção do Ministério da Saúde, e em especial do Ministério da Educação, é ter uma proporção até 2026 de 2,7 médicos por mil habitantes em cada unidade da federação e ter até 2017 1,34 vagas por 10 mil habitantes.

O Governo Federal estabeleceu regras que estipulam só ser permitido a criação de faculdades em locais onde for levado em conta necessidades sociais e do Sistema Único de Saúde. Os novos critérios do MEC e do Ministério da Saúde têm o objetivo de levar os novos cursos mais para o interior do que para as capitais do país. Outra medida estruturante que o Mais Médicos possibilitou foi obrigar que o município que recebesse o programa aderisse ao Requalifica, o programa do PAC II destinado a obras de construção, reforma e aparelhamento das Unidades de Saúde da Família (USF).

Além disso, a região Nordeste receberá atenção especial. Segundo o Ministério, será a primeira vez que a região terá vagas que farão com que a proporção (de vagas) por habitantes se iguale as do Sudeste. Também será a primeira vez que o interior do Brasil terá mais vagas que as capitais. A Lei do Mais Médico e as alterações curriculares também possibilitarão pela primeira vez uma avaliação mais rigorosa dos novos médicos formados.

O MEC já anunciou que pode vir a cassar as licenças dos cursos que não fizerem as mudanças curriculares. Um dos instrumentos para medir os cursos e impedir que as próximas faculdades criadas não caiam de qualidade é a avaliação de progresso que será feita com estudantes do segundo, do quarto e do sexto ano. Além disso, o MEC anunciou que no primeiro semestre do ano que vem todas as mais de 200 faculdades de medicina vão ser visitadas para ver se implantaram as novas diretrizes.

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